Primeiros episódios da série do Disney+ têm história corrida e trocam ação dos livros por falações entediantes; leia a crítica
Publicado em 14/12/2023, às 14h00 - Atualizado em 19/12/2023, às 07h00
O maior medo dos fãs de sagas literárias é o anúncio de que a história ganhará adaptação cinematográfica. A princípio, ela até pode vir como uma notícia positiva, uma oportunidade de ver tudo aqui, que só imaginamos como seria, saindo das páginas e ganhando vida, como a realização de um sonho, mas logo bate a preocupação de como aquilo acontecerá.
No caso dos fãs de Percy Jackson e os Olimpianos, série de livros escrita por Rick Riordan, o sonho já se tornou um pesadelo em duas ocasiões, com os lançamentos de Percy Jackson e O Ladrão de Raios (2010) e Percy Jackson e O Mar de Monstros (2013), que nem de longe viveram às expectativas dos devotos da história sobre mitologia grega.
Agora, a saga ganha uma terceira chance de fazer bonito para os fãs através de uma série para o Disney+, que chega à plataforma de streaming no próximo dia 20 de dezembro e conta com a participação do "tio Rick" - como os fãs carinhosamente chamam o autor - envolvido diretamente na produção da série.
A boa notícia é que, de fato, agora temos uma adaptação bem mais fiel aos livros do que antes, desde a escalação de atores com idade apropriada para interpretar Percy Jackson, Annabeth Chase e Grover Underwood, entre outros personagens clássicos da história; até a reprodução fidedigna de cenas retratadas nos livros, com a ajuda de Riordan na equipe de roteiristas.
Porém, a má notícia é que, na provável tentativa de acompanhar o crescimento dos fãs de Percy Jackson e Os Olimpianos, cujo primeiro livro foi lançado em 2005, a série ganhou um tom mais sério e monótono, sem o ritmo, a emoção e a magia característicos do texto em que é baseada e foi responsável por encantar tantos jovens ao longo dos anos.
Tentando ser o mais fiel possível à obra de Rick Riodan, a primeira temporada de Percy Jackson e os Olimpianos adapta O Ladrão de Raios, primeiro livro da saga. Na história, Percy Jackson, vivido por Walker Scobell (O Projeto Adam, Esquadrão Secreto), é um garoto com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Dislexia, que não consegue ir bem em nenhuma escola e sempre acaba expulso por arrumar confusão.
Porém, a sua vida muda completamente ao descobrir que, na verdade, é um semideus, filho de Poseidon, o Deus dos Mares, e precisa ser enviado imediatamente para o Acampamento Meio-Sangue, um lugar destinado a semideuses, para fugir dos ataques de monstros, que sempre acreditou que só existiam nas páginas dos livros de mitologia grega.
Entretanto, ao chegar lá, o garoto descobre que o Raio-Mestre de Zeus foi roubado e ele precisa partir em uma missão para encontrá-lo e devolvê-lo ao Deus dos Céus antes que seja culpado pelo crime e sofra as consequências. Assista ao trailer:
Você pode chamar os filmes de Percy Jackson e os Olimpianos de qualquer coisa, mas não de entendiantes. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre a série do Disney+. De forma bastante surpreendente, a novidade acelera a história ao mesmo tempo em que constrói uma narrativa lenta e arrastada, que não dá vontade de continuar acompanhando.
Não demora muito para descobrirmos que Percy Jackson é filho de Poseidon, mas tudo o que havia de emocionante até esse ponto é cortado drasticamente. As lutas contra os monstros gregos, que começam a cruzar o caminho do garoto ao notarem que ele é um semideus, não existem ou são reduzidas a um ou dois minutos de cena, com desfechos pouco satisfatórios, sobrando apenas intermináveis sequências em que alguém explica a Percy tudo sobre o universo que ele - e o público - está adentrando a partir daquele momento.
A situação piora com a adição de Walker Scobell à mistura. Diferentemente do garotinho promissor de O Projeto Adam, longa da Netflix de 2022, o ator traz Percy Jackson à vida em uma nota só, sem emoção alguma. O rapaz é extremamente inexpressivo e parece estar indiferente a tudo o que está acontecendo ao seu redor, por mais surpreendentes que as novidades sejam. Meu pai é Poseidon? Ah, grande coisa. Eu sou um semideus? Bom, quem se importa. O Minotauro está tentando me matar? Tudo bem, então.
Esse é um grande problema se considerarmos que é Percy quem nos representa nessa jornada. Ele é a figura, em cena, que vai adentrar esse mundo fantasioso e abrir portas para que a aventura continue, como Harry Potter e Katniss Everdeen fizeram antes dele, em suas respectivas franquias. A atuação de Scobell nos faz acreditar que ele gostaria de estar em qualquer lugar, menos ali. E como continuar a assistir se nem mesmo Percy Jackson, o protagonista da história, parece interessado naquilo?
Para balancear o tom monótono de Scobell, Leah Jeffries, que sofreu com ataques racistas ao ser escalada como Annabeth Chase, incorpora até o último fio de cabelo da personagem, dando vida a uma heroína ávida por provar o seu valor à mãe Atena, que sempre a negligenciou, e a si mesma. Aryan Simhadri também não faz feio como Grover Underwood, mas ajuda a colocar o Percy de Scobell em uma situação ainda pior, evidenciando que o personagem só está à frente da história porque o seu nome aparece no título.
Falo como uma pessoa que leu os livros de Percy Jackson e os Olimpianos, mas mesmo quem nunca teve contato com a obra deve reconhecer a série como uma tentativa de fazer algo acontecer, que nunca chega a lugar algum. É como um carro com problema no motor, que você tenta ligar repetidas vezes e, quando acha que conseguiu, ele volta a morrer e você precisa recomeçar de novo e de novo e de novo.
Não adianta criar uma adaptação fiel, reproduzir cena por cena dos livros, mas sem a emoção e a magia que conquistaram tantos fãs. A minha esperança, como alguém que acompanhou a saga desde a adolescência, é de que Percy Jackson e os Olimpianos ganhe ritmo ao longo dos próximos episódios e realmente faça jus ao texto original, porque seria uma tristeza ver uma obra tão incrível, cheia de ensinamentos, fracassar por uma terceira e, possivelmente, última vez.