'The Island Between Tides' estreia na América Latina neste sábado, 10, em sessão no Festival Fantaspoa com a presença dos diretores Andrew Holmes e Austin Andrews
Andrew Holmes e Austin Andrews deram vida ao que consideram ser seu "primeiro grande projeto juntos". The Island Between Tides estreia na América Latina neste sábado, 13, durante a 20ª edição do Festival Fantaspoa. A mostra iniciada na última quarta-feira, 10, segue até 28 de abril com a exibição recorde de 237 filmes, em espaços culturais de Porto Alegre.
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Com um elenco encabeçado por Paloma Kwiatkowski, David Mazouz, Donal Logue e Camille Sullivan, The Island Between The Tides conta a história de Lily, uma jovem que segue uma misteriosa melodia até uma remota ilha de maré. Ao retornar na próxima maré baixa, ela emerge em uma realidade onde décadas se passaram. Enquanto o mundo ao seu redor se transformou, Lily permanece imutável, desencadeando uma série de eventos sobrenaturais que desafiam sua compreensão do tempo e da realidade.
O longa-metragem dos canadenses é baseado na peça Mary Rose, escrita pelo autor de Peter Pan, J. M. Barrie. A primeira montagem do espetáculo aconteceu em 1920, no Haymarket Theatre — e Alfred Hitchcock estava lá.
Ele ficou fascinado pela história e adquiriu os direitos dela em 1960. O famoso diretor de cinema planejava escalar Tippi Hedren, que protagonizou Os Pássaros (1963), para o papel principal, mas os estúdios Universal pensaram que uma narrativa sobre fantasmas não seria lucrativa o suficiente (via Deadline).
Durante seus últimos anos de vida, Hitchcock confessou ao seu biógrafo que um de seus maiores arrependimentos foi não ter levado Mary Rose às salas de cinema. Melanie Griffith, filha de Hedren, e seu então marido, Antonio Banderas, tornaram-se os novos detentores dos direitos da peça em 2000, mas o projeto também não saiu do papel. Isso só viria a se tornar realidade em 2024.
"Somos sortudos por termos trabalhado juntos em projetos muito legais. Austin é um vencedor do Emmy, editor de séries da Netflix... Fiz documentários dos quais me orgulho tremendamente", contou Andrew em entrevista à Rolling Stone Brasil.
"Austin e eu nos conhecemos há uma década, quando viajámos pelo mundo entrevistando cineastas famosos. Olhar para isso e poder levar esse trabalho para nossos próprios projetos... Foi a nossa maior conquista, estamos muito orgulhosos desse filme e esperamos que o público veja o trabalho duro por trás dele."
Holmes revelou que "nem sabia que essa peça existia" até Andrews sugerir que ela fosse a inspiração para um novo longa-metragem. Austin, por outro lado, leu a obra várias vezes: "Eu li na adolescência e fiquei com ela presa comigo de um jeito muito profundo".
Os dois diretores também trabalharam juntos em Lord Jones Is Dead (2016). "Uma das coisas bonitas de co-dirigir e co-escrever é que Austin e eu vemos o mundo de maneiras muito diferentes, mas também de uma forma singular. Então, comecei a olhar para a adaptação de uma maneira muito mais literal e tentar ver a matemática na história, como poderíamos fazer isso parecer plausível", destacou Andrew.
Agora, a dupla está tentando "descobrir o que colocar nas malas, onde comer e quais filmes do Festival Fantaspoa" irão assistir amanhã. Eles conversarão com o público que comparecer à sessão de The Island Between Tides, marcada para as 18h15 na Cinemateca Capitólio, como parte da programação da mostra de cinema fantástico. "É meio que véspera de Natal agora", brincou Andrew. "Não vai ter muito sono até lá."
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Com mais de um século de distância entre a produção original de Mary Rose e o filme de Holmes e Andrews, era de se esperar que algumas alterações fossem feitas na história. Uma das principais mudanças implementadas pelos cineastas foi a inserção de Lily, encarnada por Paloma Kwiatkowski, no enredo.
