Caetano Veloso
Dizem que a cada sete anos não somos mais os mesmos. Mudamos por inteiro: trocamos todos nossos poros, expelimos resíduos, transformamos células, regeneramos feridas, perdemos cabelos, ganhamos conhecimento. Se assim for, estamos ouvindo no recém-lançado álbum Abraçaço um décimo e novo em folha Caetano Veloso. Mais que mito popular, a ideia dos setênios simboliza nosso autoentendimento entre mudança e estabilidade. Com 70 anos completos em agosto último, Caetano ainda é o mesmo, sempre diferente.
Setenta anos hoje em dia não são mais 70 anos, somos todos mais jovens. Passam as gerações, mudam os gostos, Caetano continua modelo de ternura jamais endurecida e cronista de basicamente tudo. Em Abraçaço ele soa jovem, algo mais próximo de Velô do que de Cê, esbanjando referências a pagode romântico, funk melódico, bossa nova, Anderson Silva, Vitor Belfort, Noel Rosa e o “bardo judeu de Minnesota” (Bob Dylan). O título, segundo o próprio Caetano (em seu Twitter), sugere “um abraço espalhado, abrangente, múltiplo”. A graça da repetição do cê-cedilha, disse, parece “um reverb verbivocovisual”.
Ao longo do disco, paira no ar certo tom melancólico abandonado, de versos como “você não se deixou ficar”, “mesmo que não pudéssemos manter a lua cheia acesa” e “você me exasperou”, além da direta “Estou Triste”: “Eu me sinto vazio e ainda assim farto / e o lugar mais frio do Rio é o meu quarto”. Ao mesmo tempo, o senso de humor aparece aguçado (ainda que particular), por exemplo em “Um Abraçaço” e “A Bossa Nova É Foda”. O lado poeta romântico vem como sempre inspirado, é só ouvir “Vinco”, “Quando o Galo Cantou” e “Gayana” – esta, composição do amigo Rogério Duarte, lendário artista plástico e capista de pérolas da época do LP. “O Império da Lei”, de groovezinho safado e refrão marcado, é inspirada no filme Eu Ouviria as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, dirigido por Beto Brant a partir de livro de Marçal Aquino. Em “Funk Melódico”, Caetano continua a brincadeira de “Miami Maculelê”, do recente Recanto de Gal Costa, mandando um rap com entonação cheia de marra. Lembranças de “Língua” e “Haiti”.
Produzido pelo filho Moreno Veloso e pelo guitarrista Pedro Sá, Abraçaço é o terceiro álbum de estúdio ao lado da banda Cê, com Marcelo Callado na bateria e Ricardo Dias Gomes no baixo, além de Pedro Sá. Já se vão seis anos ao lado do grupo Cê, cumprindo o papel de acompanhamento que um dia foi de Perinho Albuquerque, Jaques Morelenbaum, A Outra Banda da Terra. Como nos dois anteriores da fase indie rock tropical, Cê (2006) e Zii e Zie (2009), aqui as canções de Caetano se emolduram pelas dinâmicas de power trio, solos de guitarra, secura e ambiência. Digamos que só existam três classificações para avaliação: megabom, gigabom e terabom. Algumas das canções são definitivamente teraboas – a bela “Quero ser Justo” e a esperta “Parabéns”, talvez –, enquanto outras são generosamente megaboas – as prolixas “Funk Melódico” e “Um Comunista”. Então, pela média, gigabom.
Fonte: Universal