Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o diretor Simone Scafidi falou sobre a construção de 'Dario Argento Panico' e sua relação com o famoso cineasta italiano
"Por ambição." Simone Scafidi resumiu a motivação para investigar o homem por trás de Dario Argento com essas duas palavras.
Em Dario Argento Panico, o diretor de Suspiria (1977) refletiu sobre o próprio trabalho e a vida pessoal. O filme de Scafidi foi exibido na 15ª edição do Cinefantasy — festival de cinema de gênero em São Paulo — e sucede Fulci for Fake (2019), cinebiografia sobre Lucio Fulci.
É uma vocação [assustar as pessoas], mas também uma predisposição pessoal, cultural, talvez até uma constante, quem sabe, dos meus pesadelos e sonhos, também das minhas escolhas culturais. Mas é complicado. Também não diria que a predisposição é exatamente assustar, porque o terror é uma fase que os iniciantes experimentam, e eu busco o pânico, que é um passo além, é uma penetração mais profunda. Se quisermos comparar o pânico com o terror e o medo, podemos dizer que o terror, por exemplo, é um estado febril a 38, 39 graus, enquanto o pânico é a 41, ou seja, delírio. - Dario Argento
Scafidi respeitou a estrutura clássica de um documentário, mas contextualizou o longa-metragem com entrevistas exclusivas e mostrando o processo criativo de Argento sob uma nova história. "Eu queria a família dele. [...] Isso porque poderiam me dizer muitas coisas sobre Dario fora do set, fora do mundo dos filmes", argumentou Simone em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Ele também conversou com colaboradores de Argento, "porque poderiam dizer algo sobre como Dario faz filmes", e cineastas que se inspiraram na obra do diretor, como Guillermo Del Toro e Gaspar Noé, que poderiam explicar "por que os filmes dele são tão importantes".
Simone contou que Argento aceitou o convite para participar do projeto com muita facilidade: "Eu acho que, como Dario disse, eu provavelmente cheguei na hora certa para ele. Acho que, naquele período, ele queria que alguém fizesse um filme sobre ele". Confira sinopse:
Em quartos de hotéis, protegido do mundo exterior, Dario Argento criou seus filmes mais aclamados. Hoje, ele está escrevendo seu último. Desta vez, no entanto, não está só. Ele volta ao hotel para concluir seu roteiro e ser entrevistado, filmado e acompanhado por uma equipe que grava um filme sobre ele. Argento inicialmente não se sente à vontade, lutando para encontrar tranquilidade tanto para terminar o processo de escrita quanto para confiar em quem o entrevista. Mas o demônio do cinema, que nunca o abandonou, o empurrará, mais uma vez, à entrega total.
Scafidi ainda respondeu a uma pergunta de Flávio Ermírio, diretor de A Casa da Árvore — outro filme incluído na programação do Cinefantasy deste ano — e deu conselho sobre a produção de um longa: "Acho que, primeiro de tudo, você precisa ter algo a dizer, que não seja uma mensagem, odeio filmes com mensagens". O italiano denunciou os colegas de profissão ao revelar que todos os diretores mentem "com frequência" e pontuou que "eles fazem filmes para serem amados".
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"Minhas ideias não são fluidas como são em italiano", disse Simone ao final da entrevista. Leia na íntegra:
Rolling Stone Brasil: Qual a sua relação com Dario Argento e por que decidiu fazer um filme sobre ele?
Decidi fazer um filme sobre Dario Argento depois do meu filme Fulci for Fake, que também foi um documentário biográfico sobre outro diretor italiano de horror e thriller, Lucio Fulci. O filme teve estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 2019. Então, depois do sucesso comercial e crítico de Fulci for Fake, a produtora Giada Mazzoleni e eu nos perguntamos: "E agora?"
Tive a ideia de fazer um filme sobre Dario Argento porque ele, é claro, é mais conhecido ao redor do mundo do que Lucio Fulci. A diferença entre Fulci e Argento, para mim, é que Lucio Fulci é o diretor que eu mais amo, eu acho, enquanto Dario Argento é um grande diretor, mas não meu preferido. Precisei encará-lo de outro jeito. Outra diferença é que Lucio Fulci morreu em 1996, por isso, no meu filme sobre ele, você vê Fulci apenas em filmagens de arquivo, enquanto Dario Argento foi convencido a participar de Dario Argento Panico.
