Primeiro disco da carreira do músico tem participações de Tássia Reis e Curumin
Por Luciana Rabassallo
Aos 22 anos de idade, Erick Costa a.k.a Nego E é um dos nomes mais promissores da cena hip-hop proveniente do bairro da Penha, localizado na zona Leste de São Paulo. Em apenas seis anos de carreira, o rapper lançou os EPs Egresso, Doze do Seis, Reconstrução e a mixtape Os Planos. Além disso, ele foi um dos nomes convidados para abrir o show de Busta Rhymes, no Converse Rubber Tracks Live Brasil, que aconteceu em agosto deste ano, e participou do livro Poetas do Sarau Suburbano - Vol. II, de Alessandro Buzo.
Com incontáveis trabalhos no currículo e pouquíssimo tempo de estrada, Nego E lança nesta terça-feira, 18, com exclusividade no blog Cultura de Rua, espaço dedicado ao hip-hop no site da revista Rolling Stone Brasil, o primeiro álbum de estúdio dele: Autorretrato. O registro, que tem produção de Tico Pro e DJ Duh, foi masterizado por Levi Seitz no estúdio BlackBelt Mastering, em Seattle, nos Estados Unidos.
Nas 12 faixas de Autorretrato, Nego E mistura batidas de trap, gaitas, maracatu, sintetizadores e pianos aos versos fortes e vigorosos – que abordam temas como o vício em cocaína, o amor, o preconceito e a violência urbana. Entre as participações especiais, os destaques são a jovem cantora Tássia Reis e o músico Jean Dolabella (Ex-Sepultura), na faixa “Vegas”, e o multi-instrumentista e produtor Curumim em “Anti-herói” – que também tem Max B.O.
“Cada música é especial. Convidei pessoas que acredito, admiro e que estavam alinhadas com o meu momento musical para participarem desse trabalho. Existem tantos outros nomes envolvidos em cada faixa, que foram extremamente necessários ao bom desenvolvimento durante esse um ano de trabalho pra lançarmos o disco. Tenho muita gratidão por todos e sei que nada foi em vão”, afirma o músico em entrevista ao Cultura de Rua.
Autorretrato está disponível para download na loja virtual iTunes e também no site oficial da produtora Artefato.
Ouça abaixo, com exclusividade, o disco Autorretrato e leia o faixa a faixa em que Nego E fala sobre as canções que compõe o registro:
"Em Frente, Enfrente" - Autorretrato
Com produção de Tico Pro, "Em Frente, Enfrente" é um mantra, um manifesto em forma de frase, é bater de frente com seus demônios, resistir aos conflitos internos em seu próprio infinito. "Em Frente, Enfrente" são bocas fechadas e olhos abertos pra abrirmos os caminhos do disco.
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"Sangue, Suor E Lágrimas" - Autorretrato
Comecei a escrever essa música logo após assistir Invictus, quando Mandela cita o poema de William Ernest Henley. A partir da frase "minha cabeça sangra, mas não se curva" fui tentando desenvolver a letra. Nos reunimos com DJ Duh e o processo foi livre, desde a produção até o convite ao Lucas Cirillo, gaitista e integrante da banda Aláfia, pra abrilhantar ainda mais a música. Por isso a ausência de um refrão cantado, somente o som da gaita na construção da sonoridade.
"Anti-Herói" - Autorretrato
Procuramos fazer uma mistura brasileira. Tico Pro soube encaixar muito bem os elementos de maracatu e o peso do rap na produção. Convidei o Max B.O. por alguns motivos: estávamos nos devendo uma parceria há algum tempo, temos uma proximidade além da música e compartilhamos alguns ideais de vida. No dia em que mostrei o instrumental no estúdio, a melodia do refrão já foi construída e a letra lapidada. Pensamos em algumas vozes pro refrão e a decisão de chamar o Curumin foi unânime. Eu sou fã e admiro muito o trabalho dele. Foi uma honra ter os dois fechando conosco nesse trabalho. O "Anti-Herói" não é super, ele tem contas pra pagar, família pra criar e é um cidadão comum na luta diária.
"Mata Hari" - Autorretrato
Uma música que narra a vida de uma garota de programa, com o nome da dançarina que foi acusada de espionagem na Primeira Guerra Mundial. A história é adaptada aos dias de hoje. Mostra a vida dura, que diversas mulheres tem que enfrentar. Seja pra cuidar dos filhos, sustentar a casa ou manter seus vícios - sofrendo com julgamentos, olhares tortos e preconceitos da sociedade machista em que vivemos. "Mata Hari" é a história de diversas mulheres, que podem ser prostitutas ou empresárias. Os problemas não escolhem classe social, cor ou credo.
