Roteiristas criticam vitória de 'Oppenheimer' no Oscar: 'Baboseira excessivamente longa'
Claudia Campolina, Veronica Debom, Thais Falcão e Gautier Lee destacaram outros longa-metragens que concorriam a prêmios na cerimônia
Redação
Publicado em 12/03/2024, às 19h01Oppenheimer foi o grande vencedor do Oscar na noite do último domingo, 10. O filme dirigido por Christopher Nolan e protagonizado por Cillian Murphy levou sete das 13 estatuetas que poderia garantir. Embora esperado, o resultado não agradou o público de forma unânime. As roteiristas Claudia Campolina, Veronica Debom, Thais Falcão e Gautier Lee opinaram sobre o tema e deram destaque para Anatomia de uma Queda e Ficção Americana. Confira:
Claudia Campolina
Claudia Campolina é atriz, roteirista e criadora de conteúdo. Seus últimos trabalhos foram os longas Uma Advogada Brilhante, comédia que será lançada neste ano, e Excursão Artística Villa-Lobos, ainda em fase de filmagens. Ela fez algumas participações em novelas, atuou na série Politicamente Incorreto e nos filmes Dedico Essa Obra a Você, Alice e A Pedra da Serpente. Campolina também está adaptando para o cinema sua web série Mundo Invertido.
Logo que Oppenheimer foi coroado com o Oscar de Melhor Filme, eu postei um story dizendo que a gente assiste ao Oscar já sabendo que vai se irritar com a previsibilidade de uma Academia que parece se atualizar só para tentar sair bonita na foto.
Um bom filme, mas…
Anatomia de uma Queda, da brilhante Justine Triet, é um dos roteiros mais geniais dos últimos tempos, o filme não fica para trás. Pobres Criaturas é uma viagem fantástica sobre autoconhecimento e descoberta dos desejos, do horror, dos aprisionamentos, com figurinos de tirar o fôlego. Zona de Interesse é uma pancada bem sonora aos nossos ouvidos que entendem que somos capazes de deixar de ver o mais absoluto horror, mesmo quando ele é nosso vizinho. Barbie é uma vitória e tanto de Greta Gerwig, que conseguiu incluir uma mensagem subversiva num filme de produto, com as muitas e sabidas limitações.
2023 foi um ano de grandes grandes filmes e de grandes atuações, principalmente, femininas que, ao contrário da premiação, foram conquistadas em função da complexidade e não obviedade dos papéis. Sarah Hüller e a profundidade emocional de suas atuações, Carey Mulligan e a trajetória da solar menina para a melancólica senhora, Emma Stone e a fisicalidade visceral de sua Bella, Lily Gladstone e seu olhar de quem tudo sente porque vê bem mais do que nós, Annette Bening numa atuação que não acho das melhores de sua carreira, mas que se jogou no mar, aos 64 anos, para contar uma história que todas as mulheres deveriam conhecer.
Acho que essa é a maior vitória que temos.
A Academia pode até seguir dando lentos passos em direção a desconstrução dos preconceitos, principalmente, do machismo, o mais antigo deles, mas ficará cada vez mais difícil colocar mulheres tão competentes, na frente ou por trás das câmeras, e personagens femininas tão potentes, como escadas dos eternos vencedores... Just men.
Veronica Debom
Veronica Debom é atriz e roteirista com passagens pelas emissoras Globo e Record, além de uma dramaturga de sucesso. Despontou na cena teatral carioca com a peça O Abacaxi — que, em 2022, virou um livro homônimo — e foi indicada ao Emmy pela produção Diário de um Confinado, da Globo. Foi a primeira roteirista a adentrar o filme Minha Irmã e Eu, protagonizado por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, no qual também participa como atriz.
Fiquei muito feliz de Ficção Americana ter ganhado o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Não só por ser merecidíssimo, mas também porque dá um encerramento muito bom para um filme que discute finais em aberto.
No fim do filme vemos o ator recebendo um prêmio da mão de brancos mais racistas do que eles próprios gostariam de supor. No Oscar, uma cena parecida: o roteirista recebendo um prêmio das mãos de brancos que entregaram aquela estatueta a menos de 50 negros ao longo das suas 96 edições. A diferença é que o Oscar, ao contrário do livro premiado na ficção, é merecidíssimo. E celebradíssimo. Justiça foi feita nessa categoria. De toda forma, achei que, com o humor fino de Cord Jefferson, ele deve ter dado um risinho de canto de boca.
A metalinguagem que existe em um filme sobre um filme baseado em um livro que é baseado em um livro forma uma matrioska deliciosa. Não entendeu nada? Então assiste que vale muito a pena. O filme é crítico e mais do que irônico, ele é sarcástico. Um humor delicioso que me fez gargalhar alto algumas vezes. A piada do publicitário me fez perder as sequências posteriores porque demorei um tempo para conseguir parar de rir.
Na minha opinião, foi uma das poucas categorias nessa edição onde o prêmio foi acertado. Fiz até um poema cômico sobre como o Oscar é coxinha, mainstream (na pior das interpretações), branco e masculino. É um respiro alegre quando a academia abre — ainda que sôfrega e à sua mimada revelia — um pequeno espaço para diversidade. Essa alegria se estende ao filme de Justine Triet, Anatomia de uma Queda, ganhando Melhor Roteiro Original também.