"Mary Rose ainda pode ter a experiência que teve na peça, mas agora podemos expandir esse mundo e inserir Lily. Ela tem essa grande conexão com Mary Rose", relatou Andrew sobre a escolha de fazer Lily e Mary Rose coexistirem no filme. Os diretores ainda fizeram questão de nomear os personagens principais com nomes de flores — Jared também provém do nome de uma planta.
Austin preferiu ficar "deliberadamente longe" de outras adaptações de Mary Rose: "Basicamente decidimos que eu não releria. Andy leria e seria como o guardião das coisas interessantes que poderíamos levar para o filme. Era mais sobre adaptar minha memória da peça e o impacto dela". Ele teve curiosidade, porém, para saber como foram feitas a trilha sonora e a passagem do tempo na edição do teatro.
Hitchcock, que teria nomeado sua versão para as telonas como "The Island That Likes to be Visited", foi homenageado em The Island Between Tides "através de algumas tomadas e alguns enquadramentos", revelou Austin.
"Na cena da biblioteca, por exemplo, se você olhar bem de perto em uma versão em 4K, você poderá ler os letreiros de alguns filmes de Hitchcock, incluindo Os Pássaros. Esse filme foi estrelado por Tippi Hedren, que estava escalada para interpretar Mary Rose na versão de Hitchcock."
Andrew adicionou: "A homenagem foi super importante porque sabíamos que não iríamos fazer um filme de Hitchcock". Ao mesmo tempo, os diretores queriam fazer "algo que se sustentasse sozinho" e que os acenos à mente por trás de Psicose (1960) servissem como easter eggs para o público. Holmes, então, citou a técnica de dois planos em foco usada durante cena em que homens brigam em um cais. Entenda como funciona a split diopter:
Com Festim Diabólico (1948), Pacto Sinistro (1951) e O Homem Que Sabia Demais (1956) na lista, a filmografia de Hitchcock formou uma fonte rica de pesquisa para o filme lançado neste ano.
"Recentemente assisti a Marnie, Confissões de uma Ladra, depois de fazer o filme, e é fascinante ver o trabalho dele agora, meio século ou mais depois. Ver quanto da maneira como todos fazemos filmes e assistimos filmes, principalmente thrillers e filmes de suspense, se baseiam nos fundamentos que ele estabeleceu. Acho que a apreciação se aprofundou", afirmou Austin.
Andrew ainda falou sobre a limitação de recursos imposta pelas décadas vividas por Hitchcock: "Queríamos nos familiarizar com o suspense e não há ninguém melhor do que Hitchcock em construir suspense. Ele trabalhou em uma era quando, como muitos cineastas modernos, eles só filmavam o que precisavam".
"E realmente tentamos fazer isso também, pois esse filme teve um orçamento limitado e precisava ser cuidadosamente projetado. Hitchcok era capaz de fazer isso naquela época, filmando em película, cortando celuloide. Na era digital você tem opções infinitas para editar um filme. Se você olhar para a maestria com que Hitchcock fez filmes naquela época, com opções limitadas, filmando apenas tomadas limitadas, obtendo apenas a cobertura de que ele precisava... Você meio que fica tipo, 'Uau.'"
Em The Island Between Tides, a música também é protagonista: uma única canção repete na mente de Lily e nos ouvidos dos espectadores ao longo do filme. "Falamos de muitas maneiras sobre som de forma mais geral, porque não temos muitos efeitos visuais nesse filme", contou Andrew.
Por isso, foi importante que os atores ouvissem a trilha sonora antes do início das filmagens: "Olhamos para o design de som como a coisa que mais constrói esse outro mundo, porque nossa personagem principal, Lily, entende e ouve o mundo através da música que ela ouve — através dos ventos, dos riachos... Na verdade, a música a alerta sobre a presença desse outro lado e dessas outras pessoas que existem de maneira semelhante fora do tempo".
A trilha sonora de Keith Power "inclui alguns momentos em que uma de suas notas referencia a partitura original de Norman O'Neill para a peça pela qual Hitchcock estava tão fascinado", lembrou Austin. "Ele assistiu à peça quando foi encenada pela primeira vez no West End, em 1920, e aquela trilha causou tanto impacto nele que ele a passou para Bernard Herrmann, que acabou a incorporando à trilha sonora de Um Corpo que Cai."
