No último disco da carreira, Gregg Allman gravou uma poderosa ode à trajetória dele na música
Na noite de 26 de maio, Gregg Allman escutou sua voz cantando pela última vez. Michael Lehman, seu empresário, enviou versões de quatro novas músicas para ele, na casa em que vivia em Savannah, Geórgia. Sendo assim, Allman pôde ouvir quase metade do disco que estava para concluir. “Ele estava totalmente lúcido e empolgado”, lembra Lehman. “Falava baixinho, mas amou as faixas e sabia o que tinha feito.”
No dia seguinte, sucumbiu ao câncer de fígado que combatia havia cinco anos. Lehman e Don Was, que produziu as sessões, começaram a trabalhar na conclusão do que se tornaria o álbum de despedida de Allman, batizado de Southern Blood. Uma coletânea cheia de covers – incluindo músicas de Bob Dylan, Grateful Dead, Tim Buckley e outros –, o disco é moldado para ter a sensação outonal do clássico solo de 1973 do cantor, Laid Back, mas com um clima ainda mais lamentoso. “Foi meio que não dito, mas estava claro que estávamos preparando uma declaração final”, diz Was. “Foi muito pesado, cara.”
Quando Allman começou a planejar o álbum, já tinha superado o prognóstico inicial de sobrevida de 12 a 18 meses. Tinha passado por um transplante de fígado em 2010, mas um câncer foi descoberto no mesmo órgão dois anos depois. Segundo Lehman, células cancerígenas que já estavam no corpo dele antes do transplante se espalharam para um dos pulmões. Allman recusou a opção de fazer radioterapia, temendo que o tratamento prejudicasse as cordas vocais. “Ele disse: ‘Vou fazer o que amo: estar com minha família e na estrada com os fãs’”, conta Lehman. “‘Não vou deixar isso me deter’.”
Quando Allman e sua banda de turnê chegaram ao Fame Studios, no complexo Muscle Shoals, Alabama, em 2016, ele já tinha mapeado o que seria seu derradeiro trabalho. Southern Blood se referiria, de forma arrepiante, a aspectos do passado dele. Allman escolheu o Fame por ter sido onde o Hour Glass, sua banda pré-Allman Brothers formada com o falecido irmão Duane, tinha gravado. Durante o mesmo período, Duane cimentou sua reputação no estúdio dando apoio a King Curtis, Wilson Pickett e outros heróis do R&B. “Foi uma maneira de usar o espírito dele”, afirma Was, que entrou para o projeto de forma surpreendente: há alguns anos, Allman mencionou em uma entrevista que o disco seria produzido por Was, que não estava sabendo de nada. “Foi uma jogada muito Gregg”, diz o produtor. “Nunca tínhamos falado sobre isso. Quando o vi [em um show de tributo a Allman], ele perguntou: ‘Topa?’ Só consegui rir, cara”.
Allman esperava compor um novo lote de músicas para o projeto, mas, entre as viagens constantes e os problemas médicos, esse plano foi abandonado em favor de canções que pudessem refletir sua vida. Ele escolheu o pantanoso funk de Johnny Jenkins “Blind Bats and Swamp Rats” porque Duane o tinha gravado com Jenkins. Fechando o círculo, escolheu “Song for Adam”, de Jackson Browne, pois o tinha conhecido em Los Angeles no final dos anos 1960 e eles continuaram amigos próximos. “Isso me mata”, diz Browne sobre a versão, acrescentando que tinha conversado com Allman poucos dias antes de sua morte. “Ele só conseguia sussurrar. Era muito difícil de ouvi-lo. No fim, acabei dizendo ‘Deixa que eu falo’ e disse o quanto sempre o tinha admirado e que era uma pessoa muito importante na minha vida. Fiquei muito honrado por ter cantado minhas músicas.”
Enquanto planejava o projeto, Was sugeriu canções melancólicas, como “Going, Going, Gone”, de Bob Dylan, e “Black Muddy River”, do Grateful Dead (sobre a música de Dylan, um lamento pouco conhecido de Planet Waves, Allman soltou: “Ela é meio sombria, não?”).
Allman e Scott Sharrard coescreveram “My Only True Friend”, que Sharrard começou a compor como se fosse Duane falando com Gregg. “Nunca contei para ele porque não queria assustá-lo”, diz. Sem saber da inspiração, Allman respondeu com um verso como se estivesse respondendo a Duane. “Não é um álbum sobre morrer”, afirma Was. “Gregg estava explicando sua vida e a entendendo.”
Quando as sessões começaram, a saúde do músico ditou o ritmo. O trabalho era limitado a quatro horas por dia. “Dava para ver que a saúde dele não estava 100%, mas nunca falamos disso. Acho que ele não queria aceitar a finitude da situação”, lembra Was. O momento mais emotivo foi a gravação de “Song for Adam”, sobre um amigo que morre de repente. Allman engasgou. “Ele nunca conseguiu cantar os dois últimos versos”, diz Was. “Decidimos: ‘Não vamos consertar’.”
Southern Blood estava em seus estágios finais quando a saúde de Allman piorou de vez. Lehman diz que ele lhe deu instruções rigorosas sobre o LP. Queria que saísse no começo de setembro para evitar a chuva de lançamentos de grandes nomes que cai no outono do Hemisfério Norte (sairá em 8 de setembro).
O plano era fazer mais discos, mas o legado termina com Southern Blood. “Queríamos criar um corpo de trabalho como Johnny Cash fez no final da vida”, afirma Lehman. “Achávamos que faríamos quatro ou cinco álbuns de estúdio. Infelizmente só conseguimos gravar dois.”