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Sucesso não calculado

Como Macklemore e Ryan Lewis – um rapper de Seattle com um passado de vícios e um produtor jovem e arrogante – assumiram juntos o trono do pop

Brian Hiatt | Traducão: Ligia Fonseca Publicado em 31/10/2013, às 20h13 - Atualizado às 20h22

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Macklemore - Peter Yang
Macklemore - Peter Yang

Ben “Macklemore” Haggerty, um homem adulto noivo e com rugas começando a aparecer em volta dos olhos azul-acinzentados, acaba de pedir um coquetel de refrigerante com groselha. Ele está sentado em uma cabine de couro verde em um restaurante do centro de Seattle, sua cidade-natal. Como um autoproclamado “rapper bonzinho”, alcoólatra e viciado em drogas em recuperação cujas letras pregam contra os males da homofobia, do sexismo e de camisetas de US$ 50, Haggerty não se dá muito espaço para vícios. Trocou os cigarros pelos ocasionais cigarros eletrônicos, e mal toma café. “Açúcar é definitivamente obrigatório”, diz, no entanto. “De vez em quando, vou até um posto de gasolina e gasto US$ 20 em doces e me acabo de comer no quarto do hotel.” Nesse ritmo, futuras letras de Macklemore podem ter de abordar os perigos do diabetes, mas graças à aeróbica intensa dos mais de 200 shows que ele terá feito até o final do ano, suas deficiências alimentares ainda não pesaram. Aos 30 anos, Haggerty é magro o suficiente para fazer o look casual de hoje funcionar: camiseta roxa lisa, calça listrada, tênis brancos – dos quais, apesar de sua música antimaterialismo “Wings”, focada na Nike, ele ainda não desistiu. “Estou sendo hipócrita? Totalmente”, afirma. “Mas tudo bem, sou um ser humano e não preciso ser perfeito. Posso compor uma faixa como ‘Wings’ e usar Nike.”

Haggerty levanta a bebida preto-avermelhada em um brinde. Tem muito o que comemorar ultimamente, embora pareça mais cansado do que exuberante. Principalmente, há o fato de que ele e o parceiro musical, o produtor Ryan Lewis, já venderam cerca de 1 milhão de cópias do álbum de estreia juntos, The Heist – e conseguiram ir além de “Thrift Shop”, um sucesso tão enorme que ameaçou fazer dele o Psy norte-americano: o clipe inteligente foi visto quase 450 milhões de vezes. Temeu passar o resto da vida como “o cara de ‘Thrift Shop’”, mas o single seguinte “Can’t Hold Us” surpreendentemente chegou ao número 1 também. Só que o sucesso de “Same Love”, a comovente e direta música pró-casamento gay – o primeiro hip-hop de sucesso a tocar no assunto – significou muito mais. A faixa foi parcialmente inspirada pelo fato de que ele tem “supertios gays” – dois irmãos do pai dele, mais os respectivos companheiros de cada um. “‘Same Love’ foi um grande alívio”, o rapper conta. “Sim, o mundo vai me conhecer por outra coisa, mesmo se eu nunca mais gravar outro álbum ou, sabe, vender muitas cópias ou qualquer coisa – o legado que estou deixando no mundo é mais do que uma música sobre roupas de segunda mão.”

Macklemore também é grato pelo fato de o sucesso ter acontecido agora, quando está sóbrio, e não por volta de 2005, quando lançou o primeiro disco. “Fico assustado em pensar no que poderia ter acontecido”, ele diz casualmente, mordendo um sanduíche. “Faça as contas. Um viciado sem moderação e com muito dinheiro na mão? Eu teria morrido.”

Embora macklemore e ryan lewis finalmente tenham começado a penetrar nas rádios de hip-hop, os dois continuam atraindo fãs que não compraram Yeezus, de Kanye West, ou o disco de estreia de Kendrick Lamar. Especialmente quando “Thrift Shop” estava estourando, ganharam a reputação de “hip-hop para gente que não gosta de hip-hop”. Como Macklemore praticamente nunca escutou nada que não fosse rap, esse tipo de afirmação o deixa louco. “Odeio isso”, afirma. “Odeio. Quer dizer... fazer o que, mas é ignorância.”