Fazem porque é importante. "Necessário"; para usar uma palavra amplamente usada pelos personagens brancos do roteiro vencedor. Necessário, eu acrescento, principalmente para quem quer continuar mantendo a ficção americana de que o Oscar é o mais importante prêmio do cinema mundial. Os homens brancos que fizeram da baboseira excessivamente longa de Oppenheimer o grande vencedor da noite acertam nas categorias de texto. E mesmo assim não escaparam da piada.
O roteiro de Cord Jefferson é tão sagaz que até na festa ele brinca com sua matrioska cômica que ri dos americanos e de nós também, já que imperialismo posto, nossa cultura é quase uma cópia da deles. Bom para refletir, para rir, para deprimir um pouco também… Ficção Americana nos dá uma chamada de realidade expondo a indústria cultural de um jeito que a gente toma a porrada rindo. Amém para isso. Oscar neles.
Thais Falcão
Thais Falcão é uma roteirista com trabalhos feitos para Netflix, Globoplay e HBO Max, como Senna e Além da Ilha, que foi a primeira série produzida pela Globoplay e protagonizada por Paulo Gustavo. Também tem experiência trabalhando no roteiro de reality shows como Power Couple, Drag Me As A Queen e De Férias com o Ex.
As indicações ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado deste ano foram, no mínimo, diversas. Dos blockbusters Barbie e Oppenheimer, passando pelo sui generis Pobres Criaturas, o impecável Zona de Interesse e o necessário Ficção Americana. Essa, na minha opinião, foi a categoria que sintetizou o motivo pelo qual saímos do conforto do lar para passar duas horas em uma sala escura com um monte de desconhecidos, o prazer de assistir boas histórias. Independentemente do orçamento.
Achei justíssima a vitória de Ficção Americana. O filme escrito e dirigido por Cord Jefferson é uma adaptação do livro Erasure, de Percival Everett. Não são raras as vezes em que a alma do livro não cabe nas telas do cinema. Essa é a maior dificuldade de toda adaptação: conseguir transpor a magia de uma mídia para a outra sem perder a história e a essência.
O tema da narrativa é denso, não é fácil falar sobre identidade. E Everett fez isso com maestria, fugindo do lugar-comum do sofrimento e adicionando pitadas certeiras de um humor elaborado, quase uma piada interna com o leitor. Cord Jefferson teve a sensibilidade de sacar tudo isso quando leu o livro e a sagacidade de adaptar a história para esse momento em que o politicamente correto se transformou numa ferramenta do capitalismo.
Esse é o primeiro trabalho de Jefferson como diretor. Ao aceitar a estatueta, Jefferson implorou para que a indústria se arrisque mais. E eu não poderia concordar mais. Anatomia de uma Queda levou a estatueta de Melhor Roteiro Original em uma categoria que, na minha opinião, não empolgou com seus indicados. Justamente por isso, nenhum outro ali tinha chances frente ao excelente longa de Justine Triet, que também assina o roteiro ao lado de Arthur Harari. O roteiro em si é impecável. Dá check em todas as caixinhas do que um bom thriller dramático precisa ter e faz isso com um frescor necessário para um gênero que estava desgastado.
Gautier Lee
Gautier Lee é diretora e roteirista queer, negra, carioca e uma das fundadoras do Macumba Lab, um coletivo de profissionais do audiovisual negro no Rio Grande do Sul. Soma no currículo grandes projetos como as séries De Volta aos 15 (Netflix) e Auto Posto (Comedy Central), além de parcerias com Amazon e Globoplay. Gautier também levanta a bandeira em relação à luta de pessoas trans na sociedade, estando como diretora do documentário Pajubá, seu primeiro longa-metragem, em que retrata experiências de pessoas trans das cinco regiões do Brasil. A roteirista também aborda temáticas do audiovisual e já apresentou um painel sobre cinema nacional no PerfifaCon em 2023.
Ficção Americana virou um dos meus filmes favoritos logo de cara. Lembro de ver o trailer e pensar: “caraca, isso é muito interessante”. Criei altas expectativas e confesso que tinha um certo receio do filme não estar à altura das expectativas que tinha criado. O que mais gostei em Ficção Americana é o fato de ser uma paródia, de ser uma crítica. E é uma crítica bem espinhosa, por assim dizer, em relação às pressões que escritores e criadores negros enfrentam. E gosto da ousadia que traz enquanto paródia sobre essa compulsão eterna da branquitude em tentar manter e recompensar também — que é um dos pontos do filme — os estereótipos negros porque isso ajuda a manter pessoas negras na marginalidade. Gosto também que o filme mostra como a arte de pessoas marginalizadas é vista, e como esse processo de julgamento e crítica da arte faz com que pessoas marginalizadas e seus trabalhos continuem sendo marginalizados, no sentido de sempre serem colocados como “o outro”. O exótico, o diferente. Acredito que o filme toca nisso de uma forma muito inteligente.