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Tormenta à Vista

Os mares da política nunca estiveram tão turbulentos, tanto para o país quanto para os partidos e suas lideranças. Como chegaremos a 2018?

Aline Oliveira Publicado em 30/10/2016, às 16h00 - Atualizado às 16h42

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Tormenta à Vista - Ilustração Lézio Júnior
Tormenta à Vista - Ilustração Lézio Júnior

Foram muitas as reviravoltas na vida desta jovem de 28 anos: três presidentes reeleitos, dois processos de impeachment, centenas de manifestações. Muito tiro, porrada e bomba, e até suspeita de morte. Hoje, a democracia brasileira – renascida na Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 – vive seu período mais turbulento. “Tudo pode acontecer”, é o que dizem os cientistas políticos quando questionados sobre como estaremos em outubro de 2018, definidor momento de eleições presidenciais. A imprevisibilidade chega ao ponto de sequer sabermos de fato se as próximas eleições para o mais importante posto político do país ocorrerão na época prevista no calendário eleitoral.

O peemedebista Michel Temer tomou posse definitiva do cargo no Congresso Nacional em 31 de agosto de 2016, após ter assumido como presidente interino em 13 de maio, quando foi aberto o processo de admissibilidade de impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff. “Nós inauguramos uma nova fase em que temos um horizonte de dois anos e quatro meses”, disse Temer em seu primeiro discurso oficial como presidente. “E espera-se que nestes dois anos e quatro meses nós façamos aquilo que temos alardeado, ou seja, colocar o Brasil nos trilhos.”

Entre esse discurso e o fechamento desta edição passou-se apenas um mês e há mais dúvidas que certezas adiante. “Acho muito difícil que um presidente ilegítimo e impopular, que está a serviço de pequenas elites, consiga se sustentar por muito tempo. Isso me surpreenderia como cientista social”, analisa Jessé Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, cargo que ocupou entre abril de 2015 e maio de 2016. Já David Fleischer, brasilianista e professor emérito da Universidade de Brasília - UnB, acredita que Temer conseguirá governar no tempo que tem pela frente, enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse em entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, em 25 de setembro de 2016: “Temer tem noção de seu momento histórico. Tem que fazer coisas que não são populares, tomar decisões que podem não agradar, sobretudo às corporações. O desafio é chegar ao outro lado, 2018”.

Na lista de medidas impopulares de Temer, justificadas como base para o ajuste fiscal, estão a reforma trabalhista, na qual se discute a flexibilização da jornada de trabalho, as novas modalidades de contratação e a possibilidade de vínculo do trabalhador com mais de uma empresa, dentre outros temas. Após repercussão negativa, o governo anunciou – em comunicado oficial emitido pelo Palácio do Planalto no dia 14 de setembro de 2016 – que “não haverá perda de direitos pelo trabalhador em uma possível reforma trabalhista ainda em estudo pelo governo federal”. Também está em curso a reforma da previdência, que prevê aumentar a idade mínima da aposentadoria para 65 anos para homens e mulheres, elevar o tempo de contribuição de 15 para 25 anos e proibir o acúmulo de aposentadoria e pensão por morte.

Há ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento do gasto público à variação da inflação. A PEC do teto dos gastos prevê que a fixação dos valores tenha validade por 20 anos, a partir de 2017, com a possibilidade de revisão da regra a partir do décimo ano de vigência. De acordo com a medida, os gastos públicos totais serão reajustados com base na inflação oficial do ano anterior. “Estamos chamando essa medida de PEC do equilíbrio fiscal”, declarou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, durante coletiva de imprensa concedida em São Paulo, em 29 de setembro. “Hoje, a prioridade nacional é controlar a queda da economia, estabilizar e voltar a crescer, voltar a investir e criar emprego. Esse é o nosso foco e para isso nós precisamos fazer esse ajuste.”

Tais medidas dividem a opinião pública. Enquanto uma parcela se mostra contra, outra vê o pacote como necessário. Para Rafael Araújo, professor de ciência política da Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, “o Michel Temer é o único capaz de assumir um projeto como esse, porque ele já não tem popularidade alguma e tem pela frente as chamadas medidas impopulares. Ou seja, é alguém para fazer o serviço sujo”.

A popularidade de Temer foi medida pelo Ibope e divulgada em 7 de julho deste ano.