Porém, ele tem algumas coisas a pontuar. “Fizemos um ótimo álbum”, continua, “mas acho que nos beneficiamos de ser brancos e ter a mídia agarrando algo. Uma música como ‘Thrift Shop’ era suficientemente segura para as crianças. Foi do tipo ‘Esta é uma música de que minha mãe gosta e posso gostar como adolescente’, e, embora eu fique xingando muito na faixa, o fato de eu ser branco faz os pais se sentirem mais seguros. Eles deixam o filho de 6 anos escutar. É simplesmente... diferente. Esse sucesso teria sido o mesmo se eu fosse negro? Acho que a resposta é ‘não’”.

Haggerty foi um bom garoto até deixar de ser. No final da 8a série, tomou o primeiro drinque, que acabou se tornando os primeiros 12 drinques. Sentado sozinho no quarto em dias de aula, ele virava dose atrás de dose. O primeiro ano do ensino médio na Garfield High School não foi dos melhores. “Minha mãe ainda não gosta de falar disso”, revela. “Virei um babaca por uns 18 meses. Infernizei a vida dos meus pais, não os respeitei.”


Apesar disso, ele também encontrou o trabalho que queria, começando a fazer rap com quatro outros meninos em um grupo chamado Elevated Elements. Na época, Haggerty era fã de hip-hop de sucesso: Wu-Tang, Nas, Tupac e The Notorious B.I.G. (ele ainda hoje usa um crucifixo no pescoço, em homenagem a Biggie em vez de Cristo), mas começou a gravitar em direção ao trabalho mais introspectivo e consciente de Talib Kweli e Freestyle Fellowship. Em uma entrevista para o jornal da escola, criticou músicas de hip-hop que “se concentram em coisas negativas como com quem você transa e que tipo de champanhe bebe. Queremos ir além disso para transmitir nossa mensagem de positividade”.

A única substância que tinha efeito benéfico em Haggerty provinha de cogumelos psicodélicos. Durante o 2o ano do ensino médio, ele ficava acordado a noite inteira, viajando, escutando “música indígena esquisita” e escrevendo letras. “Isso me deu um contexto espiritual que me moldou completamente como adolescente”, afirma. “Até aquele momento, eu não tinha conexão nenhuma com nada maior do que eu, e isso me deu fé no Universo e moldou totalmente a música de que eu gostava, a forma como eu compunha. E eu amava isso.” Mais tarde, começou a fazer meditação e até passou alguns dias em um mosteiro budista durante uma viagem de um grupo de jovens para a Índia.

Depois dos anos na faculdade, a carreira de Haggerty no rap estourou quase instantaneamente. Ele se uniu ao produtor Josh “Budo” Karp e a dupla gravou uma faixa bastante oportuna chamada “Welcome to MySpace” no segundo trimestre de 2005. O cofundador do MySpace, Tom Anderson, tocou-a na página inicial do site e Macklemore teve seu primeiro sucesso viral. O rap, parecido com Eminem – que inclui uma advertência incomum e politicamente incorreta sobre conhecer garotas no site que acabam tendo “1,80 m de altura e cara de homem” –, foi um sinal precoce da verve marqueteira de Macklemore. Seis meses depois, ele lançou o primeiro álbum sozinho, The Language of My World, produzido por Karp, e logo começou a ganhar alguns milhares de dólares por mês com sua música. Haggerty e o produtor se mudaram para uma casa em Seattle com vários outros amigos, pretendendo gravar muito mais juntos. Em vez disso, o rapper levou suas baladas para outro nível e se desligou criativamente.

Apesar dos medos sobre namorar no MySpace, foi nessa época que Haggerty respondeu a uma mensagem de uma linda loira chamada Tricia Davis, que havia se apaixonado por uma das músicas dele. Eles fizeram um piquenique e, sem contar as muitas idas e vindas, estão juntos desde então. No entanto, Tricia apareceu bem a tempo de ver um colapso total. “Ele estava viciado em maconha e dei um ultimato”, ela conta. “Ele parou, ficou sóbrio por quatro meses e nos apaixonamos completamente sóbrios. Então, saiu em turnê, teve uma recaída e foi aí que começaram quatro anos de drogas pesadas, mentiras e traições.”

