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Um revolucionário nos estúdios

Dez anos depois de morto, Tom Capone continua a ser lembrado como um dos maiores produtores da música brasileira

Guilherme Bryan Publicado em 12/08/2014, às 16h33 - Atualizado em 18/08/2014, às 12h10

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<b>Concentrado</b><br> Capone no estúdio Toca do Bandido em 2003, durante a gravação do
disco O Silêncio Q Precede o Esporro, d’O Rappa. - Priscila Azul
<b>Concentrado</b><br> Capone no estúdio Toca do Bandido em 2003, durante a gravação do disco O Silêncio Q Precede o Esporro, d’O Rappa. - Priscila Azul

Para Tom Capone, o fim chegou no auge. não houve tempestade nem antes nem depois da bonança: foi em meio à boa fase, em uma noite de consagração, que a carreira do produtor brasileiro encontrou um ponto final. Quando morreu, em 2 de setembro de 2004, Capone estava em curva ascendente – a trajetória dele foi interrompida sem que o artista houvesse conhecido o fracasso. Aos 37 anos, Capone morreu feliz.

Naquele dia, dez anos atrás, Luiz Antônio Ferreira Gonçalves, o Tom, estava em Los Angeles para participar do Grammy Latino – dois álbuns que ele havia produzido acabaram premiados: Cosmotron, do Skank, como Melhor Álbum de Rock Brasileiro, e o disco de estreia homônimo de Maria Rita, que levou o gramofone na categoria de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. “Subimos ao palco juntos. Ele me deu colo quando eu fiquei tão chocada com a premiação de Artista Revelação que comecei a tremer intensamente, paralisada”, relembra a cantora. Os dois foram comemorar os louros em uma festa da gravadora Warner,

e Capone convidou Maria para emendar outro evento, mas ela preferiu descansar. “Ele sorria desenfreadamente. Estava contente, leve, planejando coisas diferentes para a carreira dele, para a minha, para a família.” Essa foi a última imagem do músico registrada por Maria Rita: saindo da festa, o robusto e carismático artista se envolveu em um acidente fatal de motocicleta, veículo que era uma de suas paixões.

Mesmo depois de uma década marcada por mudanças à velocidade da luz no mercado musical, o trabalho de Capone não foi ofuscado, e o nome dele continua sendo unanimidade entre os músicos com os quais trabalhou. A memória do incansável operário da música segue viva não só em trabalhos como Na Pressão, de Lenine, e O Silêncio Q Precede o Esporro, d’O Rappa, mas também no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro, onde, durante cinco anos, o produtor trabalhou em mais de 100 discos.

Nascido em Brasília, desde a adolescência Capone se envolveu com a música. Foi ao lado do engenheiro de som Alvaro Alencar, que conheceu na capital federal quando tinha 19 anos, em 1985, que trabalhou no álbum da primeira banda da qual fez parte, Peter Perfeito. “Ele tinha um entusiasmo inesgotável por mais um projeto, por mais uma nova ideia”, afirma Alencar. “Tinha uma capacidade ímpar de aproxiaproximar pessoas, inclusive as que a priori não se davam.” A carreira começou a deslanchar de fato na época em que Capone se mudou para o Rio, influenciado pelo cantor e compositor Oswaldo Montenegro. Quando morreu, um dos trabalhos pendentes na lista do produtor era o DVD 25 Anos de História, de Montenegro. “Sempre foi uma convivência divertida e sem tédio. Tom fazia tudo muito: amava muito, ria muito, tocava muito, comia muito... e desde sempre tinha muitas ideias. Manjava demais de som”, garante o carioca. “Tom nasceu produtor.” Essa intensidade é percebida hoje pela viúva Constança Scofield no filho deles, Bento, de 10 anos. Constança integrava a banda Penélope, da qual Capone produziu o disco Mi Casa, Su Casa (1999), no estúdio AR, no Rio. “Estávamos havia uma semana tentando resolver uma das músicas mais alternativas do disco e não acontecia nada. O Tom chegou e, num passe de mágica, resolveu”, ela relembra sobre o primeiro encontro. “Ele era muito sedutor. A gente se conheceu e teve uma paixão fulminante.” Os dois acabaram se casando e vivendo na casa que daria origem ao estúdio Toca do Bandido.

