Chico Buarque

Redação

Publicado em 08/08/2011, às 10h25 - Atualizado às 10h26
Divulgação
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Chico Buarque

Chico

Biscoito Fino

Artista essencial da cultura brasileira condensa seu universo pessoal em meia hora de música

Lançado com uma campanha de divulgação até então inédita no mercado da música popular brasileira, este Chico, que aparece cinco anos depois de Carioca (2006), é de uma aparente simplicidade franciscana, para ficar no trocadilho fácil. Com arranjos do violonista Luiz Claudio Ramos, o novo álbum de Chico Buarque traz dez músicas e nelas três temas se embaralham: memória/solidão, conflito de idade e metamúsica. Inicia-se com “Querido Diário”, uma espécie de “Cotidiano”. Nesta, o poeta se relacionava com uma mulher (“todo dia ela faz tudo sempre igual”) e hoje, só, topa “amar uma mulher sem orifício”. Chico regravou com Thais Gulin “Se Eu Soubesse”, já registrada no disco dela, ôÔÔôôÔôÔ. Aqui, o eu lírico é feminino, ao lembrar “Ah, se eu pudesse não caía na tua... fugia nos braços de outro rapaz”. A novidade é a harpa de Cristina Braga nos acompanhamentos. Na jobiniana “Sem Você 2”, o poeta lamenta a ausência da musa e a solidão o faz ouvir nuvens (o poeta parnasiano ouvia estrelas). Mas também pode ser a ausência das músicas do mestre, “as suas músicas você levou”, que o entristece. “Sem Você” é originalmente um tema de Jobim. A musa de Moscou da valsa “Nina” proporciona o tema moderno do CD, apontando para o Google Maps e a solidão dos relacionamentos virtuais. “Nina diz que se quiser eu posso ver na tela... a chaminé da casa dela”. A confusão mental na lembrança das mulheres em “Barafunda”, e o clima de festa, com “saia amarela” e “bandeiras vermelhas”, remetem à ressaca alegre de “Pelas Tabelas”, de 1984. “E salve este samba antes que o esquecimento baixe o seu manto”, ele canta no tema mais alegre do CD, apesar do acento nostálgico. A diferença de idade nos relacionamentos aparece em “Essa Pequena”, um semiblues que descreve a relação de alguém de “cabelo cinza” com uma mulher nova de “cabelos cor de abóbora”. O homem quer ir “até a esquina”, “ela quer ir para a Flórida”. Com uma desilusão à vista, ele assume que mesmo assim “o blues já valeu a pena”. O uso irônico da linguagem mequetrefe do universo juvenil dá o tom em “Tipo um Baião” com “porém você diz que está tipo a fim” e “igual que nem”. E as referências à própria música, a metamúsica, vêm como um reforço já no título. É a única música do CD que tem uma guitarra nos acompanhamentos, e o último acorde, distorcido, é justamente o da guitarra, o que não deixa de causar estranhamento. A marcha “Rubato” é a mais tradicional de Chico, com acompanhamento que remete a uma banda de coreto, e também se refere à música, “venha, Aurora, ouvir agora, a nossa música”. Rubato (roubado) é um termo italiano do universo do canto em que o intérprete atrasa o tempo e compensa mais à frente. Chico divide com Wilson das Neves os vocais de “Sou Eu”, parceria com Ivan Lins, também não inédita (já foi gravada pelo sambista Diogo Nogueira). Nesta, o poeta está cheio de si, pois, apesar de a sua parceira flertar com todos no salão, é ele “quem manda no samba”, “quem brinca na área sou eu”, diz o alter ego malandro. O trabalho fecha com “Sinhá”, parceria com João Bosco, um relato de um escravo que quer se livrar da punição porque viu a Sinhá nua. O violão magistral de Bosco e as percussões dão o clima soturno/lírico deste afro-samba. Como situar este novo disco de Chico Buarque no atual panorama da MPB? Talvez a chave esteja mesmo nas palavras do alter ego malandro: “Quem nada no samba sou eu”. Quem manda faz o que quer, mas, mesmo assim, Chico ainda faz questão de atender ao seu público fiel.

ANTÔNIO DO AMARAL ROCHA

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