Uma noite, Haggerty misturou cocaína com ecstasy e o coração dele começou a disparar, sem desacelerar. Ele foi para um hospital, onde foi tratado “como lixo” quando teve de admitir o uso de drogas. “Tecnicamente, não foi uma overdose”, diz. “Foi uma reação ruim.” No entanto, nem essa experiência foi suficiente para fazê-lo parar o que havia se tornado “uma miscelânea – um pouco de cocaína, um pouco de analgésicos, um pouco de xarope turbinado. O que eu conseguisse agarrar na época, misturado com quantidades absurdas de maconha e doses ridículas de álcool”.


O pai dele acabou intervindo e o persuadiu a ir para a reabilitação. O programa dos Doze Passos funcionou, mas, quando ele saiu, mudou-se para o porão dos pais. Tinha 25 anos e não havia lançado um disco em três anos. “Foi bem humilhante”, conta. “Senti que tinha estragado minha carreira no rap.” Karp já não podia retomar a parceria, porque estava trabalhando em músicas próprias. Profundamente deprimido, Haggerty acalmou os pais ao finalmente concluir os dois créditos que faltavam para receber o diploma (fez um curso de oratória em uma faculdade comunitária), mas eles o pressionavam para arranjar um emprego. “Foi então que Ryan e eu começamos a trabalhar juntos”, lembra.

Depois da reabilitação, Macklemore e Lewis decidiram fazer um EP juntos. Originalmente, a ideia era formar um grupo como a banda independente de hip-hop Atmosphere (que combina o rapper Slug com o produtor Ant); eles se chamariam Vs., que acabou virando o nome do EP. Lewis insistiu para o crédito de artista incluir o nome dos dois. “Falei que não faria se meu nome não estivesse nos créditos”, afirma o produtor, que fala rapidamente, com uma ênfase quase teatral em cada palavra.

Descendo os degraus de seu antigo colégio, Haggerty reconhece que sempre estará em risco de ter uma recaída. Está ocupado demais para reuniões dos Alcoólicos Anônimos, ocupado demais para fazer o tipo de trabalho beneficente que vê como essencial para sua recuperação. “Sei que não estou trabalhando o programa no máximo da minha capacidade e, quando não faço isso, acho que há espaço para erros. Seria ingenuidade pensar que estou acima disso.”

Apesar disso, ele se sente bastante sossegado. Quer ter filhos logo e não se sente mais tentado a cometer o tipo de infidelidade de turnê que confessava dolorosamente a Tricia no dia seguinte (o fato de ela hoje ser empresária de turnês deles provavelmente ajuda). Lewis também está namorando e diz que não tiveram de se esquivar de tantas tentações quanto se imagina: “Não somos como o Tyrese [Gibson, rapper, ator e VJ] ou algo assim, entende? Uma boa parte dos fãs é tão jovem que não há muita brecha do tipo ‘tem mulheres de 25 anos dando em cima’.”

“Olho para meus colegas”, diz Haggerty, “e muitos deles estão em uma relação, mas não são monógamos ou não estão namorando. E sua mente pensa: ‘E se?’ Sabe, ‘o que eu poderia estar fazendo agora? Com quem poderia namorar?’, mas estou com a pessoa certa. Sou homem, vou questionar isso, mas saio e nem me sinto mais tentado, o que é lindo. Realmente não tenho tempo nem energia para transar com um bando de estranhas agora. Não é onde eu estou.”

Na tarde seguinte, Tricia encontra Haggerty deitado no sofá, no modesto apartamento de dois quartos do qual ainda não conseguiram se mudar, apesar do sucesso. Ele está ficando gripado e não parece bem. Ela lhe diz para “ele colocar a porra do tênis” e ir para uma reunião do AA pela primeira vez em semanas. Haggerty resmunga, mas, no fim, pega o par de Nikes e sai de casa.