A pesquisa indicou que 39% dos entrevistados consideravam seu governo ruim ou péssimo; 36% achavam regular; 13% julgavam ótimo ou bom; outros 13% não souberam responder ou não quiseram opinar. Se Temer de fato não tiver ambição de se candidatar às eleições presidenciais de 2018 – como ele costuma dizer em eventos em que se reúne com empresários –, tais índices não devem preocupá-lo. Porém, não é todo mundo que acredita na fala do presidente. “Faz parte do jogo político dizer que não vai ser candidato, mas o Temer quer se candidatar”, opina Roseli Martins Coelho, cientista política e docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

“Com essa atual popularidade ruim, ele tem de dizer não só que não será candidato como também presumir que não teria nenhuma chance de ganhar se a eleição fosse hoje. Mas, se houver uma melhora do ponto de vista econômico, as pessoas vão repensar a posição delas em relação ao Temer”, analisa Andrea Freitas, professora do departamento de ciência política da Unicamp e coordenadora do núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap.

“Se Temer tomar as medidas econômicas necessárias para o país e trouxer de volta pelo menos uma parte da confiança na economia, isso terá efeitos positivos para ele”, diz o professor Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas/Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - FGV/ CPDOC. O brasilianista David Fleischer acredita – partindo do pressuposto de Temer manter-se no governo até 2018 – que “ele não vai se candidatar. Se o plano econômico tiver algum sucesso, minha impressão é que o candidato será o [atual ministro da Fazenda] Henrique Meirelles”. Ainda sobre uma possível disputa presidencial daqui a dois anos, Fleischer dispara: “O que restou da esquerda vai ser liquidado. O PT não elegerá nem 300 prefeitos nas eleições municipais. O partido elegeu mais de 700 em 2012, e vai levar um baque muito grande nestas eleições”. Esta edição foi fechada antes do resultado das eleições municipais.

Após a saída de Dilma Rousseff, falou-se muito em uma articulação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para criar uma frente unificada de esquerda, com o PT e o apoio de movimentos sociais, como Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de juristas, intelectuais, artistas e outros partidos. Mas poucos acreditam nessa possibilidade. “Do ponto de vista estratégico, essa união seria o melhor neste momento para combater uma onda conservadora que está surgindo e ficando muito forte. Só que essa é uma dificuldade histórica da nossa esquerda. Grande parte dela saiu do PT por causa de insatisfação com a política do partido, e muitos têm dificuldade de voltar a conversar entre si. Além disso, o escândalo de corrupção marca muito o PT e quem se alia à sigla”, aponta Andrea Freitas, da Unicamp.

Nesse âmbito, Lula ainda é o mais cotado para disputar as eleições presidenciais em 2018. A questão é se ele terá condições de entrar na briga. Em 14 de setembro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) convocou uma entrevista coletiva para afirmar que Lula, a esposa dele, Marisa Letícia, e mais seis pessoas cometeram crimes de corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. O procurador Deltan Dallagnol chegou a dizer que Lula era o “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato”. A denúncia exposta pelo procurador tratou de três contratos da empreiteira OAS com a Petrobras, afirmando que R$ 3,7 milhões em propina foram pagos ao ex-presidente.

Após a exposição, Dallagnol foi alvo de críticas e de questionamentos pelo modo como divulgou a denúncia contra Lula, em um arquivo no programa PowerPoint que acabou se transformando em motivo de chacota nas redes sociais. “Eles podem não ser experts em PowerPoint, mas eu considero essa iniciativa de dar publicidade para uma acusação contra um ex-presidente da República saudável para a democracia. Acho que tem de mostrar para a sociedade civil quais são os elementos, o que justifica sua condição, como aquele crime se encaixa na atuação do ex-presidente. Então, submeter isso ao crivo da imprensa é bom. Eu, como cidadão, espero mais disso”, opina Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio. Ele completa: “Não podemos confundir a atuação de um procurador em expor as coisas com a posição do juiz. O juiz por lei é proibido de se manifestar sobre casos que vai julgar por uma questão de imparcialidade. Mas Ministério Público tem lado, evidentemente. Não existe essa proibição em relação ao Ministério Público– e ainda bem que não existe”.

Para além das habilidades com programas de computador, acirrou-se o debate sobre a parcialidade da Operação Lava Jato. Para Rafael Araújo, da PUC-SP, “há diversas denúncias e evidências relacionadas a uma série de pessoas, dentre elas o Michel Temer, e a Lava Jato não abarca essas pessoas. Ou seja, para quem é bom entendedor: desde o início essa operação existiu para pegar o Lula, porque ele é a esperança que se tem no Partido dos Trabalhadores de continuidade. Não houve uma renovação de liderança”.