Foi necessário encontrar uma ideia, um conceito. Dario Argento Panico é um documentário comum devido a certos elementos. Há imagens de longas de Dario, dos bastidores dos filmes deles, de aparições na televisão italiana. Há novas entrevistas com parentes, colaboradores, com convidados especiais, como Del Toro, Noé... Esse é um jeito comum de fazer um documentário.
Por outro lado, há uma espécie de parte roteirizada, na qual Dario vai a um hotel para escrever seu novo filme, como ele fez diversas vezes no passado. Enquanto ele está no hotel, há uma equipe fazendo um filme sobre ele. Então, eu decidi tomar uma parte da lenda sobre a forma como Argento cria seus filmes. Argento está isolado em um hotel, e, então, eu decidi, nesse contexto, encontrar o verdadeiro Dario.
Voltando à sua pergunta, acho que decidi fazer um filme sobre Argento por ambição, porque Dario é um dos maiores diretores italianos, amado em todas as partes do mundo.
E, é claro, um filme sobre ele vende em todo lugar. Por outro lado, eu queria fazer algo que acredito que ninguém fez antes sobre Argento, tentando entender por que ele faz filmes. Então, acho que esse é o ponto inicial de Dario Argento Panico.
Rolling Stone Brasil: Como Argento reagiu à ideia do filme?
Tratando-se de Argento, foi muito fácil. A produtora e eu tivemos uma reunião com ele, eu expus minha ideia e, imediatamente, ele aceitou. Eu acho que, como Dario disse, eu provavelmente cheguei na hora certa para ele. Acho que, naquele período, ele queria que alguém fizesse um filme sobre ele. Então, foi muito fácil. Ele foi muito gentil, muito disponível durante a filmagem. Além disso, na parte no hotel, como eu disse, a parte roteirizada, ele interpreta si mesmo. Ele quis improvisar, ele quis encontrar os diálogos certos. Foi muito interessante e também um prazer trabalhar com ele.
Rolling Stone Brasil: Eu reparei que os homens que trabalharam com Argento admiram ele, enquanto as mulheres tiveram alguns problemas. Ele não falou com uma das filhas por dois anos apenas porque ela decidiu seguir seu próprio caminho, por exemplo. Também há o fato de que ele usou algumas histórias pessoais, que não lhe pertenciam, para fazer alguns filmes. Então, para mim, existe uma diferença clara entre a relação de Argento com homens e a com mulheres. Foi sua intenção trazer esse sentimento, ou foi algo que você descobriu ao longo do processo do filme? Você concorda com isso?
Quando você é diretor de thriller e horror — e talvez haja mulheres que são mortas nesses filmes —, é muito fácil questionar isso. Argento disse, frequentemente, em seus filmes, que mulheres são vítimas e, ao mesmo tempo, assassinas. São personagens positivas, heroínas, e também personagens do mal. Você tem muitos exemplos disso.
Acho que Argento, como ele diz no documentário, tem um instinto natural que o levou, desde seu primeiro filme, a ter mais interesse em personagens mulheres do que em personagens homens, retratando os dois e os levando para situações extremas.
Ele é um homem que ama mulheres, que as deseja. Então, cinema também é paixão, e eu acho que ele coloca a paixão, o amor dele pelas mulheres, em seus filmes.
Ele teve uma relação complicada no set de filmagens, tanto com atores, quanto com atrizes. Ele falou sobre a dificuldade que teve com Tony Musante, por exemplo. Em Dario Argento Panico, há um trecho em que Cristina Marsillach, a atriz principal de Terror na Ópera, lembra da experiência no set do filme. Ela lembra de trabalhar com Dario e diz muitas coisas bonitas sobre ele e sobre o fato de que ele foi frio com ela, porque queria que ela se sentisse a protagonista do longa. Mas, ao final do trecho, quando eu perguntei a ela "quem é Dario Argento para você", ela começou a chorar. Não sei. O que essa reação significa? Que Argento agiu de forma ruim com ela? Não. Significa que fazer um filme como Terror na Ópera foi muito difícil. Você tem que colocar algo íntimo sobre si mesmo em um filme como esse. Então, para ela, voltando para a Itália muitos anos depois das filmagens, lembrando esse período, foi algo muito emocionante para ela.
