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O “Teen Spirit” de Khalid: como um adolescente solitário fez o disco de estreia mais surpreendente do ano

“Faziam piada comigo. Tinha gente dizendo que eu era estúpido, ruim, feminino, isto e aquilo. Pensava: ‘Ok, mas ainda vou ser bem-sucedido e vocês não’”, conta o cantor de 19 anos

Jonah Weiner Publicado em 15/12/2017, às 12h51 - Atualizado às 12h55

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<b>O “Teen Spirit” de Khalid</b><br>
Como um adolescente solitário fez o disco de estreia mais revigorante e surpreendente do ano - Peter Yang
<b>O “Teen Spirit” de Khalid</b><br> Como um adolescente solitário fez o disco de estreia mais revigorante e surpreendente do ano - Peter Yang

Khalid Robinson está ziguezagueando pelas galerias do Los Angeles County Museum of Art quando uma tela perturbadora o faz parar. Ela mostra um homem nu com um corte vertical no torso, através do qual passa outro homem, coberto de sangue. A pintura, do surrealista Victor Brauner, é chamada de Suicídio ao Amanhecer. “É de 1930!”, Khalid exclama incrédulo, lendo as informações sobre a tela na parede. “Isso é muito louco pra mim, pensar que as pessoas fazem há muito tempo arte sobre dor, sobre amor – todas as coisas sobre as quais ainda fazemos arte.” Ele fica quieto por um momento e começa a se mexer novamente. “Escrevi músicas sobre amigos que lidaram com pensamentos suicidas”, conta, seguindo uma linha de pensamento. “Nunca me senti exatamente assim, mas cheguei perto. Tipo, quis desaparecer.”

Aos 19 anos, Khalid é um prodígio do pop com uma voz macia e um pendor para músicas grandiosas e, ao mesmo tempo, relaxadas. O álbum de estreia dele, American Teen, foi lançado há alguns meses – embora pulse com batidas dançantes, sintetizadores dos anos 1980 e histórias de raiva movidas a maconha e álcool no ensino médio, a melancolia sempre está por perto.

American Teen estreou na nona posição da parada norte-americana e já é disco de ouro. Khalid apareceu em faixas com Kendrick Lamar e Future e fez amizade com Kylie Jenner, que deu ao primeiro hit dele, “Location”, um impulso crucial ao tocar a faixa no Snapchat. Daqui a poucos meses, ele pegará a estrada com Lorde, que chamou a canção dele “Young, Dumb and Broke” de “linda pra caralho” (“Eu a amo”, Khalid diz sobre a cantora).

O artista chegou há pouco tempo a Los Angeles, mas já veio ver arte no LACMA “algumas vezes”. Poucos meses atrás, comprou um BMW 428i usado conversível em El Paso, Texas, onde frequentou o equivalente ao último ano do ensino médio e de onde se mudou para ficar mais perto da indústria da música. Antes de El Paso, morou em Carthage, uma pequena cidade no interior do estado de Nova York, em Heidelberg, na Alemanha, na Geórgia e no Kentucky.

Quando tinha 7 anos, a vida dele se transformou em tragédia. Os pais tinham se separado quando ele era “muito novo”, conta, e, quando estava na 2ª série, o pai foi morto. “Atropelado – motorista bêbado, não parou.” A essa altura, Khalid estava morando na Alemanha com a mãe, Linda, que recentemente se aposentou como sargento do Exército norte-americano. “Fiquei muito triste, com raiva – as fases do luto”, ele relata. “Provavelmente é por isso que amadureci muito mais rápido do que muita gente da minha idade, porque já perdi algo superpróximo.” Além disso, ele sentiu as tensões da vida inconstante de ser “um filho de militar, em que você se muda o tempo todo e não tem nenhuma forma de estabilidade”.

A mãe dele se apresentava com uma banda e um coral do Exército e Khalid cresceu fazendo duetos com ela em casa. Na escola, participou de musicais e, em casa, estudava no YouTube clipes de cantores virtuosos, como Andrea Bocelli, o poderoso chefão da ópera pop. “Meio que fui autodidata, observando outros cantores, pegando as inflexões e como retratavam suas emoções.”

Depois da Alemanha, ele se mudou para o interior de Nova York, onde “era triste. Não sentia que tinha um lar ali”. Seu interesse em artes performáticas lhe deu certa popularidade na escola, mas também fez dele um alvo. “Minha mãe me criou como um menino autoconsciente”, conta. “Eu não era o macho alfa típico. Não tinha medo de cantar, sabe? Não tinha medo de estar em musicais. Crianças são uma merda. Faziam piada comigo. Tinha gente dizendo que eu era estúpido, ruim, feminino, isto e aquilo.” Ele pegou essa energia negativa e a transformou em motivação. “Pensava: ‘Ok, mas ainda vou ser bem-sucedido e vocês não’.”

Khalid achou que se tornaria professor de música, mas, durante o último ano em El Paso, começou a compor e gravar as próprias músicas para lidar com a solidão de estar em uma cidade nova e não conhecer ninguém. Suas vivências durante os tempos de escola foram feitas de períodos difíceis – “Pessoas te zoando, te chamando de gordo, falando merda de você” – mas compor o ajudou a aguentar. “Tive de aprender a me amar”, conta.

