Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra fazem uma conexão musical inédita com o Mali
Há quase dois anos, Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra passaram a se apresentar como uma dupla munida apenas com vozes, violões, guitarras e um bumbo fortuito. Sozinhos no palco, burilam versões singelas de canções surgidas durante as diversas fases de sua carreira, além de apresentar outras recém-criadas. Essas composições atravessaram o Atlântico e voltaram cheias das cores vibrantes do continente africano. “A ideia surgiu no Back2Black Festival, no Rio de Janeiro, no ano passado”, Scandurra relembra.
Na ocasião, houve a apresentação conjunta de Arnaldo Antunes, Jam da Silva e Toumani Diabaté. Um dia antes, durante o ensaio, ocorreu uma admiração instantânea e recíproca. “A gente descobriu essa coisa do kora, que tem um timbre muito especial. É um instrumento de Plutão! Sei lá… Do além”, Antunes descreve. “A gente nunca tinha ouvido. Tem uma similaridade com a harpa, tem um som muito especial.” O kora (ou corá, aportuguesado do mandinga e usado apenas por alguns dicionaristas) é feito de cabaça, madeira e couro, tem 21 cordas e, desde que foi criado, tem papel de destaque na tradição oral da África Ocidental. O malinês Toumani Diabaté é o 70º representante de uma linhagem de griots e hoje é considerado o Pelé do instrumento. Ele ficou muito bem impressionado com as músicas da dupla e um convite para gravar um disco no Mali chegou logo depois.
Antunes e Scandurra recrutaram o produtor Gustavo Lenza para passar 11 dias em Bamako, no Mali, gravando com Diabaté e a família de músicos dele. O resultado é A Curva da Cintura – Brasil-Mali, álbum de um duo transformado em trio. “A coisa foi acontecendo muito na hora”, Antunes explica. “Eles ouviam uma, duas, três vezes… E Toumani tocava, dialogando com as coisas que tinham na música.” A maioria das faixas é de autoria da dupla, mas os músicos africanos tiveram acesso a uma gravação de pré-produção para facilitar os improvisos. A diretora de clipes Dora Jobim, que fazia parte da equipe, registrou tudo em vídeo e A Curva da Cintura também virou um DVD, que mostra as gravações além de entrevistas e cenas da capital malinesa.
“É um povo muito doce”, revela Arnaldo. Episódios do documentário, como um grande jantar em família ou o show semanal da Toumani Diabaté’s Symmetric Orchestra em uma casa noturna lotada demonstram isso muito bem. Diabaté é famoso por suas parcerias, desde a conexão com o blues do norte-americano Taj Mahal até a colaboração com a eletrônica da islandesa Björk. Essa parceria com a música do Brasil, no entanto, é inédita. “Já teve algum músico brasileiro que veio gravar aqui no Mali?”, Antunes perguntou a Toumani. A resposta veio fácil: “Não que eu saiba”. Músicas como “Se Você”, já gravada pelo Smack, de Scandurra, ou a versão de Antunes para “Elisa”, de Serge Gainsbourg, ganham outros rumos com o som do kora. “As escalas deles são muito outras”, diz Antunes. “Não tem essa coisa tonal como a gente. A coisa rítmica também é muito diferente. Então, em cada música, eles afinavam o kora de um jeito e usavam uma escala diferente.”
Há sempre quem torça o nariz para projetos ousados assim, mas Arnaldo vê tudo com bons olhos: “Se as pessoas só quisessem repetição, acho que ficaria sem graça para todo mundo”.