Acho que a relação entre Dario e seus atores e atrizes sempre foi boa. É claro que, para filmes de horror e thrillers, os atores talvez não sejam o elemento mais importante. Quando, no Oscar, um ator ou atriz interpretou um filme de terror?
Todos os atores e atrizes que trabalharam com Argento têm uma boa relação com ele.
Rolling Stone Brasil: Você está feliz com o resultado? Acha que faltou algo?
Estou feliz porque, como eu disse, é um documentário biográfico clássico, mas com uma clara originalidade. Quer dizer, você tem três capítulos em ordem cronológica, da infância de Argento ao grande sucesso em 1987 com Terror na Ópera. Depois, no último capítulo, você tem tipo uma mudança de ponto de vista: uma das duas filhas de Argento se torna a personagem principal do filme.
Como ela mesma diz, quando ela começou a fazer filmes com o pai dela, ela se tornou o pai dela na tela. Ela é como um doppelganger. Também no último capítulo, ela diz muitas coisas duras sobre o pai dela, sobre a relação deles, sobre o que significa serem pai e filha e o que significa ser o diretor de uma atriz que é sua filha. O fato de que, atrás das câmeras, ela interpretou momentos difíceis, sobre violência, sobre sexo, sexualidade, e teve a coragem de trazer isso à tona... Ela também falou da fragilidade de Dario Argento.
Então, eu estou satisfeito com Dario Argento Panico porque Dario fez muitas coisas, minidocumentários, participações, edições Blu-ray, mas são todos retratos que não se aprofundaram em Dario Argento como homem. Eles não tocam em elementos da vida dele. Nesse filme, eu toco em muitas coisas pessoais de Dario Argento: a relação dele com o pai, a relação dele com as mulheres de sua vida, a passagem do tempo...
No final do longa, você tem na tela uma espécie de mestre ancião cansado sentado na cadeira.
Associamos a imagem de Dario com as lutas da sua forma de dirigir nos anos 1970, nos anos 1980. A fúria primeiro de um jovem, depois de um homem que criou uma jornada verdadeiramente pessoal no mundo do horror e do thriller. Mas, agora, ele é um homem de 83 anos, com alguns problemas de saúde, que também está tentando fazer novos filmes. Ele continua encarando seus sonhos sombrios interiores, tentando colocá-los na tela.
É claro, ele é velho e talvez esteja cansado. Essa é a razão pela qual usei mais clipes de seus filmes, clipes dos bastidores: porque foi interessante, para mim, espelhar o que Argento era quando jovem e o que ele é agora.
Os filmes dele, eu acho, são imortais. Eles podem sobreviver ao tempo, à passagem do tempo. Um homem não pode. Um ser humano não pode.
Rolling Stone Brasil: Como você escolheu quem participaria do filme?
Primeiro de tudo, eu queria a família dele. Logo, as duas filhas dele, Fiore e Asia, e a irmã dele, Floriana, que nunca tinha dado uma entrevista, bem como a esposa dele, Marisa. Isso porque elas poderiam me dizer muitas coisas sobre Dario fora do set, fora do mundo dos filmes.
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Depois, quis alguns dos colaboradores dele, como os assistentes de direção Luigi Cozzi, Michele Soavi e Lamberto Bava... O compositor Claudio Simonetti, o roteirista Franco Ferrini, porque eles poderiam me dizer algo sobre como Dario faz filmes.
Quis ainda três convidados especiais, três diretores de gerações diferentes da do Argento, que poderiam me dizer por que foram influenciados pelos filmes de Dario e por que os filmes dele são tão importantes.