Hartmann pondera. “Em nenhum momento eu vi promotores da Operação Lava Jato ou gente do Ministério Público que atue perante o Supremo dizer que era preciso investigar só o PT ou que era mais importante investigar crimes do PT. Para mim, o fato de existirem dentro da Lava Jato réus e ações relacionados ao PT é uma consequência óbvia, porque a Petrobras é uma estatal federal e esse foi o partido que esteve no poder nos últimos 12 anos.”

A falta de novos nomes para uma possível disputa em 2018 é sintoma da atual incapacidade de as legendas formarem líderes. “Os partidos no Brasil em geral têm dificuldade de formar novas lideranças, e esse momento de crise seria ideal para outros nomes surgirem”, analisa Andrea Freitas. Ela ainda acrescenta que as investigações da Lava Jato podem comprometer não só Lula mas outros nomes de peso da esfera política. “No cenário em que estamos é muito difícil prever quem vai sobrar.” Além de Temer, Lula e Henrique Meirelles, alguns analistas políticos apostam nas lideranças do PSDB, como Aécio Neves, que perdeu as eleições para a ex-presidente Dilma em 2014, “mas teve quase 50% dos votos”, ressalta Araújo. O governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que tem uma forte base de aliados, e o agora ministro das Relações Exteriores do governo Temer, José Serra, também são possíveis nomes para 2018.

Araújo ainda ressalta que o PSBD tem uma divisão entre os possíveis candidatos e isso faz com que a disputa interna dentro da sigla também seja acirrada. “Dificilmente algum deles abrirá mão de se candidatar. Acho mais provável o PSDB lançar um e os outros dois mudarem de partido”, conclui. Vale ressaltar que o agora membro do PDT Ciro Gomes também está no páreo. Em entrevista publicada no site da revista Carta Capital, em 27 de julho de 2016, Gomes declarou: “Sim, sou candidato a presidente do Brasil. Tenho condição de servir ao país, oferecendo uma alternativa de projeto nacional. Naturalmente, sei que esse querer forte não é o suficiente. É preciso que a candidatura tenha alguma naturalidade, seja recebida pela sociedade brasileira como útil à construção de um debate”. O professor da PUC-SP avalia que Ciro Gomes é um oponente forte. “Ele conhece muito bem o jogo da política, é bom de debate e carismático.”

Apesar dessas previsões, não é possível se esquecer do momento de instabilidade do Brasil. Isso faz com que muitos analistas não descartem por completo a hipótese de a chapa Dilma-Temer ser cassada. “Se isso acontecer, em 2017 teremos novas eleições, que serão indiretas. Aí, qualquer um pode ser o presidente do país, desde o [deputado federal Jair] Bolsonaro até o Serra. E, nesse contexto, o presidente eleito indiretamente teria um mandato de um ano e meio – que é um tempo curto –, mas ele poderia encaminhar medidas capazes de mudar completamente o cenário nacional”, acredita Araújo.

As manifestações populares também poderão impactar o cenário até 2018. Os protestos com o mote “Fora, Temer” chegaram a reunir, segundo os organizadores, cerca de 100 mil pessoas em 4 de setembro, na Avenida Paulista, em São Paulo. Manifestações do tipo ocorreram em várias capitais brasileiras e em outras datas, mas com menos gente. “Elas não devem durar muito, porque falta liderança e, também, porque há o processo de conformação com o fato de ser o Temer mesmo que está aí”, analisa Andrea. Para o professor Sérgio Praça, da FGV/CPDOC, “as manifestações estarão cada vez mais rarefeitas e não vão mudar nada. Não vão conseguir fazer um ‘Fora, Temer’ agora”.

Já Pablo Ortellado, professor doutor do curso de gestão de políticas públicas e orientador no programa de pós-graduação em estudos culturais da Universidade de São Paulo - USP, afirma que quando se trata de manifestações “tudo é imprevisível e depende de muitos fatores, como o avanço da crise econômica, a resposta da economia nos próximos anos e a capacidade do governo Temer de fazer avançar no Congresso a agenda dele”.

