Criolo
Rapper regrava primeiro disco atualizando batidas e rimas para a nova era do hip-hop nacional
“Escrevi essa música 15 anos atrás e nada mudou, Senhor! Mas eu tenho fé nessa nova geração, nessa juventude toda”, diz Criolo em “Tô pra Ver”, justificando por que reeditar o álbum de estreia dele, lançado originalmente em 2006. Reduzida, regravada e praticamente refeita, a nova versão de Ainda Há Tempo traz para a abordagem do Criolo de hoje a produção dele como Criolo Doido (nome que usava na época), quando deu início à carreira cantando a respeito da realidade do Grajaú, periferia de São Paulo, sob batidas rústicas e produção precária.
Com os trabalhos que o alçaram ao sucesso nacional, Nó na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda (2014), Criolo encontrou a vestimenta propícia para as rimas proféticas e sagazes que sempre cunhou. Em vez dos beats secos e dos arranjos repetidos por minutos a fio, ele – ao lado dos produtores Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral – expandiu as fronteiras do gênero, abraçando com propriedade o brega (“Freguês da Meia-Noite”), o reggae (“Samba Sambei”) e um balanço com tempero brasileiro (em músicas como “Linha de Frente” e “Fio de Prumo”). Desta vez, Cabral atua apenas na faixa-título, enquanto Ganjaman assume a produção musical e artística (as faixas contam com diferentes produtores, entre eles Deryck Cabrera e Tropkillaz).
Enquanto o Ainda Há Tempo original abrange mais de uma hora de som, o álbum repaginado não chega à metade disso. E o filtro não foi apenas quantitativo, já que, além de atualizar os arranjos, Criolo mudou as letras e adequou a linguagem bruta a uma nova consciência social. Em “Vasilhame”, por exemplo, ele costumava cantar que “os travecos tão ali”, e agora troca o verso para “o universo está aí”.
Neste contexto, o relançamento serve como um espelho, colocando em oposição não apenas o talentoso rimador da periferia e um dos nomes mais respeitados da produção recente do hip-hop, mas também o próprio gênero em questão. Rappers que há dez anos despontavam nas rinhas de MCs em São Paulo – entre eles Emicida, Projota e Rashid – hoje são referência, trilhando caminhos paralelos aos abertos por Criolo com Nó na Orelha.
Mais que a merecida revitalização de uma obra esquecida, Ainda Há Tempo é a personificação de toda a fase atual do hip-hop nacional: uma vertente mais sofisticada, que perde em agressividade e, também por causa disso, está cada vez mais abrangente e acessível. Se em 2006 o primeiro álbum do Criolo Doido tocou apenas nas ruas e para pouca gente, em 2016 o novo Ainda Há Tempo chega também aos condomínios e prédios de classe média, servindo como ponto de intersecção para uma juventude heterogênea e heterodoxa.
Fonte: Oloko