ENTREVISTA

Documentário sobre Milton Nascimento é tentativa de 'explicar o inexplicável'

À Rolling Stone Brasil, diretores do filme, que estreou nesta quinta-feira, 20, nos cinemas brasileiros, relembraram a turnê de despedida do artista

Por Rodrigo Tammaro

Publicado em 20/03/2025, às 17h24
Milton Nascimento (Foto: Divulgação)
Milton Nascimento (Foto: Divulgação)

Milton Nascimento aparece tão imortal quanto humano em Milton Bituca Nascimento, documentário que acompanha os bastidores da turnê de despedida do cantor. Dirigido por Flavia Moraes com direção musical de Victor Pozas, o filme estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20.

Na produção, o público pode observar a intimidade de Bituca e seguir o artista nos shows pela Europa, Estados Unidos e Brasil. Enquanto isso, relatos de nomes como Spike Lee, Caetano Veloso, Pat Metheny e Gilberto Gil ajudam a explicar o que ele representa para a música brasileira e mundial.

Em conversa com a Rolling Stone Brasil, os diretores contam como o filme nasceu, as surpresas que encontraram pelo caminho, e explicam porque um filme sobre Milton Nascimento é uma tentativa de “explicar o inexplicável”.

Na estrada com Bituca

Antes de documentário ou homenagem, Milton Bituca Nascimento é um road movie. “A gente acompanha ele, observa o Milton e leva o público para viajar com ele, fazer parte do backstage, da intimidade, das dificuldades e da sua emocionante trajetória”, explica Flavia.

Não estávamos só produzindo um documentário. Tinha um show acontecendo e as pessoas estavam lá para isso. É uma produção corpo a corpo, no meio do público. Por isso o filme tem essa característica de road movie. É quase que um filme roubado. A gente é quase como um penetra na festa” — Flavia Moraes

Sem um planejamento muito restrito, a produção foi amadurecendo com a turnê. Com apenas uma câmera no início, mais equipamentos ficaram disponíveis à medida que a equipe percebia que realmente tinha um grande filme nas mãos. Renunciar de um roteiro também deu aos diretores a oportunidade de encarar algumas surpresas. Uma das mais marcantes aconteceu em Nova York.

“Eu estava fazendo uma entrevista no backstage e ouvi alguém no camarim perguntando: ‘Quem é esse cara de boné, óculos escuro e cachecol, ajoelhado, beijando a mão do Milton?’ Então eu disse: ‘Grava e depois a gente descobre”, conta Flavia ainda surpresa com a história. O homem era ninguém mais ninguém menos que Steve Jordan, baterista dos Rolling Stones

Com narração de Fernanda Montenegro e relatos de nomes como Quincy Jones, Caetano Veloso e Gilberto Gil — só para citar alguns exemplos — o filme ajuda a dar a dimensão do que Milton Nascimento representa para a música no Brasil e no mundo.

A gente ficou muito surpreso com a força do Milton lá fora, como ele move as pessoas, como é importante, principalmente para os músicos. Ele é uma referência. Nós já sabíamos disso, mas nos surpreendemos com a intensidade. É diferente acompanhar isso de perto” — Flavia Moraes

Ninguém diz ‘não’ para o Bituca

O filme nasceu de outra ideia. Victor Pozas trabalhava na trilha sonora de uma novela nos estúdios Abbey Road, em Londres, e conversou com o filho do cantor e consultor artístico do documentário, Augusto Nascimento, sobre um projeto em que Milton cantaria música dos Beatles. Com a pandemia de Covid-19, a iniciativa acabou em segundo plano.

Bastidores do filme Milton Bituca Nascimento (Foto: Marcos Hermes)
Bastidores do filme Milton Bituca Nascimento (Foto: Marcos Hermes)

Algum tempo depois, Victor e Augusto se reencontraram já com a turnê de despedida no horizonte. “Eu falei para ele: ‘Pô, cara, o documentário, o nosso filme que a gente quer fazer tem que ser sobre a turnê’”, lembra o diretor musical.  Com o reforço de Flavia, com quem Victor já havia trabalhado antes, o filme se tornou quase uma obrigação.

A gente foi meio que compelido. Ninguém diz ‘não’ para o Bituca. Ou a gente, fazia, ou a gente fazia. Não tinha muita escolha” — Victor Pozas

Como explicar o inexplicável?

Com cerca de 40 álbuns e mais de 400 músicas lançadas ao longo de seis décadas de carreira, selecionar a obra de Milton Nascimento para traduzir sua trajetória foi uma tarefa complexa. 

“É muito, muito difícil fazer esse recorte musical numa carreira tão vasta e tão rica. Mas o próprio filme vai te pedindo algumas coisas. Conforme as histórias vão acontecendo, elas pedem músicas específicas.”, explica Victor antes de brincar que não é maluco para compor músicas para um filme sobre Bituca. "O trabalho musical é muito delicado, ele é feito com uma orquestra que vai organizando a narrativa do filme e servindo como uma espécie de cama, berço para os fonogramas originais. Mas de novo, a gente volta para a ideia original, que é seguir o Milton, e de certa forma as histórias apareciam com a convivência com ele", completa Flavia, denunciando a modéstia do parceiro.

Os diretores também destacam a liberdade que o artista deu durante a produção do filme. Milton Nascimento não exigiu nem limitou. Ele viu o resultado pronto — e se emocionou durante a pré-estreia (via Agência Brasil).

Meu sentimento em relação ao filme é de muita felicidade, principalmente quando penso nos tantos amigos preciosos que a vida me deu e que estão ali presentes. Sou grato por todo o carinho e amor que recebo de tanta gente. Durante toda a minha trajetória, fui guiado pelas amizades e pela música e isso é o que realmente importa na minha vida” — Milton Nascimento.
Flavia Moraes e Milton Nascimento (Foto: Marcos Hermes)
Flavia Moraes e Milton Nascimento (Foto: Marcos Hermes)

Ter a oportunidade e a liberdade de acompanhar o cantor tão de perto é um privilégio difícil de colocar em palavras, assim como definir o que Bituca representa.

A gente evita, na verdade, criar qualquer teoria ou qualquer definição para ele, até porque o filme se trata disso. É uma tentativa de explicar o inexplicável" — Flavia Moraes

Imortalidade

Ao final do filme, a conclusão que fica é a de que um artista como Milton Nascimento não tem fim. Essa consciência deu origem ao álbum ReNASCIMENTO, uma expansão ao documentário idealizada e produzida por Victor Pozas.

O álbum traz 12 músicas de Bituca regravadas por artistas da nova geração. Sandye Mateus Assato fazem "Travessia". Liniker canta “Encontros e despedidas”; Os Garotin canta “Bola de meia, bola de gude”, enquanto um trio formado por Tim Bernardes, Zé Ibarra e Dora Morelenbaum interpreta “Ânima”.

ReNASCIMENTO traz também Johnny Hooker e Kell Smith, a cantora portuguesa Maro e o duo Outro Eu. Completam o elenco do álbum Agnes Nunes, Analu Sampaio, Clarissa, Lucas Mamede e Tuca Oliveira, além de uma participação da Tallinn Studio Orchestra, da Estônia. 

Milton Bituca Nascimento está em cartaz nos principais cinemas do Brasil. A viagem ao lado de Milton Nascimento tem pouco mais de duras horas de duração.

Fazer um filme sobre o Bituca obrigatoriamente é fazer um filme sobre o Brasil. E ele passa a ser o artista que melhor traduz o Brasil para o mundo" — Flavia Moraes

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