Segundo Andrew, também houve referência a Peter Pan: "Encontramos esse Motif de sete notas que ouvimos ao longo do filme e que é incorporado ao que Lily está ouvindo diegeticamente no filme e em seu mundo real. Fizemos referência a Peter Pan e a Um Corpo que Cai".
Paloma Kwiatkowski, que fez parte de Percy Jackson e o Mar de Monstros (2013), foi escolhida para protagonizar The Island Between Tides. A busca pela Lily perfeita passou pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, mas Paloma estava no Canadá: "Encontrar a Lily certa foi crucial, porque essa personagem teve uma experiência única do mundo e porque a ilha a mudou de tal forma...", argumentou Austin.
"Sabíamos que precisávamos de alguém que pudesse representar essa maneira muito diferente de ver o mundo e tivemos uma busca de elenco que durou meses. Vimos milhares de pessoas, foram testes em três países diferentes."
"Duas ou três semanas antes do início das filmagens", Holmes e Andrews tiveram "a sorte de encontrar Paloma em Vancouver". A atriz teve que fazer uma viagem de 22 horas de balsa até Prince Rupert, na Colúmbia Britânica.
A rede de contatos dos cineastas foi fundamental para formar o elenco do longa-metragem: "Amber [Ripley], uma de nossas produtoras, tinha acabado de fazer um filme com Camille [Sullivan], que interpreta a Zinnia, e Adam Beach, que interpreta o Cam. Eu conheço David Mazouz, que interpreta Jared, há mais de uma década", disse Austin.
"Podemos dizer que o papel de Jared foi escrito com David em mente", continuou Andrew.
Segundo o diretor, Remy Marthaller, que vive Lily criança, passou um tempo com Paloma "para que ela pudesse trazer algumas das expressões naturais da Remy para a personagem dela".
Austin ainda adicionou algumas curiosidades. "Há reuniões interessantes no elenco: Donal Logue e David Mazouz passaram cinco anos morando e trabalhando em Nova York na série Gotham e eram dois dos principais personagens da série", começou.
"David e Megan Charpentier, que interpreta Mary Rose, fizeram um filme juntos há 11 anos e passaram três meses juntos na Argentina, e conseguimos reunir eles pela primeira vez no norte da Colúmbia Britânica, do outro lado do mundo."
Encontrar uma ilha com passagens entre marés era primordial para conferir verossimilhança à história. Por isso, Andrew e Austin subiram em um helicóptero pela primeira vez para encontrar uma locação adequada: um lugar descrito por Andrews como "onde parecia que ninguém havia pisado". Mesmo não sendo uma tarefa fácil, Holmes garantiu que "não houve trapaça alguma quando se tratou de locações".
"Quando decidimos filmar em Prince Rupert, ainda não tínhamos resolvido filmar no norte e tanto Austin quanto eu nunca tínhamos estado em um helicóptero antes, mas decidimos reservar um helicóptero e tínhamos feito muitas pesquisas no Google Earth para encontrar ilhas que tivessem caminhos de maré perto de Prince Rupert", rememorou Holmes.
Estamos andando de helicóptero pela primeira vez e o coração está acelerado e é emocionante. Não há nenhuma cidade por perto, então o piloto pode voar baixo sobre as montanhas e árvores. Há uma neblina densa, Prince Rupert é a cidade mais chuvosa da América do Norte, e tem essas nuvens baixas. Estamos nos aproximando da nossa segunda ilha. As nuvens se abrem e é a mesma perspectiva que você vê no filme. Lá está a nossa ilha, há o caminho da maré, meu coração começa a bater forte. Estávamos tão animados. Austin estava sentado atrás de mim, eu estava na frente, estávamos filmando e tirando fotos, e o piloto estava olhando para nós como se estivéssemos loucos porque estávamos gritando no rádio em nossos fones de ouvido: 'Encontramos, encontramos a ilha. Temos o nosso lugar'.