‘Todos nós apenas ficamos mais velhos’: Showrunner fala sobre amadurecimento e nostalgia em Fionna e Cake
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Adam Muto explora como a série derivada transforma aventura em reflexão sobre crescer e encontrar magia no cotidiano adulto
Kadu Soares (@soareskaa)
Quando foi a última vez que você viu alguma aventura de Finn e Jake? Para quem era fã, talvez tenha sido numa manhã qualquer, quando o Cartoon Network ainda fazia parte da rotina. Antes ou depois da aula, eles sempre estavam lá: o garoto de chapéu branco e o cachorro elástico, desbravando o reino de Ooo como se o absurdo fosse a forma mais natural de viver. Princesas de doce, vampiras introspectivas, magos desajeitados e canções que falavam de amor, perda e amadurecimento — tudo isso em episódios curtos que pareciam infinitos.
Mas talvez você não fosse exatamente um fã. Talvez você estivesse somente zapeando entre canais, quando trombou com um menino de espada falando com um unicórnio, ou um pinguim obcecado por coroa. Talvez tenha pensado que era mais um daqueles desenhos estranhos demais para entender. E, de certo modo, era mesmo. Hora de Aventura (2010) não se explicava, só acontecia.
No meio desse universo de tons pastéis e simbolismos profundos demais escondidos por trás da alegria, algo curioso aconteceu. Em 2011, um episódio apresentou duas figuras novas: Fionna e Cake. O que a gente conhecia como Finn, agora era uma garota de chapéu com orelhas de coelho, e Jake havia se tornado uma gata falante de humor ácido. À primeira vista, parecia uma paródia, uma brincadeira de roteiro — mas havia algo a mais naquele espelho narrativo que ganhou o coração dos fãs. Foi amor à primeira vista.
Mais de dez anos depois, a nova dupla dinâmica volta ao centro do palco. Criada e conduzida por Adam Muto, showrunner que também trabalhou na série original, Fionna e Cake é mais do que um spin-off, é a concretização de um desejo coletivo, a chance de revisitar Ooo com um olhar amadurecido. Produzida pelo Cartoon Network em parceria com a HBO Max, a série estreou no fim de agosto de 2023 e trouxe Muto novamente à frente como guardião do universo.
A nova série retomou o espírito de experimentação que sempre fez parte do DNA de Hora de Aventura, mas o reconstrói sob outra perspectiva — menos sobre descobrir o mundo e mais sobre reencontrar o sentido dele. Um retorno à fantasia que cresceu com o público, onde o humor agora convive com a melancolia, e as aventuras, antes impetuosas, ecoam como lembranças de um sonho que se recusa a acabar.
O fim que nunca foi um fim
Depois de quase uma década de aventuras, Hora de Aventura chegou ao fim em 2018 com o episódio “Venha Comigo”, um encerramento que misturou nostalgia, melancolia e renovação. O capítulo de 44 minutos resolveu a “Guerra do Chiclete” através do perdão entre Princesa Jujuba e seu tio Gumbald, mas trouxe uma ameaça maior: GOLB, entidade cósmica de caos e destruição. Betty, esposa do Rei Gelado (Simon Petrikov), fez o sacrifício definitivo ao usar a coroa amaldiçoada para absorver o poder do monstro e partir pelo cosmos, selando o arco trágico de Simon e Betty com um ato de amor e redenção. Outros personagens encontraram seus próprios desfechos: Finn e Jake repousaram após anos de aventuras, Princesa Jujuba e Marceline confirmaram seu amor com um beijo, e Fern se transformou em uma árvore, símbolo da renovação.
A série terminou com um salto temporal de mil anos. Shermy e Beth, dois novos aventureiros, percorrem as ruínas de Ooo, onde a natureza retomou o espaço da magia. Eles encontram o braço robótico de Finn e o levam até BMO, agora o Rei de Ooo, que narra a lenda da Guerra do Chiclete. O ciclo se repete, mostrando que, mesmo sem os heróis originais, a essência da aventura continua viva. Ooo muda, mas nunca morre.

É desse espaço entre o fim e o recomeço que nasce Fionna and Cake. A nova série se passa após o desaparecimento da magia, num mundo onde os feitiços se tornaram lembranças e o cotidiano ficou humanizado. Simon Petrikov é um museu vivo da época passada e, devido a um ritual mágico mal sucedido, ele traz involuntariamente Fionna e Cake — antes personagens de um de seus livros — para o mundo em que vive. A partir desse salto temporal e dessa paz aparente, as aventuras da dupla começam e, pouco a pouco, as semelhanças com a série original vão cedendo espaço a novos arcos.
