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Supermáquinas - Estrelas da tela

Há décadas, os modelos V8 dominam o cinema, a televisão e até a música, ofuscando protagonistas, lançando tendências e marcando época

Murilo Basso Publicado em 11/08/2012, às 11h47

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<b>ICÔNICO</b> Steve McQueen acelera o Mustang em Bullitt  - THE KOBAL COLLECTION/OTHER IMAGES
<b>ICÔNICO</b> Steve McQueen acelera o Mustang em Bullitt - THE KOBAL COLLECTION/OTHER IMAGES

E difícil precisar o início da relação entre a cultura pop e os carros. Com um pouquinho de entusiasmo, poderíamos afirmar que Henry Ford estava ouvindo rock quando teve a ideia de criar o primeiro deles. Hoje, 100 anos após a invenção, o automóvel é um dos ícones mais simbólicos para o universo pop, elemento fundamental na paisagem urbana e determinante para definir estilos de vida. O fato é que os carros alteraram o modo como percebemos o tempo e conquistaram espaço na cultura, e um modelo dos mais clássicos, sempre presente na literatura, filmes e músicas, é o V8.

O primeiro V8 foi fabricado no final do século 19 pelo alemão Gottlieb Daimler, mas o motor só começou a ser produzido em larga escala pela Ford em 1932. Desde então, nunca mais saiu de catálogo. Já no final dos anos 60, a própria Ford lançou a versão 302, e os motores de oito cilindros atingiram o ápice de sua popularidade. Esses motores deram vida a carros como o Mustang e o Maverick, que, apesar do consumo elevado de combustível, sempre frequentaram o imaginário masculino: o que torna o V8 atrativo é sua combinação precisa de leveza e potência, proporcionada pela união de “dois motores em um só”, dispostos lado a lado – e não em linha, como era usual na época de sua concepção. Os oito cilindros posicionados em formato da letra “V” explicam o nome.

A mística agregada a carros – além do Mustang e do Maverick – como Camaro, Cadillac, Landau e Dodge é imensurável. Na década de 70 ficaram conhecidos como Muscle Cars (Carros Musculosos) e não tinham rivais. Para onde se olhasse, lá estavam esses carrões. A fama era tamanha que o cinema correu atrás e tratou de imortalizá-los.

“A adoração a esse modelo é fácil de ser explicada: naquela época, quando entrávamos em um desses veículos, nos sentíamos em um filme. E o cinema teve papel fundamental na consolidação desses modelos”, conta o advogado Carlos Ramos, colecionador de carros antigos. Hoje, acelerar um V8 representa uma viagem a universos paralelos. O som do motor é capaz de transportar o motorista para as cenas de Bullitt, clássico longa em que Steve McQueen decola – literalmente – por São Francisco a bordo de seu Mustang. Já o Maverick, produzido desde 1969 nos Estados Unidos (uma “resposta” da Ford ao então concorrente Opala) não estava presente apenas no imaginário norte-americano. Durante os anos 70, os famosos rachas eram comuns na capital paulista, e os duelos entre Mavericks e Opalas eram corriqueiros. “O Opala compensava o motor menor com seu peso inferior”, explica Ramos. “Mesmo assim, era difícil prever algo.”

Já durante a década seguinte, um Pontiac Firebird foi o carro mais famoso da televisão. K.I.T.T., conhecido no Brasil como o protagonista do seriado Supermáquina, protegia Michael Knight (papel de David Hasselhoff), um ex-agente no combate ao crime. Dotado de inteligência artificial, o carro se transformou no protagonista da história. Seu motor V8 tinha uma potência de 145 cv, chegando a 100 km/h em dez segundos. “A gente reconhece um Pontiac só pelo cheiro”, brinca Alfredo Sampaio, dono de uma restauradora de carros antigos.

O Pontiac se tornou figura recorrente na cultura pop. No clipe de “Scar Tissue”, do Red Hot Chili Peppers, Anthony Kiedis desliza por uma rodovia em um Pontiac Catalina 1967 (a canção, aliás, faz referência ao período em que Kiedis morou em um automóvel). Outro Pontiac domina as cenas em Agarra-me se Puderes (1977): o carro é o companheiro de Bandit (Burt Reynolds) em inúmeras fugas. “A paixão por carros varia de pessoa para pessoa”, explica o empresário e colecionador Mário Stahlke. “No meu caso, procuro associar os veículos que coleciono a momentos particulares da minha vida.”

Viajando no tempo, percebemos que a relação dos modelos V8 com o cinema e a televisão é infinita. Figura fácil no imaginário popular, o Batmóvel sempre foi baseado em carros modificados, mas um dos primeiros modelos visto na série de TV (em que Adam West interpreta o Homem-Morcego) foi construído a partir de um Lincoln Futura 1955 com um motor V8 e 330 cv de potência.

Anos mais tarde, em 1984, um Cadillac Miller-Meteor Ambulance 1959 era a atração de Os Caça-Fantasmas. Batizado Ecto 1 – e idealizado na história pelos três primeiros caça-fantasmas, Ray, Peter e Egon –, o veículo jamais foi deixado de lado na franquia, aparecendo nos desenhos animados e nos videogames. No primeiro filme, foram utilizados três carros – cada um com 2.300 kg, 6,40 m de comprimento e quase 3 de altura (além de um motor V8 de 350 cv). Curiosamente, o Miller-Meteor era usado como carro funerário no cotidiano norte-americano.