Não queria ter muitos entrevistados, apenas uma dúzia, porque, fazendo essa escolha, eu poderia focar em cada um deles. Eles meio que se tornaram personagens. Por exemplo, eu já disse, Cristina Marsillach, que é a única atriz que eu entrevistei, em uma espécie de curta dentro de Dario Argento Panico... Você a vê apenas em seis ou sete minutos sobre Terror na Ópera. As outras pessoas estão no começo, no meio e no fim, enquanto ela está apenas em certo ponto — ela tem um filme dentro do filme. Acho que essa parte é o trecho mais forte do filme.
Rolling Stone Brasil: Você acha que agora pode dizer quem é Dario Argento?
Não, e esse não era meu objetivo, porque é impossível. Como Dario disse em Veneza, durante a coletiva de imprensa, ele me deixou tentar encontrá-lo. Acho que o que eu encontrei é o homem por trás do diretor. Com todas as verdades e as mentiras que um homem, especialmente um diretor, disse em sua vida.
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Federico Fellini é o diretor italiano mais famoso. Ele foi um ídolo para Dario Argento. Fellini se chamava de mentiroso. Acho que todo homem, todo ser humano, conta muitas mentiras, mas especialmente um diretor. Nós, diretores, mentimos com frequência. Por razões de trabalho e também em nossa vida pessoal. Mas eu estava tentando fazer Argento longe da imagem lendária que ele mesmo criou: o homem que luta contra seus pesadelos; o homem que, durante a noite, teve um sonho e transformou esse sonho no ponto de partida de um filme; o homem que falou com o mágico que lhe disse para colocar animais no título de seus filmes... Sabe, todas essas coisas que é o romance da vida dele. E eu queria encontrar o real motivo pelo qual ele faz filmes. Eu acho que é uma razão banal, porque ele queria ser amado, porque ele queria ser famoso, porque acho que ele tem esse demônio dentro dele, essa paixão dentro dele, dentro de um homem bem tímido que, no cinema, torna-se algo furioso.
Acho que a razão pela qual todos os diretores fazem filmes é para serem amados. Claro, também para fazer dinheiro, mas acho que o mais importante é ser amado.
Rolling Stone Brasil: Como se sente participando do Cinefantasy?
É um grande prazer. Estou muito feliz porque, quando você faz um filme, você deseja que ele viaje o mundo. Acho que o Cinefantasy é realmente muito interessante para Dario Argento Panico e eu fico muito feliz por isso.
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Rolling Stone Brasil: Você gosta de cinema brasileiro?
Aqui na Itália, cinema brasileiro não é muito divulgado. Amo Glauber Rocha, vi filmes do Walter Salles, vi Tropa de Elite... Mas, infelizmente, na Itália, não é tão fácil assistir cinema brasileiro.
Rolling Stone Brasil: Há alguns dias, falei com Flávio Ermírio, o diretor de A Casa da Árvore, e perguntei se ele gostaria de te fazer alguma pergunta. Ele perguntou: "Já que você estudou um dos mestres do cinema, você tem algum conselho para um novo filme? Quais habilidades e ferramentas são necessárias para fazer um filme?"
Acho que, primeiro de tudo, você precisa ter algo a dizer, que não seja uma mensagem — odeio filmes com mensagens. Precisa sentir que fazer esse filme é a coisa mais importante para você. E eu acho que você precisa ser sincero consigo mesmo. Faça o que quer fazer. Seja sincero com o público e ele te entenderá.
O que Dario Argento ensina com seus filmes? Eu acho que ele encontrou a maneira de elevar o horror. Diretores como Dario Argento elevam o cinema para o máximo da arte. Se você pegar filmes como Suspiria e Prelúdio Para Matar, eles são um apanhado de ideias que vêm de pinturas, música, de todas as formas de arte. Então, você precisa conhecer todos os tipos de arte, não apenas a sua, que é o cinema.
Você precisa colocar tudo de si no seu filme e precisa ouvir os outros, seus colaboradores. Um filme não é algo que você faz sozinho. Você precisa decidir quais são os conselhos bons e os conselhos inúteis. Mas o mais importante é o que eu disse: você precisa colocar tudo de si no seu filme.