Cantora, compositora e... empresária. A grande novidade no quarto álbum de canções inéditas de Vanessa da Mata - Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias - talvez seja um desenho minúsculo presente em sua contracapa, localizado entre os logos da gravadora Sony e da empresa de cosméticos da Natura (patrocinadora do CD). Embaixo do desenho, lê-se: Jabuticaba. Esse é o nome do selo que a mato-grossense acaba de inaugurar. Com ele, Vanessa não pretende apenas ter mais autonomia dentro da Sony. Ela quer mesmo é lançar novos artistas - e já tem três nomes em mente, que ela não quis revelar na frente dos representantes de sua gravadora que acompanhavam a entrevista para a Rolling Stone. "Tenho medo de que neguinho saia na frente e contrate esse povo antes de mim", revelou às gargalhadas, mas já com postura de diretora artística.
Mais tarde, enquanto se maquiava para as fotos e sem mais ninguém prestando atenção à conversa, Vanessa entregou os nomes de seus alvos. Disse que hesitava em anunciar quem são eles por ainda não ter ideia de como gerir um selo. É algo que ela pretende descobrir depois dos principais compromissos de divulgação de seu novo disco. Ambição é o que não lhe falta: ela pensa também em abrir uma casa de shows com o mesmo nome do selo na Vila Madalena, seu bairro-sede em São Paulo, igualmente voltada para nomes emergentes da MPB. "É uma vontade de que a música seja um pouco maior, de que exista um fomento."
A disposição para encarar novos desafios está de certa forma presente em Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias também. Quando já tinha um número de canções suficiente para pensar em um álbum, ouviu do produtor Kassin que aquela coleção tinha um caráter regional bastante uniforme. Como desde o começo da carreira Vanessa persegue a pluralidade, o comentário foi a senha para que ela se refugiasse na serra carioca e voltasse com uma nova fornada de músicas, cada uma em um estilo diferente. "Tenho horror a qualquer coisa que me prenda, seja droga, seja superstição... Neste momento, gosto da variação, de experimentar de tudo. Vou do Odair José ao João Donato", exemplifica. "Sempre quis fazer um disco com pitadas mais africanas, que acho que consegui neste novo, ainda que abstratamente. Mas não é um disco de afrobeat, pois não suportaria fazer um disco só de afrobeat." Nesta mistureba sonora surgiu até um rock cheio de distorções à Mutantes intitulado "Bolsa de Grife", algo que ela não se permitiria gravar no álbum de estreia, por exemplo. "Eu tinha medo daqueles mitos que dizem sobre as gravadoras, de que um produtor viesse me dizer o que fazer. Queria chegar devagar, com um disco que me traduzisse. A bateria e a guitarra, naquele momento, podiam fugir do meu controle. Agora eu já sei dizer quando um solo tem ou não tem a ver com a minha música." Na letra de "Bolsa de Grife", assim como na de "Fiu Fiu", Vanessa exercita aquela que é sua principal virtude: transforma as angústias cotidianas da mulherada em versos divertidos. Defende, porém, que faz isso inconscientemente. "É que eu sou uma observadora e gosto das pessoas. Acho o 'fiu fiu' incrível e vou falar sobre ele, que é meio cafona, ao mesmo tempo que é poético. É algo cultural do brasileiro, uma cantada por melodia."
Se há algo a se lamentar no sucesso de Vanessa da Mata é que ela acabou incentivando várias cantoras a pegarem papel e caneta e se descobrirem compositoras da noite para o dia, mesmo sem o talento para o ofício. Vanessa já consegue assumir essa influência "nefasta" e fazer uma espécie de meia culpa. "Realmente, eu costumava dizer que todo mundo podia compor. Mas agora acho que nem todo mundo pode ter público com as músicas que compõe. Às vezes você tem a sua mãe, a sua avó e a sua tia; às vezes você tem a abertura para algo maior. Ou melhor dizendo: nem todo mundo pode compor boas canções. Mas as tentativas já são ótimas."