Bruno H. Castro trabalha em animação que contará com voz de Marisa Orth; o cineasta apontou que falta incentivo para que filmes do gênero sejam desenvolvidos no Brasil
Bruno H. Castro é formado em jornalismo, mas sua carreira seguiu os caminhos do cinema ainda na faculdade, quando desenvolveu um trabalho de conclusão de curso sobre o Teatro Oficina de Zé Celso em formato de documentário.
O primeiro projeto de Castro no mundo da animação foi Guida (2014), curta-metragem de Rosana Urbes para o qual serviu como roteirista, produtor executivo e fotógrafo de referência. "O Tiago Minamisawa que me colocou nessa. Ele conheceu a Rosana e disse que a gente tinha que se conhecer. Saímos para comer em um restaurante japonês, tomamos muito saquê, ela me falou de Guida, fiquei muito inspirado, escrevi um primeiro texto, afinamos, colocamos em um edital e levamos".
O filme trata da história de uma arquivista do fórum João Mendes que está prestes a se aposentar quando descobre que um grupo de artistas busca pessoas para posar para aulas de desenho com modelo vivo. É assim que ela decide posar, e sua vida, de uma certa forma, ganha novo sentido. É uma homenagem à arte e à redescoberta artística, de quando a vida ganha sentido por meio da arte. Fiz esse curta como homenagem para a minha avó, que estava com as saúdes física e mental debilitadas. Eu queria que, de alguma forma, acontecesse com ela o que acontecia com a Guida do filme. Mas ela morreu antes do filme terminar, que foi em 2014. Não conseguiu assistir. Pelo menos ficou a homenagem — tem foto dela no filme.
Castro ainda foi produtor de cursos de animação e de modelo vivo com Urbes. Ao lado de Minamisawa, ele tentou criar uma produtora de animação, "que não deu certo". "Não sabíamos como gerir o negócio, mas fizemos uma série de 25 vídeos", admitiu em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Em seguida, Castro, Minamisawa e Guto BR lançaram Sangro, que recebeu prêmios ao redor do mundo e está disponível no site da Fiocruz. "O curta é uma espécie de relato, de confissão em primeira pessoa, do Caioh Deroci sobre a descoberta da vivência com HIV", contou o diretor.
Na pandemia, o curta Pela Vida Inteira "foi distribuído em comunidades indígenas para sensibilização e proteção relacionadas ao covid". O filme é protagonizado por Daniel Munduruku e foi feito em parceria com a comunidade Suruí.
Para Bruno H. Castro, "o principal desafio para realizar animações é sempre dinheiro". No Brasil, faltam editais e leis de incentivo, "mesmo o nosso cinema de animação sendo um dos melhores do mundo, com indicação ao Oscar e premiações nos maiores festivais do planeta".
No caso de Guida, por exemplo, o filme levou dois prêmios no Annecy — considerado o "Oscar francês da animação".
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Além de não existir edital, quando tem, que é de cinema em geral, é exigido que se envie, além de roteiro e textos de apresentação, storyboard do filme, desenhos de conceito e frames de cenas, o que encarece e muitas vezes impossibilita a inscrição do projeto no edital. Isso não é justo. Agora mesmo tem um edital, que é o Proac [(Programa de Ação Cultural)], que costuma ser útil para animação, mas esse ano pediu um tema específico para os filmes, o que inviabilizou a inscrição de Tubaroa, que é meu próximo projeto.
O incentivo financeiro pode ter sido crucial para que o Brasil não tenha se consagrado pioneiro com Cassiopéia — a primeira animação 100% digital brasileira. O filme de 1996 foi lançado poucos meses depois de Toy Story (1995), embora seu processo de criação tenha começado em 1992.
Segundo a Folha de S.Paulo, Clóvis Vieira, diretor de Cassiopéia, e produtores investiram recursos próprios no projeto, que contou com um orçamento ao menos 10 vezes menor que Toy Story. "Um representante da Disney chegou a nos procurar há dois anos, querendo saber como era o nosso projeto", disse Vieira em entrevista à Folha ainda em 1996.
"Seria o mesmo que ficarmos discutindo quem é o verdadeiro inventor do avião, Santos Dummont ou os irmãos Wright", ponderou, descartando polêmicas.
