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Cinema / CRÍTICA

Sem a ousadia do original, Não Fale o Mal convence pela tensão

Novidade, estrelada por James McAvoy (Fragmentado), é uma nova versão do dinamarquês Gæsterne, de 2022, também conhecido como Speak No Evil

Angelo Cordeiro (@angelocinefilo)
por Angelo Cordeiro (@angelocinefilo)
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Publicado em 13/09/2024, às 10h00 - Atualizado às 11h00

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Sem a ousadia do original, Não Fale o Mal convence pela tensão; leia a crítica - Divulgação/Universal Pictures
Sem a ousadia do original, Não Fale o Mal convence pela tensão; leia a crítica - Divulgação/Universal Pictures

Desde o início dos anos 2000, Hollywood sofre de uma doença que parece não ter cura: uma crise de criatividade que leva os estúdios a lançarem uma onda de remakes, reboots e continuações a todo momento.

Muitas dessas produções acontecem devido à “barreira” da linguagem, destacada pelo cineasta sul-coreano Bong Joon-ho em seu discurso de agradecimento pelo prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira dado a Parasita no Globo de Ouro de 2020. Na ocasião, o diretor pediu para as pessoas superarem o drama com as legendas, pois só assim seriam introduzidas a tantos outros filmes incríveis.

Nos últimos anos, essa onda de remakes hollywoodianos, muitos deles lançados em virtude do sucesso de produções europeias, rendeu filmes como O Culpado (2021), versão americana do dinamarquês Culpa (2018); e Amigos Para Sempre (2017), que adapta a comédia dramática francesa Intocáveis (2011). Nem mesmo o sucesso sul-coreano Oldboy (2003) escapou e ter Spike Lee na direção não salvou o remake de 2013 de ser desastroso.

A lista poderia ser muito mais longa, mas paramos, por enquanto, no dinamarquês Gæsterne, também conhecido como Speak No Evil, que teve boa repecussão quando foi lançado em 2022 — sim, há apenas dois anos, o que levou muitos a "torcerem o nariz" para uma versão americana tão cedo.

O tom do longa europeu é bastante particular e tem uma grande virtude: o final é bastante corajoso. No entanto, como nada no mundo é unanimidade, nem todos compram a ideia do permissivo casal dinamarquês, que vai passar um final de semana em um paraíso idílico, mas as férias dos sonhos se transformam em uma luta por sobrevivência. Aproveitando-se dessa "brecha", temos agora a versão norte-americana, que já está em cartaz nos cinemas brasileiros, com uma proposta mais acertada.

Em Não Fale o Mal, o casal norte-americano Ben (Scoot McNairy, Um Lugar Silencioso: Parte II) e Louise (Mackenzie Davis, Os Órfãos), junto da filha Agnes (Alix West Lefler, O Enfermeiro da Noite), faz amizade com uma gentil e charmosa família britânica durante suas férias e são convidados para passar o fim de semana em sua isolada casa de campo.

No entanto, o que começa como uma viagem para guardar nos livros de recordações logo se transforma em um assustador e paralisante pesadelo psicológico, em que gentileza e desconforto andam de mãos dadas.

A princípio, a premissa parece a mesma do original dinamarquês, mas não demora para que o diretor e roteirista James Watkins (A Mulher de Preto) dê as cartas de uma trama que investe muito mais na tensão do que acontece no longa de 2022.

Se no original a família dinamarquesa é muito mais passiva diante dos holandeses, na versão hollywoodiana — que abre mão desse conflito de nacionalidades — os visitantes passam a estranhar a hospitalidade de Paddy, interpretado por um convincente e fisicamente imponente James McAvoy (Fragmentado), que vem acompanhada de certos comportamentos abusivos.

Ainda, a novidade não espera que o espectador aceite muitas das decisões sem uma justifica plausível. Por exemplo, na cena em que os convidados conseguem deixar a casa de campo, desconfiados da hospitalidade dos anfitriões, mas decidem voltar porque o bicho de pelúcia da filha foi deixado para trás, selando o seu destino permanentemente. Em Não Fale o Mal, a pelúcia ganha importância para Agnes, justificando o retorno para buscá-la.

Parece que Watkins, ao escrever o roteiro, fez questão de acenar para o original e mostrar que certas situações poderiam ser muito mais verossímeis se contextualizadas de melhor forma. Afinal, o instinto de sobrevivência é humano e parece ser alheio aos protagonistas de Gæsterne.

Outra grande força de Não Fale o Mal está na forma com que os personagens de McNairy e Davis são apresentados e reagem às manipulações do casal Paddy e Ciara (Aisling Franciosi, A Última Viagem de Demeter).

Com uma crise no casamento, que não demora a ser escancarada, Ben e Louise lutam para não parecerem ingratos diante das gentilezas dos anfitriões. Mas até que ponto estarão dispostos a manter as aparências em nome de uma convivência saudável? Logo, o desconforto fica explícito na tela, com a ajuda da atuação da dupla de atores.

Enquanto o filme original tinha uma preocupação maior em explorar a polidez dessas convenções sociais — ainda mais impulsionadas pelas diferenças culturais entre dinamarqueses e holandeses —, no remake, as circunstâncias se voltam mais para tensão e o conflito de Ben e Louise dentro de seu casamento.

A forma como as crianças estão inseridas na trama também é um ponto positivo. A participação delas, principalmente a de Ant (Dan Hough), filho do casal britânico, é crucial para a solução do mistério por trás dos anfitriões, algo que, no original, é feito de forma quase banal, que faz pouco ou nenhum sentido.

É justamente por não pretender ser apenas um “copia e cola” de Gæsterne que Não Fale o Mal justifica a sua existência. Independente do que você achar quando assistir ao filme, ou o que pensa do original, essas são duas obras que possuem propostas diferentes, o que por si só já é interessante.

No europeu, cria-se um afastamento do público diante das situações. Nos tornamos meros observadores, procurando entender até que ponto as pessoas são capazes de permanecer passivas e agradecidas mesmo diante dos cenários mais desconfortáveis. 

No entanto, na fita hollywoodiana, o caminho é pavimentado pelo thriller psicológico a fim de valorizar seu clímax, que vem muito mais investido em um confronto físico — típico desse tipo de cinema —, bem mais explícito e literal.

Por fim, uma ressalva: se por um lado é empolgante acompanhar essa proposta da versão norte-americana — bem mais tensa e convincente, apesar de batida —, por outro lado, acaba sendo frustrante constatar que a ousadia da parte final de Gæsterne foi deixada de lado. Não dá para ter tudo, não é mesmo?

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