Harrison Ford, Mark Hamill e Carrie Fisher, ícones da trilogia original de Star Wars, estão de volta aos seus inesquecíveis papéis
Harrison ford olha para meus dois gravadores digitais e dá um reconhecível sorriso de canto de boca. “Dois iguais?”, pergunta. “Bom, usei três com o Bruce Springsteen”, respondo. “Agora estou me sentindo mal”, Ford diz, em um tom sarcástico igualmente familiar, acomodando-se na cadeira em uma suíte de hotel em Beverly Hills. Sentado ali, parece um de seus muitos personagens, dependendo do ângulo.
Ele talvez seja o homem de 73 anos mais bonito deste ou de outro planeta, com os traços marcantes de sempre e o corpo em forma. “Nunca soube como seria ter sete décadas”, afirma. “Quer dizer, quando olho no espelho, ainda vejo cabelo castanho.”
O cabelo na verdade está grisalho, combinando perfeitamente com a camisa cinza metálica, com alguns botões abertos no colarinho. Ele mantém um contato visual que é fascinantemente intenso e até J.J. Abrams o considera “intimidador”. A impressão é de que ainda conseguiria quebrar meu nariz com um soco rápido.
Ford passou muito tempo minimizando sua ligação com Han Solo, seu primeiro papel como astro depois de anos batalhando na Hollywood dos anos 1960. Antes ele trabalhava como carpinteiro para não precisar aceitar papéis que não quisesse. O ator queria Solo morto no final de O Retorno de Jedi. “Eu não tinha a imaginação para reconhecer o futuro potencial de Han Solo.Só faria três filmes, então queria usar o personagem para dar alguma profundidade, algum peso. Achei que continuar sendo o cínico sarcástico não seria, talvez...” Faz uma pausa. “Mas, se tivesse matado o personagem na época, eu não teria a experiência que estou tendo agora, que acho válida.” Mark Hamill e Carrie Fisher mencionam conversas com Rian Johnson, que dirigirá o próximo Star Wars. Mas Ford, não. Isso pode ter algum significado ruim para o destino de Solo.
Ford mal havia começado a filmar quando a porta da Millennium Falcon – a nave de Han Solo – o atingiu e o prendeu ao chão, causando uma fratura séria na perna. “Consigo ver a ironia disso”, ele afirma. “O tornozelo dele ficou em um ângulo de 90 graus”, lembra Abrams, que fraturou uma vértebra tentando levantar a porta para libertar seu astro e passou meses escondendo a própria lesão do elenco e da equipe. A produção parou – o tempo foi usado para lapidar o roteiro – e, quando Ford voltou, estava pronto para outra. “Ele foi o ser humano mais durão e impressionante”, conta o diretor.
Ford provou essa afirmação nove meses depois, quando o único motor de um avião antigo que pilotava falhou. Ele conseguiu fazer um pouso forçado heroico em um campo de golfe na Califórnia e foi o único ferido – quebrou a pélvis e o outro tornozelo. O ator balança a cabeça. “Isso acontecer de novo? Estava praticamente recuperado – quer dizer, totalmente recuperado. Estava jogando tênis. Tinha feito um ótimo percurso de mountain bike. Caí cinco vezes da bicicleta e me levantei. Daí foi: ‘Olha que dia bonito, vamos embora neste avião lindo e brilhante’. E aquele voo foi realmente difícil.” Exceto por uma careta quando se curva ao rir, Ford não mostra sinal algum de seus ferimentos.
Desde o início, ele se envolveu na formação de Han Solo. Palpitou no figurino, por exemplo. Em O Império Contra-Ataca, ele e o diretor, Irvin Kershner, retrabalhavam os diálogos de Lawrence Kasdan. “Quando eu era jovem, me falavam para calar a boca e dizer as falas”, lembra Ford. Em O Despertar da Força, Ford dá crédito a Abrams. “Em 90% das vezes J.J. acertava em cheio”, afirma.
O ator vê a nostalgia do mesmo jeito que Solo via a Força: para ele, não existe. Então, não ficou sentimental quando vestiu o figurino, mesmo que a visão dele ao lado de Chewbacca tenha impressionado a todos – só que isso realmente o fez voltar a se sentir na pele do personagem. “Poderia ter me sentido bobo, usando botas de cano alto e uma cartucheira a essa altura do campeonato, ao lado de um cara com fantasia peluda, mas não me senti. Gosto de encarnar personagens diferentes. É isso o que faço.”
