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Cinema / MOSTRA DE SP

Anora foge dos clichês da comédia romântica para abraçar o drama e o caos; RS já viu

Novidade de Sean Baker (Projeto Florida) está na programação da 48ª Mostra de Cinema de São Paulo, que começa nesta quinta-feira (17)

Angelo Cordeiro (@angelocinefilo)
por Angelo Cordeiro (@angelocinefilo)
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Publicado em 16/10/2024, às 15h00 - Atualizado às 15h30

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Anora foge dos clichês da comédia romântica para abraçar o drama e o caos; leia a crítica - Divulgação/NEON
Anora foge dos clichês da comédia romântica para abraçar o drama e o caos; leia a crítica - Divulgação/NEON

Um dos destaques na programação da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa nesta quinta-feira (17), Anora, novo filme do cineasta Sean Baker (Projeto Florida) e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, desperta uma curiosidade: o que pode tê-lo feito ganhar o prêmio máximo de um dos festivais mais celebrados do ano?

À primeira vista, não é absurdo classificar Anora como uma comédia romântica, já que os elementos típicos das comédias de casais que se apaixonam e vivem um romance inesperado estão ali. No entanto, o conto de fadas idealista, que serve de pano de fundo da grande maioria das fitas do gênero, vai se revelando às avessas ao fugir dos clichês e ir abraçando cada vez mais o caos em uma trama imprevisível.

Longas como Uma Linda Mulher (1990), Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e 10 Coisas que eu Odeio em Você (1999) parecem histórias de ninar diante desta peça contemporânea, que remete à estrutura frenética das screwball comedies de Howard Hawks (Levada da Breca) com o “toque Lubitsch” — a maliciosa sexualidade e o tesão presentes nos clássicos de Ernst Lubitsch (Ninotchka), em uma época regida por códigos morais e conservadorismo (ainda bem atual, não?).

Na história, Anora (Mikey Madison, de Pânico 5) — ou Ani, como ela gosta de ser chamada — é uma profissional do sexo, que parece ter finalmente se dado bem na vida ao cruzar seu caminho com o do jovem Ivan (Mark Eydelshteyn), filho irresponsável de uma família russa bilionária.

Ele se fascina por Ani a ponto de requerir exclusividade sobre ela e o que começa como uma aventura despretensiosa regada a dinheiro, drogas e muito sexo, logo se transforma em uma alucinada e dramática comédia de erros, que não abandona o afeto pela personagem de Mikey Madison.

Não é à toa que Ani se deslumbra com a forma exorbitante com que seu mais novo amante gasta dinheiro com ela. Ela se vê jogada em um conto de fadas. Uma Cinderela às avessas ou Uma Linda Mulher sem os clichês típicos de Hollywood. É a chance da gata borralheira abandonar a vida de uma dançarina típica de Showgirls (1995), o erótico espalhafatoso de Paul Verhoeven, e passar a “brincar de casinha” em uma mansão luxuosa, viagens, festas e presentes caríssimos.

Porém, o que parecia caminhar super bem para o jovem casal aventureiro logo se transforma em uma desordenada luta de Ani, que se vê só em um mundo guiado pela exploração e dominado pelo capital que provém das mãos de homens poderosos, embora todos sejam completamente tolos.

De Ivan aos capangas do pai do garoto — enviados para dar um fim a este romance proibido —, todos se apresentam como idiotas completos, além de abusivos. Até mesmo o pai de Ivan, de quem se espera uma postura mais sóbria, tem uma cena de riso infantil após uma sequência de esbravejamento da parte de Ani contra sua própria esposa.

Adotando esse tom de comédia em diversas situações, Sean Baker apela até para a fisicalidade, com sequências de lutas, fugas e embates entre os personagens, demonstrando um esforço coletivo pela intensidade das atitudes e ações tomadas por eles em diversos momentos. Até um gesto mais discreto, como sair de fininho de um batismo, torna-se escancaradamente infame e hilário pela forma absurda com que o personagem reage.

Quando adota tons mais dramáticos, é como se o diretor projetasse uma espécie de neorrealismo contemporâneo neste mundo de estética neon. Ou melhor, ele realiza um exercício às avessas do neorrealismo italiano, movimento conhecido por sua característica de abordar mazelas sociais da classe trabalhadora a partir de uma linguagem simples, emotiva e direta, enquadrando Anoracomo um neorrealismo norte-americano, que tem no sonho americano o seu mote principal.

E não é de hoje que o cinema de Sean Baker lança olhar para personagens que buscam viver esse sonho. Vale destacar ainda seu histórico com protagonistas que têm o sexo como forma de sobrevivência. Em Red Rocket (2021), seu trabalho anterior, o protagonista vivido por Simon Rex é um ator pornô em declínio. Já Tangerine (2015), filme que catapultou sua carreira após a exibição no Festival de Sundance de 2017, é protagonizado por duas prostitutas.

Tais personagens, assim como Ani, buscam seus dias de glória enquanto sobrevivem à margem de uma sociedade que os invisibiliza e os relega à mediocridade de suas vidas nada esperançosas. Basta lembrar da mãe e filha de Projeto Flórida (2017), que moram logo ao lado do Walt Disney World, mas sem acesso a ele.

Ani e todos esses outros personagens, se fossem reais — e poderiam muito bem sê-los! — seriam estigmatizados não só pela sociedade, como geralmente são pelo próprio cinema, mas em Anora, pelas lentes de Sean Baker, Ani se apresenta sem julgamentos, sem condenação e sem glamourização de sua vida.

Viramos testemunhas de uma desordem que pode causar ansiedade — remetendo ao Joias Brutas (2019) dos irmãos Safdie —, mas que nos tira riso, desconforto e talvez até choro, pois Ani é uma personagem construída a partir de atitudes humanas e Baker dá a ela o seu momento de catarse para nos revelar isso.

Já perto do fim, o personagem de Yura Borisov (Compartimento Nº6), um dos capangas da família russa, lê para Ani o significado de seu nome, Anora: romã, leve e brilhante. Em suma, Anora personagem e filme — são tudo isso. Objeto de desejo e cobiça de um jovem inconsequente, ela é como a romã, tida por muitos povos como detentora de poderes afrodisíacos.

É também leve diante de um mundo pesado e cruel, e brilhante, pois nos fascina desde os minutos iniciais por sua destemida e intensa vontade de viver a vida. É uma personagem real, humana, clássica e contemporânea, que nos responde, após sua intensa jornada, porque é tão representativa para o cenário atual.


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