Ele acrescenta que em mobilizações públicas superiores a 10 mil pessoas há indícios claros de insatisfação. “Se há 10 mil pessoas nas ruas, significa que há 30 mil pessoas [com o mesmo propósito] que poderiam estar lá, mas não estão. O número de pessoas na rua não significa só aquilo. Há círculos de engajamento cada vez maiores, de pessoas menos ‘mão na massa’, mas em concordância com aquela situação. Por isso, qualquer coisa com mais de 10 mil pessoas deveria ser motivo para um político se preocupar, porque é sinal de que tem uma mobilização na sociedade referendando e embasando aquele movimento.”

Um dos motivos para um possível rareamento das mobilizações – seja pelo “Fora, Temer”, seja por eleições antecipadas – é o distanciamento da população brasileira em relação à política institucional, consequência do trauma do impeachment. Um possível aumento de votos em branco e nulos nas eleições seria resultado, também, desse trauma. “Vamos sentir o reflexo dessa crise durante alguns anos, do ponto de vista da desconfiança institucional, da desconfiança do papel do Legislativo, da desconfiança do papel do presidente, de a sociedade olhar para o mundo político como sendo realmente loteado, ou seja, formado apenas por pessoas defendendo seus interesses”, diz Andrea Freitas, professora da Unicamp.

“O efeito mais negativo é uma certa indiferença do eleitorado em relação ao que se passa na esfera política, porque, para essa massa, o voto não vale mais nada, e a vida segue”, comenta Roseli Martins, da FESPSP. “A sociedade ficará mais distante da política. Não serão tempos fáceis”, acrescenta David Fleischer. Para o professor Sérgio Praça, “parte do processo de descrença no sistema político é por causa de toda a corrupção que está sendo desvendada. E há aí um paradoxo. O que é bom? Ter muita corrupção e a gente fingir que não tem? Óbvio que é muito positivo descobrir os escândalos, e é natural que haja descrença neste momento.”

RAIO X PARA 2018

Conheça alguns dos nomes que poderão estar nas urnas daqui dois anos

Rafael Araújo, professor de ciência política da PUC-SP e da FESPSP, analisa políticos que têm possibilidade de disputar as eleições presidenciais em outubro de 2018

Michel Temer (PMDB) – atual presidente da República

“Se conseguir modificar o perfil da situação brasileira até 2018 e retomar o crescimento econômico – porque é isso o que define a popularidade de um presidente, na maioria das vezes –, pode ser que a popularidade de Temer se altere e ele se candidate. Se ele não se candidatar, certamente vai utilizar a máquina para indicar alguém do partido ou propor apoio ao PSDB.”

Lula (PT) – ex-presidente da República

“É claro que se o Lula não estiver inelegível, ele sai como candidato. E sai como o candidato mais forte. Hoje ele lidera as intenções de voto para 2018. Lula ainda tem um capital político, que obviamente não é o mesmo de quando saiu da Presidência, mas ele ainda é um ícone.”

Ciro Gomes (PDT) – ex-governador do Ceará

“Ciro Gomes é um nome forte, sabe fazer política. É bom de debate, bom comunicador, carismático. Ele tem essa característica de transitar por todos os partidos – não é identificado com apenas uma sigla, ele faz a política dele, vai na contramão do que a política tradicional reivindica.”

Geraldo Alckmin (PSDB) – governador de São Paulo

“Ele saiu muito fortalecido da última eleição [ao governo de São Paulo], se reelegeu sem grandes problemas, passou ileso pela maior crise hídrica da história. Tem, de fato, uma blindagem que é mantida por uma rede de poder que ele construiu no interior de SP. E estamos falando do maior colegiado do país.”

Aécio Neves (PSDB) – ex-governador de Minas Gerais

“Ao contrário do Alckmin, Aécio não tem tanto colegiado. Ele tem teto de vidro, embora tenha conseguido 50% do eleitorado nas últimas eleições presidenciais.”

José Serra (PSDB) – ministro das Relações Exteriores do governo Temer

“O Serra não desiste nunca. Como o PSBD é rachado e é muito difícil que Alckmin, Serra e Aécio desistam da candidatura, é provável que o PSDB lance um deles e os outros migrem. Acredito que o Serra pode migrar para outro partido pequeno.”

Henrique Meirelles (sem partido) – ministro da Fazenda do governo Temer

“Há muitas apostas que indicam que Henrique Meirelles queira ser candidato. E uma parte do empresariado dá preferência a ele.”