Em entrevista, Guel Arraes e Flávia Lacerda explicam os processos e decisões tomadas nos bastidores de O Auto da Compadecida 2
Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 28/11/2024, às 13h15 - Atualizado às 13h17
O Auto da Compadecida 2 tem estreia marcada para o próximo dia 25 de dezembro nos cinemas nacionais. Dessa forma, a expectativa para a sequência da adaptação já cresce entre os fãs.
Com o retorno de Selton Mello e Matheus Nachtergaele aos papéis de Chicó e João Grilo, a produção conta com um elenco estrelado, que inclui Virgínia Cavendish, Humberto Martins, Fabíula Nascimento, Luís Miranda, Eduardo Sterblitch e Enrique Diaz, além de Taís Araujo no papel de Nossa Senhora, a "Compadecida".
Na última semana, a redação de Aventuras na História, parceira de Rolling Stone Brasil, conversou com os diretores Guel Arraes e Flávia Lacerda a respeito do processo criativo por trás da continuação do filme de sucesso de 2000, que chama atenção dos brasileiros até hoje. Confira:
Sobre a volta ao universo criado por Suassuna, Guel Arraes destaca o papel ativo que Selton Mello e Matheus Nachtergaele desempenharam na produção do longa: "O primeiro filme ocupa um lugar importante no trabalho da equipe e todos recordam do período com muito entusiasmo. Matheus e Selton agora já são diretores, então os consultamos mais durante o processo de escrita do roteiro e ensaios."
Flávia Lacerda, por sua vez, relembra o apelo sentimental que o filme trouxe aos envolvidos:
"Esse reencontro foi mais surpreendente do que eu poderia imaginar. Chorei ao rever o chapéu original do João Grilo que estava guardado com o Cao [figurinista do primeiro filme]. Foi lindo sentir o retorno, o carinho e a expectativa do público desde que o projeto foi anunciado."
A diretora também comenta o impacto que a produção exerce na memória dos brasileiros: "É muito emocionante perceber o quanto O Auto é querido e toca a memória das pessoas. Esperamos agora que uma nova geração possa encontrar o filme".
Quando questionados sobre os cuidados tomados pela equipe por trás de O Auto da Compadecida 2 em produzir uma continuação que respeite a obra original, os diretores explicaram os cuidados meticulosos que tomaram para criar o segundo filme, uma vez que não existe uma sequência escrita por Ariano Suassuna.
Flávia explica: "Bebemos na própria fonte do universo de Ariano, bastante imagético, ibérico, com uma cultura mais bizantina, medieval, pautada em Giotto. Mais do que retratar a cultura nordestina, buscamos identificar os elementos universais dessa cultura."
A dualidade presente na obra de Suassuna, que concilia o popular e o erudito, também foi algo que não escapou aos olhos da direção: "O Auto é um filme essencialmente brasileiro e pop ao mesmo tempo. Ele rompe com os paradigmas do naturalismo sertanejo. É divertido, romântico e mantém uma dimensão espiritual acalentadora", conclui a diretora.
Guel ressalta a relação próxima que teve com o autor em vida enquanto parte dos critérios que determinaram as decisões da direção: "Eu fazia visitas ao Ariano pelo menos uma vez por ano — meu pai e ele eram vizinhos — e conversávamos bastante. Para fazer o segundo filme, reli as pesquisas que já havia feito para o primeiro filme sobre comédias clássicas e sobre histórias da tradição nordestina".
"O método que Ariano usou para escrever O Auto da Compadecida é muito interessante porque ele pega vários folhetos de cordel e junta numa só obra. Molière e Shakespeare também fizeram isso", complementa o diretor.
A ficha técnica de O Auto da Compadecida 2 ainda destaca que o filme teve a aprovação da família de Ariano Suassuna.
Na entrevista, os diretores também compartilharam algumas das principais novidades sobre a trama de O Auto da Compadecida 2:
"Fizemos uma passagem de tempo dos anos de 1930 do primeiro filme para anos de 1950. É o início da modernização, do rádio, das compras em massa, do êxodo do nordeste para o sudeste. Isso tudo aparece no Auto 2, agora com pérolas e gags [fragmentos] de Ariano extraídas de outros trabalhos", revela Guel.
