CRÍTICA

‘Hot Milk’ se perde em trama que não acompanha a força de suas personagens

Na novidade, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 3 de julho, mãe e filha embarcam em uma jornada até a costa espanhola em busca de cura e libertação

Angelo Cordeiro (@angelocordeirosilva)

'Hot Milk' se perde em trama que não acompanha a força de suas personagens
'Hot Milk' se perde em trama que não acompanha a força de suas personagens - Divulgação/O2 Play

Conhecida por roteiros que exploram com sensibilidade e complexidade o universo feminino — como Ida (2013), Desobediência (2017), Colette (2018) e Ela Disse (2022) —, Rebecca Lenkiewicz estreia na direção de longas-metragens com Hot Milk. A adaptação do romance de Deborah Levy propõe uma narrativa simbólica, solar e inquieta, em que duas mulheres buscam, em uma cidade litorânea espanhola, cura e libertação. Lenkiewicz continua fiel aos temas que marcaram sua carreira como roteirista, mas ao assumir também a direção, entrega um filme em que as ideias e personagens são mais interessantes que a história que as conduz.

No centro da trama estão Rose (Fiona Shaw, Andor), uma mulher misteriosamente doente e presa a uma cadeira de rodas, e sua filha Sofia (Emma Mackey, Sex Education), que passou a vida como cuidadora. As duas viajam até Almería para consultar um médico excêntrico com métodos nada convencionais. Enquanto Rose mergulha na promessa de cura, Sofia é atravessada pelo calor, pela sensualidade do verão e pela presença instigante de Ingrid (Vicky Krieps, Trama Fantasma), uma viajante que a faz repensar sua própria existência. O cenário parece suspenso no tempo, o que favorece a atmosfera fabular pretendida pela diretora.

Lenkiewicz constrói um filme mais pautado por símbolos do que por ações. A cadeira de rodas da mãe representa a prisão emocional, o mar é liberdade, e o corpo feminino é território de conflito e desejo. Tudo isso está posto, mas raramente desenvolvido de maneira orgânica. Hot Milk quer discutir temas como dependência, desejo, repressão e o peso das expectativas maternas, mas acaba abordando tudo de forma difusa. A narrativa é vaga, e embora haja momentos de beleza visual e intensidade emocional, o roteiro não oferece estrutura suficiente para que esses elementos ganhem força dramática real.

É nesse ponto que o filme revela seu maior problema: ele tem personagens fortes, com potencial para carregar tramas densas, mas a direção prefere manter tudo no nível da sugestão. O ritmo é lento — e não no sentido contemplativo, mas de maneira que gera desconexão. Em certos momentos, parece que é o espectador que precisa construir sozinho o que o filme hesita em dizer. Mesmo o final catártico, chega mais como um alívio do que como um clímax bem trabalhado.

Em suma, Hot Milk é uma obra cheia de intenções e imagens poderosas, mas que nunca se resolve completamente. A direção aposta na metáfora como motor narrativo, mas esquece que símbolos só funcionam quando têm algo sólido ao seu redor. O resultado é um filme onde as personagens, ricas, complexas, intrigantes, acabam vagando por uma história que não as acompanha. Fica a sensação de que havia um bom drama ali, mas que evaporou no calor do verão espanhol.

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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
TAGS: crítica, Emma Mackey, Fiona Shaw, Hot Milk, MUBI, Rebecca Lenkiewicz, Vicky Krieps