Um novo mundo espelhado
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Adam contou que revisitar Hora de Aventura nunca foi um exercício de nostalgia pura. O showrunner quis garantir que Fionna and Cake pudesse ser uma porta de entrada para quem nunca pisou em Ooo, sem tornar o conhecimento prévio uma obrigação. “Tentamos não nos apoiar tanto na história de fundo, nem tornar isso uma lição de casa”, ele explica.
O desafio de Muto foi fazer o velho soar novo. Fionna, por essência, compartilhava muito do DNA de Finn: o mesmo impulso aventureiro, o mesmo desejo de resolver tudo. A saída foi colocá-la em um mundo menos mágico, mais terreno, onde não há feitiços convenientes ou soluções fáceis. “Ao tirá-la do contexto de fantasia e colocá-la em outro cenário, conseguimos escrever uma personagem mais distinta e real”.
Se Finn representava o herói clássico, aquele que sabia onde estava o bem e o mal, Fionna simboliza a dúvida. “A série original era sobre um garoto crescendo, aprendendo. Esta é sobre alguém muito mais tarde na vida, que não tem sua vida organizada e não tem uma visão binária do mundo”, reflete Muto. Fionna está tentando descobrir o que é ser bem-sucedida, funcional, uma boa pessoa, questões que não se resolvem com uma espada.
E dentre os vários personagens que se foram, um ainda permanece: Simon Petrikov. O homem que um dia foi o Rei Gelado volta sem coroa, sem poderes e sem propósito. “Não queríamos recontar a história dele”, diz Muto. “Não é uma relação de um para um. Era sobre entender quem ele é agora, depois que tudo o que o definia desapareceu”. Ele é o elo entre os dois mundos — o passado encantado e o presente desbotado.
Nesse retorno, a derivada faz o difícil de um jeito leve: continua a aventura sem precisar repetir o passado. A série entrega humor e emoção em doses iguais, unindo gerações sob a mesma lógica do absurdo. Ooo não pertence mais só às crianças — é um lugar para quem aprendeu que crescer também é um tipo de fantasia.
A nova filosofia de Ooo

Em Fionna e Cake, o fantástico continua lá — mas mudou de tom. A série substitui o encantamento literal de Hora de Aventura por uma magia mais discreta, quase emocional. “Quando você é jovem, o mundo parece cheio de aventuras”, reflete Muto. “Mas conforme você cresce, o mágico fica mais distante — e é aí que você precisa decidir se vai parar de procurar ou aprender a enxergar de outro jeito”. Essa ideia é o coração da nova narrativa: o extraordinário não está mais em Ooo, mas na tentativa humana de dar sentido ao que resta dele.
Essa escolha também carrega um subtexto geracional. “Todos nós apenas ficamos mais velhos. É difícil ser tão energético”, admite Muto. O humor ensandecido de Finn e Jake deu lugar a uma ironia mais melancólica, típica de quem cresceu e percebeu que a vida não é só sobre derrotar monstros, mas sobre lidar com o que vem depois. A estrutura da HBO Max, com episódios mais longos, também empurra a série para outro tipo de ritmo, mais estratégico e denso.
Visualmente, esse amadurecimento se manifesta num paradoxo curioso: o traço continua o mesmo. Linhas redondas, “olhos de bolhinha” (como Muto descreve) e cores suaves, agora aplicadas a um mundo mais frio e melancólico.
Muto também fala sobre o equilíbrio entre mistério e significado. “Parte do charme da série original era não explicar tudo. Fionna e Cake segue o mesmo instinto — às vezes, a magia é só uma metáfora”.
E quando perguntado sobre o futuro, Adam Muto sorri antes de responder: “Sempre há ideias, mas tento não planejar demais. Hora de Aventura sempre viveu de surpresas”. Ele não fala como quem encerra um ciclo, mas como quem sabe que o universo que criou já tem vida própria. Em Ooo, nada morre — tudo se transforma. “É estranho que isso sequer exista”, ele ri. “Uma série baseada em um episódio, que veio de uma arte de fã… É um milagre que tenha acontecido”.
E se esse milagre for o último? Muto não parece preocupado. “Se Fionna e Cake for o final, é um bom jeito de encerrar. Porque o espírito de Hora de Aventura nunca foi sobre continuar, mas sobre mudar”.
+++LEIA MAIS: Segunda temporada de ‘Hora de Aventura com Fionna e Cake’ estreia na HBO Max
+++LEIA MAIS: Hora de Aventura ganhará filme e duas novas séries derivadas