É difícil não concluir que Harrison Ford secretamente ama Han Solo. “Por que não amaria?”, pergunta Hamill (mas também houve o momento em que Ford perdeu as estribeiras no filme original, serrando o painel de controle da Falcon: “O som atraiu uma pequena multidão boquiaberta”, Ford relembra, rindo. “Não lembro o motivo, acho que era algo a ver com querer ir para casa”).
Na parte da frente da camiseta preta que Hamill usa há o desenho de um Mickey Mouse de dentes pontiagudos parecendo uma fera. Hamill é boa-praça demais para que esse seja um protesto velado, mas levou pelo menos uma bronca da Disney recentemente. Ele disse a um repórter que fãs que esperam que O Despertar da Força seja “a segunda vinda de Cristo” ficarão decepcionados, resultando na manchete “Mark Hamill Diz que Fãs de Star Wars ‘Ficarão Decepcionados’”. “Isso me rendeu uma ligação dos mandachuvas”, conta, aos risos.
Ele também falou para a plateia na Comic Con algo que ela não queria ouvir. “A frase que usei diante de uns 5 mil fãs de Star Wars absurdamente empolgados, prontos para ver o trailer, foi: ‘É só um filme’”, ele gargalha. “É uma pena, porque ouvi isso de George Lucas primeiro, no set, ok? Estava tentando falar para as pessoas racionais e sãs que sabem que filmes não mudam sua vida, e se você tem 38 anos e realmente acha que podemos fazê-lo se sentir como se tivesse 10, você sabe o que vai acontecer. Então, não pense isso e tudo ficará bem!”
Hamill vive com Marilou, sua esposa há 37 anos, em uma casa modesta que fica em uma belíssima propriedade. Mesmo sendo bonito na época da trilogia original, ele nunca esteve destinado a ser um astro de cinema. “Nunca poderia ter sido”, afirma Carrie, categoricamente. “Umas dez pessoas por geração conseguem virar estrelas, talvez? Só que as outras ainda podem ter uma carreira substanciosa.” É mais fácil entender isso agora – Hamill é carismático, mas excêntrico: parece mais o presidente de um fã-clube de Star Wars do que um de seus astros. Na década de 1980, era um ator talentoso com rosto de protagonista, que questionava por que não estava conseguindo mais papéis no cinema. Mas agora está à vontade em uma carreira eclética, especialmente depois de se tornar um reconhecido dublador. Ganhou fama como o Coringa nas cultuadas animações do Batman. “Eu podia fazer minhas dublagens e podia fazer teatro quando quisesse”, conta. “Tenho me divertido, trabalhado em muita coisa interessante.”
Só que ele precisaria de mais do que a voz para reviver Luke Skywalker. Então, Hamill, aos 64 anos, passou os últimos dois anos no que soa como um regime de treinamento brutal. Parece ter perdido uns 22 quilos, mas não quer elogios: “Isso insinua que eu estava péssimo antes!” Hamill e Carrie estavam entre os primeiros a saber que Lucas planejava vender a LucasFilm e que haveria mais filmes. Em 1983, o ator ficou triste pela saga concluir com Luke se tornando um verdadeiro Jedi: “Tinha acabado de chegar onde queria estar – e a história termina?”
A primeira reação dele à notícia de Lucas, dada em um almoço durante uma convenção de Star Wars, foi entrar em um “estado de choque”. Teve sentimentos confusos. “Você precisa pensar em tudo, porque se quiser ter uma vida tranquila, esta não é a melhor maneira!” Ele se viu esperando que Ford não aceitasse. “Falei: ‘Harrison não vai topar. Por que aceitaria?’ Essa é nossa cláusula de escape. Se eu for o único, vai parecer terrível – se ele não fizer, não precisarei fazer.”
No set, foi diferente. Quando Hamill entrou na Millennium Falcon – enfatiza que fez isso como ele mesmo, não como Luke –, ficou estupefato. “Aquilo abriu todas as gavetas na memória”, conta. “A sensação de sentar ali ou simplesmente sentir o cheiro de tudo ou ver onde Chewie jogava xadrez. Você ri muito. Quer dizer, não consegue acreditar que aquilo está acontecendo. Não parece real.”
Hamill é o único do elenco original que é fã de quadrinhos e ficção científica, além de aficionado por rock dos anos 1960. “Entendo interesses obsessivo-compulsivos por entretenimento. Tenho muitos deles.”
Enquanto vou para meu carro, Hamill aparece em uma janela para dizer, ou melhor, gritar “tchau” novamente. Menciono que irei à casa de Carrie no dia seguinte. “Você vai se divertir muito”, ele diz. “Coloque o cinto de segurança!”