Com isso, a produção da sequência utilizou referências de outras obras de Suassuna na montagem de uma nova narrativa. "A personagem Clarabela é da Farsa da Boa Preguiça, peça escrita por Ariano em 1960. O Chicó vira um contador de histórias, um poeta. Essa ideia também é inspirada na Farsa da Boa Preguiça", complementa Arraes.
Flávia acrescenta: "Acredito também que quando mergulhamos em uma pesquisa que nos leva a criar novas formas de narrar uma história, estamos contribuindo para o audiovisual. Com O Auto 2, fizemos novas pesquisas e pudemos incorporar tecnologias de ponta para incrementar a narrativa".
Ao serem questionados sobre a relevância social da sequência em comparação ao primeiro filme, os diretores destacaram a atemporalidade da obra de Suassuna, bem como sua habilidade em se comunicar com diferentes gerações.
"Em 1955, Ariano retratava com picardia uma realidade social. Em 2000, esse enfoque foi filmado com as lentes sociais do início do século, e mesmo que esteticamente a história transcorresse nos anos 30, sua trama em torno da luta social seguia a mesma. Em 2024 não é diferente", comenta Lacerda.
Guel Arraes, por outro lado, destaca a fidelidade com a qual os diretores se atrelaram ao filme original:
"No segundo filme, traçamos os princípios e pilares do Auto de Ariano, como a luta pela sobrevivência, o conflito entre a religiosidade popular e a oficial, e criamos uma história original. Apesar disso, seguimos os pilares do primeiro Auto: a injustiça social; a opressão; a religião e as crenças populares; a história de amor de Rosinha e Chicó, e a compaixão".
"O Auto da Compadecida 2 revisita os personagens, como se os arquétipos ganhassem nova leitura. O filme não perde nenhum dos seus predicados iniciais: engraçado, ágil, mas com profundo caráter religioso. Agora, ganha camadas extras na trama. Temos uma disputa política, um alguém alçado à popularidade por meio de 'fake news', além dos papéis femininos revisitados", relembra Flávia.
Por fim, Flávia Lacerda comenta as ideias inspiradas em obras de outros autores na construção do cenário de O Auto da Compadecida 2:
"Pensamos muito em como construir essa Taperoá que, com o passar do tempo, se tornou mítica. Hoje Taperoá se compara a Macondo [de Cem Anos de Solidão], Ítaca de Ulisses [Odisséia], ou a aldeia gaulesa de Asterix. Trouxemos elementos eloquentesda arquitetura e pudemos filmar com uma luz descolada do real, contribuindo para fábula de Ariano Suassuna".
"Nos motivava a ideia de que um Auto 2 pudesse ajudar o brasileiro a se reconhecer e voltar a ter orgulho de si mesmo", conclui a diretora.
O cinema é tema do novo especial impresso da Rolling Stone Brasil. Em uma revista dedicada aos amantes da sétima arte, entrevistamos Francis Ford Coppola, que chega aos 85 anos em meio ao lançamento de seu novo filme, Megalópolis, empreitada ousada e milionária financiada por ele próprio.
Inabalável diante das reações controversas à novidade, que demorou cerca de 40 anos para sair do papel, o cineasta defende a ousadia de ser criativo da indústria do cinema e abre, em bom português, a influência do Brasil em seu novo filme: “Alegria”.
O especial ainda traz conversas com Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello sobre Ainda Estou Aqui, um bate-papo sobre trilhas sonoras com o maestro João Carlos Martins, uma lista exclusiva com os 100 melhores filmes da história (50 nacionais, 50 internacionais), outra lista com as 101 maiores trilhas da história do cinema, um esquenta para o Oscar 2025 e o radar de lançamentos de Globoplay, Globo Filmes, O2 Play e O2 Filmes para os próximos meses.
O especial de cinema da Rolling Stone Brasil já está nas bancas de jornal, mas também pode ser comprado na loja da editora Perfil por R$ 29,90. Confira:
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