Ele começou a colocar suas músicas no SoundCloud, ganhando seguidores entre os colegas de classe. “Lancei esta gravação de voz para uma música chamada ‘Would You’ que nunca terminei, e o cara popular da escola disse que era uma porcaria – disse isso no Snapchat dele, por inveja, porque eu era o garoto novo. Pensei: ‘Ok, se você acha essa ruim, vou fazer outra só para te mostrar o quanto sou ruim. E, obviamente, não sou’.”

Khalid arranjou um empresário e deu um jeito de formar uma conexão com o produtor Syk Sense, que tem créditos em músicas de Drake e Travis Scott e o convidou para trabalhar com ele em um estúdio de Atlanta. “Location” – uma ode contagiante e lenta a sair do mundo digital e se encontrar cara a cara – ganhou corpo nessas sessões. Hoje, a música é um hit, mas, quando Khalid a gravou, sua principal ambição era garantir que ela estivesse no SoundCloud a tempo para o baile de formatura.

Apesar de agradecido pelo sucesso, a relação dele com a recém-adquirida adoração pública é complicada. Ele diz que sente uma grande dívida com os fãs – alega que chorou em um shopping de El Paso quando, esgotado pelo trabalho e pelo jet lag, teve de encerrar uma sessão de autógrafos de CDs mais cedo, mesmo com pessoas ainda esperando na fila. Mas essa noção de obrigação tem limites. Enquanto saímos do LACMA, um jovem casal pede para tirar uma foto, perguntando se ele é mesmo Khalid e, no processo, dizendo o nome dele incorretamente (para constar, a pronúncia é “kuh-leed”). Mesmo assim, ele é simpático, corrigindo de leve os dois e posando com cada um, mas, quando estamos em seu carro, diz: “Você não é fã de verdade se não sabe falar meu nome”. Pensa nisso, depois dá de ombros. “Não é tão importante assim. É o que decidi fazer. Sabíamos que as pessoas não dariam realmente a mínima sobre nós e pediriam fotos do mesmo jeito. Então, aguenta. Essa pode ser a melhor coisa do dia delas e é isso o que quero fazer – ajudar as pessoas.”

American Teen (“adolescente Americano”) fala basicamente de altos e baixos românticos, mas o título do álbum também é político – uma forma de combater estereótipos antiquados sobre quem é ou não realmente norte-americano. “Sou um homem afro-americano com cabelo afro, que não é o atleta típico – que não era tão masculino quanto os outros rapazes”, Khalid afirma. “E agora as pessoas me olham pensando ‘este é o Adolescente Americano...’ Especialmente com a eleição, com Trump como presidente, é uma questão de dizer: ‘Ok, posso ser negro, você pode ser branco, pode ser muçulmano, vamos ter consciência das questões e entender uns aos outros’” (Khalid foi criado como cristão, mas diz não ser muito religioso).

Ele afirma que quer que outros desajustados e estranhos tenham console com seu exemplo, em termos de sucesso artístico e material. Vê sua BMW usada como um degrau para outro carro, mais sofisticado, do tipo “chegamos lá” e, no futuro, para uma “casa ‘chegamos lá’ – mas quero comprar em El Paso, porque quero que a garotada passe em frente e diga: ‘É a casa do Khalid’. Vai ser uma inspiração para eles. É assim que nascem os sonhadores”.

Vamos para o norte de Los Angeles, onde ele tem de ir a um espaço de ensaio. Daqui a alguns dias, sairá para uma turnê de dois meses como artista principal em clubes e precisa praticar com a banda e duas dançarinas. A caminho de um estúdio de dança para aprender a coreografia, buscamos dois velhos amigos: Eric, que conhece de Carthage, e Jerry, que conheceu em El Paso. Pagou a passagem de avião dos dois, que não se conheciam, o que diz ser parte da diversão. “É como um experimento social.” Eric e Jerry ajudarão na turnê de formas que ainda não haviam sido bem definidas – “Ficaremos, tipo, na mesa de suvenires e tal”, diz Jerry

O estúdio de dança fica em um bulevar movimentado. Khalid cumprimenta Tanisha, a coreógrafa, e se posiciona entre as dançarinas. Músicas de American Teen tocam e ele se move com uma elegância tranquila. “Faça três desses meneios e, no quarto, faça como se sua vida dependesse disso”, Tanisha instrui. “Ok, tenho vida pra você”, ele responde, improvisando um chute duplo rápido. “Você está me dando o jovem James Brown!”, ela responde, encantada

De volta à BMW, Khalid coloca uma música inédita com o título provisório de “Coast v1”. “Fiz esta na semana passada”, conta. É construída em torno de um riff comedido de banjo e ele diz que a compôs pensando em Father John Misty. “Se tivesse um ídolo em termos de composição, provavelmente seria ele.” Os versos se relacionam com o que Khalid falou diante da tela de Brauner. O primeiro começa com um suicídio metafórico – “Matei um homem outro dia/ Era o homem que conheci melhor” – e depois entra em uma fantasia de fuga: “Deixei minha dor para trás/ Estou no meu caminho”.

A música é linda e triste e a letra deixa claro que, apesar do sucesso repentino, Khalid ainda tem alguns demônios para enfrentar. “Quero uma passagem só de ida para Cabo”, canta, “para poder começar de novo, sozinho no litoral”. Digo que a faixa parece ótima. Ele me agradece e sorri: “Vai saber. Posso não lançá-la nunca”.