Muitos artistas enxergavam capone como uma espécie de guru – uma poderosa peça sonora que solucionava até os mais difíceis quebra-cabeças em estúdio. É o caso do cantor e compositor gaúcho Wander Wildner, que garante dever muito de sua carreira solo ao produtor, que conheceu em 1993. “O trabalho dele era uma diversão, ele fazia o que gostava ao lado dos amigos”, resume Wildner, que realizou com o parceiro os discos Baladas Sangrentas (1996) e Paraquedas do Coração (2004). Outro que conviveu muito com Tom Capone em meados dos anos 1990 foi o também produtor musical Carlos Eduardo Miranda, que o conheceu com o Raimundos, em 1993. “A gente era como irmão, muito parecido no tamanho e na roupa que usava”, brinca Miranda. Foi ele quem ajudou Capone a ampliar o gosto musical. Entre idas ao restaurante Leôncio, em São Paulo (que, de tanto recebê-los, batizou pratos com os nomes da dupla), Miranda influenciou Capone. “O gosto dele era bem conservador. Eu o fiz começar

a ouvir outras coisas, caso do álbum Colossal Head (1996), do Los Lobos, que ele disse que ajudou a configurar o conceito musical dele como produtor.”

Capone já tinha adquirido um vasto conhecimento sônico quando trabalhou em Na Pressão (1999), um dos discos-chave na carreira de Lenine – e na dele. “Ele estava produzindo o primeiro disco do Pedro Luís e a Parede [Astronauta Tupy, de 1997], em que eu fazia uma participação. Percebi ali que tinha conhecido uma pessoa muito especial, com uma visão de mundo muito interessante, e foi fácil chegar para ele e propor fazermos alguma coisa juntos”, relembra Lenine. “Depois de alguns minutos, éramos íntimos, como se tivéssemos trabalhado lado a lado por muitos anos.” Nando Reis, que gravou com Capone os discos Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro (2000) e Infernal (2001), também criou laços de amizade com o produtor. “Eu o adorava, adorava a maneira como ele era singular, ímpar, diferente”, afirma.

A lista de trabalhos segue com Pietá (2002), de Milton Nascimento, Kaya N’Gan Daya (2002), de Gilberto Gil, e muitos outros. Mas talvez a banda que melhor tenha traduzido o poder de Capone tenha sido O Rappa, com quem ele fez um dos últimos trabalhos como produtor, o disco O Silêncio Q Precede o Esporro (2003). “Quando as pessoas falaram que O Rappa era banda só por causa do baterista [Marcelo Yuka], ele comprou nossa briga”, conta o vocalista Marcelo Falcão. “O Rappa é reflexo do Tom Capone. Tem a banda antes e depois dele.”

O caminho de Capone pode ter sido interrompido naquele antes festivo 2 de setembro, mas o trabalho que ficou segue como inspiração para músicos que almejam o posto que ele tão bem ocupou. Para reafirmar a importância do marido, Constança Scofield pretende realizar uma homenagem convidando artistas que trabalharam com Capone para registrar um CD de faixas inéditas na Toca do Bandido, além de preparar um especial de televisão e uma biografia. Segundo o produtor Bruno Levinson, os projetos só ganharão vida se eles conseguirem captar a verba necessária. Enquanto as celebrações não saem do papel, Alvaro Alencar detalha o Capone que conheceu no estúdio: “Profissionalmente, o Tom possuía uma capacidade excepcional de entender e ampliar a visão musical de um artista”. E é isso a síntese do que mais se costuma procurar em um produtor.