Castro ainda precisou encontrar uma brecha para ingressar na animação e driblar quem está no mercado há muito tempo — e não quer dar espaço para gente nova. "Ouvi bastante quando comecei: 'Você não desenha, como vai dirigir filme de animação? Eu faço cinema, escrevo e dirijo filmes, logo sou um diretor de filmes de animação, não necessariamente um técnico em desenho, em animação, mas uso a animação como plataforma de expressão artística", argumentou.
"Fui bastante questionado sobre minhas intenções com a animação no começo da carreira, a galera da animação parecia aquele pai ciumento da velha guarda que pergunta as intenções do pretendente com a filha, mas depois que dirigi meu primeiro projeto, acho que todos entenderam e isso passou", continuou.
A falta de incentivo para animação brasileira é acompanhada de problemas de divulgação e educação, pontuou Castro: "Seria incrível se tivéssemos escolas de animação para as crianças, se tivéssemos formação para adolescentes, se tivéssemos apoio para profissionais. [... ] A animação brasileira deveria ser mais divulgada, passar nas escolas, ter mais mostras itinerantes ao redor do país com nossos filmes".
Acredito que o Brasil precisa conhecer a animação brasileira, precisa saber da importância e da força do cinema de animação produzido aqui.
"Além disso, é importante frisar que o cinema de animação emprega muita gente no país, pois é preciso de muita mão de obra para se produzir um filme, são empregos em diversos setores. Quero dizer que a animação também é rentável, movimenta a economia", adicionou. "Em suma, o Brasil precisa conhecer, valorizar e incentivar a animação do Brasil, pois é o próprio país que vai ganhar economicamente e também com a divulgação da cultura nacional no mundo todo."
Castro teve experiências internacionais que, no seu ponto de vista, provam que o Brasil está ficando para trás. "Existem grandes escolas de animação fora do país, assim como existem meios de incentivo dos governos internacionais direcionados para a animação", lembrou.
Ele deu exemplos: "Como a National Film Board do Canadá, que é uma agência do governo canadense voltada para valorizar e incentivar o cinema do país, o que faz com que a animação de lá se desenvolva, gere empregos e se expanda enquanto linguagem cinematográfica. A França também tem vários exemplos nesse setor, como Clermont-Ferrand, que tem ótimos projetos de incentivo".
"O Japão é uma escola fantástica de animação, a indústria é fortíssima no país. E, óbvio, sem falar nos Estados Unidos e seus estúdios de animação, que são os maiores do mundo. O país tem uma indústria muito bem estabelecida e rentável", concluiu.
Entendo cinema também como divulgação e ampliação da cultura de um país, além de ser uma indústria que emprega e expande a criatividade de seus profissionais e também do público. Muita gente lá fora já percebeu isso. Torço para que no Brasil a gente acorde (os políticos e os financiadores, no caso) e a animação brasileira passe a ser valorizada como deveria.
Os obstáculos no caminho de Bruno não o pararam. Ele assina a produção-executiva e é consultor de roteiro em Kabuki, stop motion de Tiago Minamisawa sobre disforia de gênero e o teatro japonês.
O grande projeto deste ano para o cineasta, porém, é Tubaroa — filme dirigido por ele e escrito com o apoio de um grupo de cinema de Recife encabeçado por Liana Vila Nova e Mary Cantarelli.
"O curta é uma conversa filosófica entre uma tubarão-tigre grávida e faminta e um pescador ganancioso. A ideia surgiu de uma provocação filosófica de Sidarta Ribeiro em conversa com Mano Brown no podcast Mano a Mano: como Deus ajudaria um náufrago que reza para se livrar de um tubarão, se esse Deus também precisa prover alimento para o peixe faminto?", relatou.
"Logo que ouvi isso pensei: 'Tem filme aí!' E tinha mesmo. Estamos em pré-produção, já temos roteiro, storyboard, desenhos de conceito e elenco: a Marisa Orth se encantou com o texto e me deu honra de ser a Tubaroa".
Eu ainda vou me acostumar a falar que a Marisa Orth vai fazer um filme que escrevi. Sou muito fã dela. Parece um sonho, sabe? Assim como o Kelner Macêdo, com quem trabalhei no longa A Metade de Nós, que agora vai ser o Pescador dessa nova história.
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Castro revelou que está empolgado e em busca de financiamento para a produção. Enquanto isso, ele trabalha "em mais coisas, tudo ainda embrionário". Entre os projetos em processo de idealização está A Benzedeira, "longa de animação sobre uma travessia de fé pelo sertão do Brasil, um texto e filme inspirado no universo de Guimarães Rosa".