Eric Clapton fala sobre seu novo filme e os problemas de saúde que quase o impediram de tocar
“Estou decidido a ficar por aqui o máximo de tempo que puder. Estou de olho em tudo. Vou ao médico ao menor sinal de qualquer coisa”, diz ele
DAVID FRICKE
Há uma cena notável no início de Eric Clapton: Life in 12 Bars, documentário sobre a carreira do guitarrista, que resume a ascensão meteórica dele como prodígio do blues britânico e superastro mundial: Bob Dylan está no quarto de um hotel de Londres em 1965 vendo o John Mayall’s Bluesbreakers na TV e rasgando elogios ao guitarrista da banda – Clapton, na época mal saído da adolescência. “Ainda não consigo acreditar que é verdade”, afirma Clapton. “Pensei: ‘Ah, deve ter sido feito no Photoshop’.” O doc também tem cenas extraordinárias de Clapton com o Cream, entrevistas reveladoras com as mulheres da vida dele e sequências dolorosamente francas sobre as batalhas contra heroína e álcool e a morte acidental do filho dele, Conor, em 1991 – que inspirou a balada vencedora do Grammy “Tears in Heaven”. Só que Clapton, aos 72 anos, também está olhando para a frente, trabalhando em seu próximo álbum de estúdio.
Assistindo ao filme, como se sente de revisar a vida?
Não foi tão ruim quando vi pela segunda vez. Estava muito inseguro em relação a uma cena que mostra algo que aconteceu durante meu pior período: fiz comentários no palco sobre estrangeiros [em um show em Birmingham, na Inglaterra, em 1976]. Sendo o bêbado que era, desatei a falar.
Você pediu que a diretora, Lili Fini Zanuck, tirasse isso?
Simplesmente tenho de enfrentar o cara que me tornava quando estava movido a drogas e álcool. De certa forma, acho incompreensível ter ficado tão maluco. E não havia ninguém para me desafiar, porque talvez eu tivesse me tornado bastante intimidador. Teve gente que disse que não conseguia me enfrentar porque eu revidava com o dobro da força.
Tudo começa com seu tributo em vídeo a B.B. King depois que ele morreu em 2015, e isso também define o tom: muitos dos rostos e das vozes no filme – Duane Allman, Jack Bruce, do Cream, George Harrison – já se foram.
Nem quero pensar nisso. Estou decidido a ficar por aqui o máximo de tempo que puder. Estou de olho em tudo. Vou ao médico ao menor sinal de qualquer coisa.
Como está sua saúde? Na contracapa de seu último álbum, I Still Do, há uma foto sua tocando guitarra e usando uma luva sem dedos.
Tive eczema da cabeça aos pés. A palma da minha mão estava descascando e eu tinha acabado de começar a fazer este disco com o [produtor] Glyn Johns. Foi uma catástrofe. Tive de usar luvas com band-aids enrolados nas mãos.
Já pensou na possibilidade de, por causa de idade ou doença, não poder tocar guitarra novamente?
Eu aceitaria, porque tocar é difícil de qualquer forma. Tenho de começar pelo primeiro degrau da escada toda vez que toco, só para afinar. Depois, preciso passar por todo aquele processo de ficar com calos [nos dedos] de novo e coordenar.
Há uma ótima citação de B.B. no filme em que ele descreve a maneira como você toca: “É tipo encaixar peças em um quebra-cabeça”.
É como eu vejo. Crio uma porção de tempo para um início e um fim. Precisa ter sentido, formar uma imagem. Se deixarem, quando estou no estúdio repito várias vezes até achar que ficou o mais refinado possível. “Layla” foi assim, como montar um quebra-cabeça.
O quebra-cabeça fica pronto?
Nunca. Eu me lembro de uma noite na Filadélfia com o Cream. Foi perto do fim da nossa turnê [em 1968]. Sabíamos que estava tudo acabado. Só estávamos nos divertindo tocando e lembro que pensei: “Nunca será tão bom quanto agora”. Fico satisfeito? Por uma noite, sim.
Ed Sheeran falou que você foi o motivo para ele começar a tocar guitarra. O que diz a artistas mais novos como ele sobre enfrentar os perigos do sucesso?
Acho que não dá para dizer nada, sinceramente [risos]. Ed pediu meu conselho, e o que falei foi: “Vai devagar. Não faça tudo de uma vez só”. Só que ele parece comprometido em ir o mais longe que puder. Quer conquistar o mundo, mas para onde você vai depois disso? Nem sempre dá para ser para cima – para ninguém.