A princesa Leia está resfriada. Pelo menos é o que acha: alguns dias depois, ficará sabendo que, na verdade, está com pneumonia. Carrie Fisher decidiu dar parte da entrevista deitada na cama, com uma colcha cobrindo-a quase até o pescoço. Não importa. “Tenho um quarto ótimo”, diz. A cabeceira detalhadamente trabalhada, encostada em uma parede roxa-rosada, inclui um painel de vidro jateado e cartões verdes com mensagens impressas (uma delas diz: “Sei por que estive no hospital”).
A casa, uma mansão em Beverly Hills que já foi de uma estrela do cinema mudo, tem um clima misterioso e mágico: entre muitos outros artefatos, há uma boneca gigante da Princesa Leia dentro de uma cabine telefônica em estilo antigo. Uma árvore de Natal fica montada na sala de estar o ano inteiro; um dos enfeites é Darth Vader, seu pai na ficção. “Transcendo a fantasia”, Carrie diz.
Ela tem sido honesta sobre seu diagnóstico de transtorno bipolar e sobre os tratamentos de choque pelos quais passou. É uma romancista e escritora prolífica e hilária – escreveu o livro que deu origem ao filme Lembranças de Hollywood. Carrie trata esse assunto com leveza; uma placa no portão da propriedade diz: “Pergunte-me sobre efeitos colaterais de medicamentos” e há um cartaz sinistro de um velho filme sobre eletrochoque em um cômodo.
Quando Lucas contou a Hamill e Carrie sobre o novo filme, ela falou: “Estou dentro!” A única pergunta era se haveria um papel “para Billie” – não Billy Dee Williams, que supostamente aparecerá em algum momento, e sim Billie Lourd, a filha dela de 23 anos, agora na série Scream Queens (e que ganhou um papel não revelado em Star Wars).
Ela é possessiva quanto a Leia, considerando-a um “imenso” ícone feminista e se irritando com a sugestão de que era uma “donzela em apuros”. “Ela mandava neles”, diz. “Eu não era nenhuma beldade correndo pela galáxia com os peitos balançando.”
A atriz usa um vestido simples preto e está descalça. O cabelo é castanho-aloirado e, por trás dos óculos estilosos, os olhos castanhos se mostram brilhantes e curiosos. Um dos aspectos mais atraentes do novo filme é a ideia do romance de Han e Leia. A proximidade de Ford com Carrie na vida real é um mistério – ela deu pistas sobre fatos que talvez nunca revele, algo que não fez nem em seu próprio livro: com o título de The Princess Diarist (“A Princesa Diarista”), a obra se baseia nos diários do primeiro filme, que Carrie descobriu recentemente. Quando Ford soube, brincou que precisaria de um advogado.
O trio original passou por uma explosão de fama como a dos Beatles, mas Ford minimiza a relação entre eles: “Tivemos vidas separadas em lugares separados. Não foi um por todos e todos por um”. Tendo dito isso, quando subiu ao palco da Comic Con em julho, deu um selinho em Carrie. “As pessoas agiram como se fosse uma cena pornô”, ela diz marotamente. “Foi rápido demais para ficar surpresa. Fiquei surpresa com todas as fotos – sabe... pornô com idosos!” No novo filme, ela se viu tensa inicialmente. “Fiquei muito nervosa, tive problemas horríveis para decorar as falas, mas depois melhorou”, conta. “Pense nisso, fizemos esses três filmes 1 milhão de anos atrás e agora vamos fazer de novo, só que você está 40 anos mais velha e há muito a fazer jus – ou estragar. E as pessoas querem que seja igual, e também melhor! Então, há pressão, mas você supera e diz: ‘O foco mesmo está nos jovens que estão fazendo isso’.”
Ela fica impassível ao avaliar performances antigas e se diverte com o sotaque britânico que usou em algumas das primeiras cenas. “Tinha acabado de sair da escola de teatro – e era na Inglaterra!”, conta.
Quando vou embora, Carrie me conduz por uma divertida visita pela propriedade, terminando em um dos quartos temáticos da casa de hóspedes. “Este é o quarto espacial”, descreve. Obviamente, está cheio de itens de Star Wars, incluindo um pôster pintado dos personagens originais tocando em uma banda de rock. Leia é a vocalista principal.
Na véspera, cinco minutos depois que deixei Hamill, um Toyota parou ao meu lado no semáforo. No banco de passageiro havia uma jovem fantasiada de Princesa Leia, aparentemente indo para uma festa de Halloween. Foi como se a Força me enviasse uma mensagem indecifrável. Carrie não fica surpresa. “Não”, ela diz. “Eles estão por toda parte.”