"Giro/Relaxa" - Autorretrato
"Giro" e uma história construída a partir dos nossos rolês. Seja ele no fundão da zona Leste ou em uma festa no Jockey Club, a essência permanece a mesma, diversão com disciplina, orgulho de ser e chegar onde chegou.
"Relaxa" foi a última faixa a ser criada para o álbum e a primeira feita na nova MPC do Tico. Tudo foi tão natural quanto a música, uma produção conjunta, desde letra, escolha dos timbres e refrão, fazendo jus ao nome. É um som pra relaxar e aproveitar o momento depois do rolê.
"Clímax" - Autorretrato
Uma das primeiras músicas escritas pro disco, "Clímax" conta a história de um casal, amante da Lua e com sensações e momentos compartilhados. Dividindo o gosto por boa música e cheio sintonia. A letra e participação do Dee e a voz de apoio do Outro no refrão ajudaram a fechar a música em grande estilo.
"autorretrato" - Autorretrato
A canção que dá nome ao registro é o som mais introspectivo do disco. Sendo desde 1991 um suspeito padrão para a sociedade por nascer preto em um país racista, cito referências da fotografia como Zeiss, mas falo de Gordon Parks, um forte expoente da cultura Blaxpoitation no cinema. Também cito Annie Leibovitz, fotógrafa que fez retratos de grandes músicos. Por indicação da minha fotógrafa Muriel Xavier, assisti ao documentário Vida Através de Lentes que muito me inspirou. “autorretrato” se resume na frase “ninguém acreditava em mim até eu acreditar em mim”.
"Por Um Triz" - Autorretrato
Ela começou como outra música, com outro instrumental e com outra ideia, porém como a arte nos permite adaptação e amadurecimento, ela se tornou o que vocês ouvem hoje. Inspirado nos instrumentais de corais norte-americanos, com órgãos e tons de bateria comandando a batida, falo sobre situações e escolhas que muitas vezes precisam ser feitas na vida. “Por um triz foi escola e não bar, escolha Escobar. Foi beira de piscina e não Beira-Mar...".
"Tinha Que Ser" - Autorretrato
Onde tudo começou, o pontapé inicial para o autorretrato, um manifesto pela cultura preta, uma forma de luta contra o genocídio da população que mais morre no Brasil e no mundo, seja por falta de saneamento básico ou na mão de corporações assassinas que tem o respaldo dos governos. A seleção de colagens usadas pelo DJ Nyack casaram perfeitamente com tudo que tentei expressar na faixa, ele captou a essência do que queremos passar.
"Vegas" - Autorretrato
É a história de alguém comum, que recebeu um diagnóstico negativo do médico, não tinha mais expectativa de vida e resolveu transformar sua vida como assistia nos filmes de Las Vegas, bebidas e carros, drogas e jogos, mulheres e dinheiro. Ele conseguiu fazer tudo isso sem sair do seu quarto, sem sair do seu bairro, sem sair do país, criou ilusões em sua mente logo após ter recebido a notícia e decidiu encontrar diversas formas de viver seus últimos momentos.
Tivemos a honra de ter a participação do Jean Dolabella, ex-baterista do Sepultura, que se animou a partir do momento que contamos o enredo da música, montou a bateria em 20 minutos no estúdio e já tava gravando, além de ter feito os riffs de guitarra sob o comando do André Kbelo. Finalizamos a pré-produção e convidamos a Tássia, que chegou com sua voz forte e os gritos que ouvimos ao fundo do refrão, entrou muito na ideia da música e concretizou toda a ideia desde a voz da introdução até o final. “O médico ligou e só deu caixa postal”, era pra avisá-lo que o diagnóstico passado tinha um engano, mas será que todo mundo merece uma segunda chance?
"Caos" - Autorretrato
Caos é sobre um relacionamento movido por antíteses, contradições e intensidade, é uma música sem peças de bateria além do bumbo, um caos na mente desde a produção até a finalização, desde o começo com a poesia calma de Mel Duarte até a rima e o refrão com a belíssima voz da Xênia França, a percussão ditando o ritmo é o estopim da música pra mim, esperamos ter atingido o ponto do caos na cabeça dos ouvintes. É ver o mundo em chamas, somente ruínas ao redor e continuar se amando, manter a faísca de desejo por menor que seja, é acreditar.
"Eu Só" - Autorretrato
Precisávamos finalizar o disco, mas dar a intenção de que não tinha acabado, entende? A música é curta, as ideias são mais diretas, deixamos um grande solo no final, é tudo sobre continuidade, ser só numa cidade com tanta gente, olhar pros lados e não se identificar com nada nem ninguém, eu só é o Nego E andando pela cidade, é a visão externa de alguém que narra os acontecimentos diários e noturnos.