CRÍTICA

Calígula: O Corte Final abre mão do sexo explícito para focar na tragédia do protagonista

Nova versão do clássico erótico de 1979, do diretor Tinto Brass, estreia nos cinemas brasileiras nesta quinta-feira (5) com mudanças significativas

Angelo Cordeiro (@angelocinefilo)

Publicado em 04/12/2024, às 17h00
Calígula: O Corte Final abre mão do sexo explícito para focar na tragédia do protagonista; leia a crítica - Divulgação/A2 Filmes
Calígula: O Corte Final abre mão do sexo explícito para focar na tragédia do protagonista; leia a crítica - Divulgação/A2 Filmes

Calígula: O Corte Final, que estreia nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira, dia  de dezembro, surge como uma tentativa de reabilitação de uma obra profundamente polêmica e complexa. Originalmente, o filme do diretor italiano Tinto Brass (Monella, a Travessa), lançado em 1979, foi marcado por uma mistura desarticulada de sexo explícito e drama histórico, resultando em um produto que mais gerava desconforto do que reflexão.

A intervenção dos produtores, especialmente de Bob Guccione, criador e fundador da revista masculina norte-americana Penthouse, a partir da adição de cenas pornográficas, desvirtuou a narrativa proposta pelo roteirista Gore Vidal, transformando a tragédia do imperador romano em um espetáculo sensacionalista, no qual o sexo assumia protagonismo, obscurecendo o seu conteúdo histórico e político.

A nova versão, produzida e restaurada por Thomas Negovan, busca corrigir esses desvios, oferecendo um recorte mais coeso e fiel à proposta original. Na história, assombrado pelo assassinato de seu pai, o jovem e desconfiado Calígula (Malcolm McDowell, Laranja Mecânica) toma o trono do decadente Império Romano ao eliminar seu avô adotivo (Peter O'Toole, Lawrence da Arábia), mergulhando em um ciclo de corrupção, violência e insanidade.

A principal virtude da nova montagem é sua habilidade em resgatar a narrativa épica e a complexidade do personagem principal, interpretado magistralmente por McDowell. Calígula, com seu percurso de insanidade, crueldade e corrupção, deixa de ser apenas uma figura que gera choque para se tornar um personagem trágico e multifacetado. A ascensão do imperador ao poder e a sua queda são apresentadas com uma clareza que faltava na versão original, em que as cenas de sexo explícito e violência gratuita haviam diluído qualquer profundidade narrativa.

O trabalho de Thomas Negovan, ao reorganizar as mais de 96 horas de material filmado por Brass, resgata o espírito épico do roteiro de Gore Vidal. Enquanto a versão anterior parecia mais preocupada em chocar o espectador, a nova edição prioriza a construção de uma narrativa sólida e intensa. O filme agora é mais sobre a psicologia do personagem e a destruição causada pela loucura e o poder absoluto, com uma dose de erotismo que, embora ainda presente, é mais discreta e integrada à trama, ao invés de ser um fim em si mesma.

A trilha sonora do compositor Troy Sterling Nies é outro acerto da novidade. Ela substitui a original e impõe um tom épico, mais adequado ao contexto histórico da trama. Em vez de um ritmo frenético e perturbador, a música agora sublinha os momentos de tensão dramática e os elementos grandiosos da narrativa, comparando-se favoravelmente a filmes contemporâneos de temática histórica, como Gladiador (2000). Essa mudança de abordagem sonora ajuda a transformar o filme em uma obra mais coesa e menos irritante, conferindo-lhe um ritmo que favorece a imersão no universo de Roma antiga.

Contudo, é importante destacar que Calígula: O Corte Final ainda não é um filme fácil de digerir. Sua violência gráfica e suas cenas de nudez, embora mais orgânicas e justificados pela trama, continuam a desafiar o espectador. O erotismo, embora mais sutil e integrado, pode ser desconcertante para quem está habituado a uma abordagem mais convencional do gênero histórico. Porém, para quem busca um retrato mais fiel de um dos imperadores mais excêntricos e tirânicos da história, esta versão é sem dúvida um avanço significativo.

Calígula: O Corte Finalé a versão de Calígula que, provavelmente, mais se aproxima da visão idealizada por Tinto Brass, resgatando o epicentro da trama e a profundidade do texto de Gore Vidal. Ao eliminar o excesso de sexo explícito e dar maior atenção à psicologia do protagonista e sua trajetória trágica, a montagem de Negovan consegue equilibrar a violência e o erotismo com o peso dramático necessário para contar essa história sombria. Dessa forma, Calígula: O Corte Final se apresenta como uma obra mais madura e bem-estruturada, digna de ser apreciada por quem busca algo além do mero escândalo.

Especial de cinema da Rolling Stone Brasil

O cinema é tema do novo especial impresso da Rolling Stone Brasil. Em uma revista dedicada aos amantes da sétima arte, entrevistamos Francis Ford Coppola, que chega aos 85 anos em meio ao lançamento de seu novo filme, Megalópolis, empreitada ousada e milionária financiada por ele próprio.

Inabalável diante das reações controversas à novidade, que demorou cerca de 40 anos para sair do papel, o cineasta defende a ousadia de ser criativo da indústria do cinema e abre, em bom português, a influência do Brasil em seu novo filme: “Alegria”.

O especial ainda traz conversas com Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello sobre Ainda Estou Aqui, um bate-papo sobre trilhas sonoras com o maestro João Carlos Martins, uma lista exclusiva com os 100 melhores filmes da história (50 nacionais, 50 internacionais), outra lista com as 101 maiores trilhas da história do cinema, um esquenta para o Oscar 2025 e o radar de lançamentos de Globoplay, Globo Filmes, O2 Play e O2 Filmes para os próximos meses.

O especial de cinema da Rolling Stone Brasil já está nas bancas de jornal, mas também pode ser comprado na loja da editora Perfil por R$ 29,90. Confira:

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