A Lenda de Candyman apela para clichê e perde potencial de Jordan Peele - mas te faz roer as unhas [REVIEW]

Se espera algo como Corra! ou Nós, filmes pelo quais Jordan Peele ficou conhecido, A Lenda de Candyman não é o mais indicado - está mais para O Chamado com um apelo social

Yolanda Reis

Publicado em 29/08/2021, às 09h00
Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) é protagonista de Candyman (Foto: Divulgação / Universal)
Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) é protagonista de Candyman (Foto: Divulgação / Universal)

Tenho uma história de terror para contar. Mas, antes, precisa vivê-la. Vá até um espelho, olhe fundo nos próprios olhos, e diga o nome deste monstro. Repita algumas vezes. Você acabou de invocar a Loira do Banheiro. Ou Bloody Mary. Possivelmente, Betelgeuse. Existe mais alguém que não gosta de ouvir o próprio nome, e sua história voltou a ser contada: Candyman.

O longa de terror A Lenda de Candyman chegou aos cinemas em 26 de agosto. É um revival da história de 1992, na qual a pesquisadora Helen Lyle (Virginia Madsen) descobre o espírito raivoso de um ex-escravo, espancado e assassinado por se envolver com uma garota branca. Passaram mel  no corpo dele, e deixaram para as abelhas picarem. Depois de quase 30 anos, Candyman parece ter voltado por meio do artista plástico Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II), quem redescobre a história e a leva para uma exposição de arte - e os assassinatos pelos espelhos recomeçam.

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A grande questão é… Soa como uma história conhecida. Com o perdão da temática-comum de invocação no espelho (herança de 1992), A Lenda de Candyman não se preocupa em inovar. E nem em te dar medo - só assustar. O longa apela para a aflição e faz você querer olhar para longe com cenas batidas: insetos, cacos de vidro fincados na pele, feridas purulentas sendo cutucadas e banhos de sangue. Funcionam para causar tensão? Sim. Mas… Cansam. 

O clichê soa estranho em 2021. Nos últimos cinco anos, por aí, o cinema de terror passou por uma revolução. Dos anos 1980 até os 2000, nos acostumamos com “jump scares”, sangue espirrando, gritos e monstros feiosos. Mas isso deu espaço a histórias bem desenvolvidas, trouxe o medo para mais perto da realidade e embalou em narrativas de arrepiar, mas não de assustar.

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Nesse cenário, surgiu Jordan Peele. Dirigiu dois filmes: Corra! (2017) e Nós (2019). Ambos juntam críticas sociais e ao racismo com o terror-sem-sustos. Em A Lenda de Candyman, Peele foi produtor e roteirista. Mas, no lugar de levar o suspense típico para o longa, a diretora Nia Da Costa (The Marvels) escolheu o lado oposto e muitas vezes gráfico. O resultado ficou esquisito, pois junta alguns dos melhores elementos das produções dele com escolhas de gosto duvidoso.

A narrativa mais explícita também limita o potencial dos atores. O casal protagonista, Anthony McCoy -  artista plástico vivido por Yahya Abdul-Mateen II (Nós) - e Brianna Cartwright -curadorista de arte interpretada por Teyonah Parris (WandaVision) - são um elenco exemplar, como mostram os trabalhos anteriores. Mas suas expressões acabam presas nos artifícios de apelo ao horror. Eles conseguiriam transmitir dor e medo para quem assiste, mas os monstros os cortam e fazem isso por eles. Colman Domingo, astro de A Voz Suprema do Blues, tem também o potencial de ser uma figura narrativa importante na trama, e uma adição incrível à atuação, mas acaba preso em uma lavanderia fazendo o papel substituível de “mentor”, a pessoa quem apresenta a lenda.

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O filme fica com gostinho de comercial. Não é necessariamente algo ruim. Mas, no terror, é um pouco retrocesso, pois a temática menos apelativa não é sinônimo de não vender bem: em 2019, três dos 10 filmes de terror com maior bilheteria não eram de jump scare. (O próprio Nós, de Jordan Peele, teve a melhor estreia de terror da história). Os outros colocados da lista eram, e maioria, filmes de franquias (Anabelle) ou revivals (Cemitério Maldito, O Boneco Assassino). Sendo tudo isso, A Lenda de Candymantinha espaço para seguir por outro caminho, mas preferiu não arriscar. Pena.

A equipe diversa - e o antirracismo de Jordan Peele

Entre os muitos avanços sociais da última década, estão a reivindicação das minorias em frequentar lugares teoricamente comuns, mas nos quais não são bem vindos. Um desses lugares são os sets de cinema. Quando pensamos em questões raciais, em 2019, apenas 27,6% dos protagonistas eram negros, e 94,5% dos diretores eram brancos. Alguns profissionais, porém, trabalham em mudar o cenário. Como a equipe de Candyman, formada majoritariamente por pessoas negras.

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Existe um grupo de pessoas que, há alguns anos, trabalha entre si e estimula a inserção das discussões sobre racismo. Em Candyman, os figurões desta agenda estão lá: Nia Da Costa é a diretora. A cineasta também foi responsável por Little Woods, e trabalha em The  Marvels - nascida em 1989, é a diretora mais nova do MCU.

Ela também participou do screenplay. Os outros roteiristas foram Jordan Peele e Win Rosenfeld, presidente da Monkeypaw (produtora de Peele) e parceiro de longa data do diretor de Corra!.Os dois homens, além de roteiro, participaram da produção - com Ines Rose (Them) e Ian Cooper, também da Monkeypaw.

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A verdade é: a influência de Peele & amigos fica evidente. No desenrolar do filme, é bastante estética. Claramente, Da Costa flerta com as ideias de direção de Peele, e as cenas de diálogo e descobrimentos são a cara do que vimos dele antes.

Mas o que confunde é a crítica ao racismo. No desenrolar do filme, ela existe - mas é sutil. Majoritariamente, fala-se sobre gentrificação dos brancos nos bairros do pobre (quando locais periféricos são substituídos por construções mais “ricas). Aqui e ali, um toque sobre violência policial. Soa como se quisessem abordar o assunto, mas não quisessem dar destaque. O assunto é preterido pelo terror - e isso é a diferença entre isto e Corra!, por exemplo, pois este apresenta um perfeito equilíbrio de duas ideias.

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No final, porém, há margem para analisar tudo como uma preparação sem spoilers para a melhor parte do filme: os créditos. Estes, sim, são puramente críticos. Mostram a violência sistêmica, repetitiva, geracional e constante contra homens negros. É quase como se Peele abraçasse, nos créditos, toda a indignação que queria - mas não teve. Esta cena é arrepiante, mas não preenche o desequilíbrio do filme.