O Cadillac, aliás, é outro V8 vitorioso na cultura pop. Em “My Favorite Game”, do The Cardigans, a vocalista Nina Persson dirige desgovernadamente um modelo Eldorado 1974 por uma rodovia norte-americana. Em “Don’t Stop”, dos Rolling Stones, três jovens percorrem cenários psicodélicos a bordo de um Cadillac Eldorado Biarritz 1960.

Outro modelo com presença marcante no cinema é o Dodge. Se no já citado Bullitt, Steve McQueen está a bordo de um Mustang, ele é perseguido por um Dodge Charger R/T 1968. Já no clipe de “Show Me How to Live”, do Audioslave, o cantor Chris Cornell aparece ao volante de um Dodge Challenger R/T 1970 enquanto, claro, tenta fugir da polícia. O vídeo traz referências ao filme Ponto de Fuga (1971).

No obscuro Rodas da Morte, lançado na década de 90, um Dodge Charger 74 reviveu o clichê “carro misterioso assassino”. Já um Dodge Charger 1970 tem papel fundamental em uma das cenas de “racha” mais famosas do cinema: o carro modificado pelo pai de Dominic Toretto (Vin Diesel) em Velozes e Furiosos provou ser imbatível em uma disputa no asfalto. Já em Velozes e Furiosos – Desafio em Tóquio (2006), um Ford Mustang Fastback 1967 protagoniza uma das cenas de racha mais explosivas da franquia: Sean Boswell derrota Takashi (Drift King), expulsando-o da cidade e vingando a morte de seu tutor, Han.

Em se tratando de marcar época, poucos carros batem o Dodge Charger 1969 indestrutível do seriado Os Gatões (1979-1985). O General Lee, como era conhecido, consolidou a vocação artística da segunda geração do Charger. O carro era o grande parceiro da dupla Bo e Luke Dee nos duelos contra os vilões ou nas fugas da polícia do fictício condado de Hazzard. Na história, os heróis o encontram destruído e o reconstruem para que se assemelhe aos carros da Nascar. Produzido especialmente para a série, General Lee tinha motor Magnum V8 de 375 cv de potência. Obviamente, o carro jamais terminava as filmagens inteiro – ao longo da série foram utilizados mais de 150 Dodges. “Os Chargers retratam fielmente uma geração que, às vezes, parece só ter realmente existido na TV”, afirma o restaurador Sampaio.

O V8 também está presente em obras de temática sobrenatural – Christine (1983) é prova disso. No livro, Stephen King conta a história de um Plymouth Fury 1958 que, após restaurado por um garoto, exige devoção total: o carro sai sozinho à noite para perseguir os adversários do dono até a morte. Na adaptação cinematográfica, Christine – O Carro Assassino (1983), 16 veículos foram destruídos nas filmagens, incluindo modelos transformados. O Plymouth também marca presença no mundo da música. Ele é figura central do clipe de “Karma Police”, do Radiohead. O clipe (baseado assumidamente no filme Christine) foi gravado na perspectiva do motorista, deixando a dúvida sobre quem está dirigindo. O carro em questão é um Plymouth Fury 1958, com motor V8 de 5.75 litros. “Parece irônico, mas um Plymouth realmente parece ter vida própria”, brinca o colecionador Ramos, proprietário de um modelo Belvedere 1956. Já no seriado Sobrenatural, Sam e Dean Winchester atravessam os Estados Unidos em um Chevrolet Impala 1967. Um Impala 1962 também aparece no clipe de “Pretty Fly (For a White Guy)”, do Offspring. Nele, um rapaz tenta chamar a atenção ao volante de um conversível com suspensão a ar.

Em Transformers (2007), Bumblebee é o herói: o transformer é inicialmente um Chevrolet Camaro 1977, que duela com um Mustang. Enquanto o Camaro defende os Autobots, o Mustang representa os Decepticons. “Despretensiosamente”, o filme traz para as telas a rivalidade dos anos 70: o Camaro foi lançado em 1967, três anos após a chegada do Mustang. O modelo também é um dos personagens do videoclipe de “Fuel”, do Metallica. Ao lado de diversos Muscle Cars, o clipe critica a velocidade com que as pessoas “conduzem” suas vidas.

Voltando ao cinema, quando falamos em Mad Max (1979) automaticamente lembramos dos Interceptors que o herói Max Rockatansky dirigia. O modelo amarelo, uma viatura policial da Main Force Police, era um Falcon XB (na época já usado pela polícia de Melbourne na Austrália). Já o modelo preto, também conhecido como The Pursuit Special, foi baseado no Ford Falcon Coupe XB GT 1973. Entre as características, estão as modificações na parte dianteira, o supercharger sobre o capô e a cor preta. Com um motor V8, o The Pursuit Special era capaz de atingir 304 cv de potência. Obviamente, o veículo é parte fundamental para o desenvolvimento da trama. Restaurado, está atualmente exposto em um museu na Inglaterra.

“Carros antigos em geral trazem consigo toda uma história”, resume o colecionador Stahlke. “É um prazer encontrar um modelo que consiga passar uma mensagem para você e restaurá-lo.”