Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay enlouqueceram o público diversificado
Por Luciana Rabassallo
Há 25 anos o Racionais MC's fez história como o percussor do rap nacional. A efeméride foi comemorada na noite deste sábado, 6, com o show da turnê Racionais MC's - 25 anos, no Citibank Hall, em São Paulo. A apresentação, que revisitou o vasto repertório do grupo e reuniu os novos nomes do gênero, como Emicida, Criolo, Flora Matos e Rincon Sapiência, teve todos os ingressos esgotados. O blog Cultura de Rua, espaço dedicado ao movimento hip-hop no site da revista Rolling Stone Brasil, estava lá e acompanhou tudo de perto.
Os hits "Capítulo 4 Versículo 3", "Vida Loka (Parte 1)", "Eu sou 157", "Jesus Chorou" e "Da Ponte pra Cá" foram cantados em uníssono pelos sete mil fãs que lotavam o local, enquanto um telão de grande resolução mostrava cenas da cidade de São Paulo. Em versos mais agressivos, em que Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, originalmente, falavam sobre os "playboys", as letras foram modificadas para não "agredir" o público - que era formado pelas mais distintas pessoas.
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Além dos fãs mais antigos, que acompanharam a trajetória do coletivo dos shows nas "quebradas" da periferia nos anos 1980 ao prêmio do VMB em 1998, também estavam na plateia homens e mulheres de classe social mais alta, amantes das letras políticas e com caráter de denúncia que é a marca registrada do Racionais. O preconceito - de ambos os lados - parece ter sido deixado de lado. Há algum tempo, membros como KL Jay e Ice Blue afirmam que as letras de faixas como "Hey Boy" e "Mulheres Vulgares" não os representam mais.
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O grupo parece, finalmente, ter entendido a importância que tem, não apenas para os movimentos sociais que representa, mas também como um dos nomes mais fortes da música brasileira. Os discursos inflamados de Brown não vieram. Nenhum integrante do coletivo falou com o público. No lugar das palavras, entraram em cena uma grande produção - um belíssimo telão de led, bicicletas estilizadas, dançarinos, boa iluminação e garrafas de champanhe para brindar com os fãs o sucesso da "revolução" sonora que eles protagonizaram.
“Desde que comecei no Racionais, sou mais jovem, educado e espiritualizado”, afirma KL Jay.
Apesar da "pose", Mano Brown não se conteve ao ver a casa lotada de fãs enlouquecidos que acompanhavam aos berros cada verso que ele cantava e, por diversas vezes, ostentou um sorriso orgulhoso. A energia parecia ter contagiado o grupo, que se esmerava no flow enquanto KL Jay soltava novas batidas para sucessos como "Um Por Amor, Dois por Dinheiro" e "Diário de um Detento".
Para encerar, "Vida Loka Pt.2" foi acompanhada de muitas garrafas de espumante estouradas em direção ao público e a certeza de que, mesmo sem os famosos discursos do coletivo, a música fala por si. O rap é uma forma de autoafirmação da periferia e, sobretudo, da cultura negra. Os Racionais pregam nas letras que as pessoas não precisam ter vergonha da cor, do cabelo, do sotaque e do lugar em que moram. Foi exatamente o que aconteceu nesta noite. "Manos" e "playboys" dividiram o mesmo espaço, sem preconceitos. Cada qual com a própria história e convicção, mas respeitando o direito de estar ali do outro.
Afirmar que os Racionais MC's são "mascarados" ou que deixaram de lado a ideologia que tanto pregam é um tanto quanto injusto. Eles, além da evolução econômica do país e alguns outros fatores, são diretamente responsáveis por essa mistura de cores e classes - que nada tem de ruim. O importante não é fazer a mensagem chegar? Pois bem, ela chegou. Chegou para os novos nomes do rap nacional, chegou para os "playboy", chegou para os "manos", chegou para o mainstream e chegou também para as três adolescentes loirinhas de Curitiba, que apareceram mandando umas rimas em um vídeo muito compartilhado no Facebook (e, erroneamente, criticado).
Um pouco de história:
O ano era 1990 e chegava às lojas o álbum Holocausto Urbano, o disco de estreia dos Racionais MC's. Com seis faixas, incluindo "Pânico na Zona Sul" e "Tempos Difíceis", que saíram na coletânea Consciência Black, Vol. I. (1988), o trabalho é, de longe, o mais radical da carreira de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. Canções como "Hey Boy", "Mulheres Vulgares" e "Racistas Otários" marcam o ápice das letras de protesto do grupo, que retaram com batidas cruas a realidade das periferias de São Paulo.
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O surgimento dos Racionais MC's foi um divisor de águas não apenas para o rap nacional, mas também para a indústria fonográfica e a história da música brasileira. Inspirados no trabalho do coletivo norte-americano Public Enemy, a missão dos jovens rapper era clara: denunciar a pobreza extrema dos cidadãos que vivem à margem da sociedade, retratando de forma contundente e nada romântica o cotidiano deles - uma vida sem esperança em um futuro melhor e driblando a violência policial e urbana. A fórmula funcionou.
Antes que percebessem, eles se tornaram um ponto de referência para milhares de jovens no Brasil. Em 1993, com "Fim de Semana no Parque" e "Homem na Estrada", ambas de Raio-X do Brasil, terceiro disco dos Racionais, o rap nacional começou a tocar em rádios populares de São Paulo. O movimento trouxe à tona uma realidade que, embora fosse a vivida pela maior parte dos brasileiros, permanência invisível.
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A explosão, contudo, aconteceu apenas em 1997, com o seminal "Sobrevivendo no Inferno", lançado pelo Cosa Nostra, selo criado pelos próprios Racionais. Com clássico como "Diário de um Detento", "Capitulo 4, versículo 3" e "Periferia é Periferia", o disco fez sucesso imediato e bateu recordes de vendas para um trabalho do gênero no país: 500 mil cópias. O álbum foi o responsável por colocar o grupo na mídia e apresentá-lo ao grande público.
Com o sucesso, vieram o reconhecimento e os prêmios. O clipe de "Diário de um Detento" ganhou o MTV Video Music Brasil, na categoria escolha da audiência, em 1998. O troféu foi um recado aos que consideravam a música dos Racionais como "som de bandido" e tiravam o mérito do trabalho dos rappers por pertencer a um movimento cultural popular e, inegavelmente, legítimo. Além disso, o prêmio foi resultado de um trabalho completamente livre, sem divulgação de gravadoras e suborno pra tocar em rádios e programas de televisão. Os Racionais MC's já eram independentes antes mesmo de as gravadoras se tornarem obsoletas - ensinando o caminho das pedras para as novas gerações.
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Quase três décadas depois, o grupo é o maior nome do hip-hop nacional e da música brasileira. A trajetória deles inspirou não apenas uma evidenciou a dura realidade da periferias, como incentivou a evolução do rap e viu surgir nomes como Sabotage, Criolo, Kamau e Flora Matos. Além de Emicida, o maior exemplo da independência que os Racionais viveram lá nos anos 1990. Criando um selo próprio, uma produtora (Laboratório Fantasma) e uma marca que vende camisetas e bonés - que gera capital para novos investimentos e gravações, fazendo a engrenagem girar sozinha.