Titãs
Obra-prima da banda paulistana é reeditada com um CD bônus repleto de versões demo
Imagine se o terceiro álbum dos Titãs fosse lançado hoje. Não seria tão fácil taxá-lo de datado. Em seus temas, o trabalho é mais atual do que muito da pieguice contida na presente produção nacional. E, no ininterrupto carrossel de gêneros e estilos que dá sobrevida ao pop, o disco estaria em total conformidade com o atual revival da new wave e do pós-punk. Neste mês, Cabeça Dinossauro completa 26 anos de existência. Chegou a ser editado em CD nesse meio-tempo, mas volta agora remasterizado e, como bônus, com um disco contendo material de pré-produção.
Em 1985, o então octeto vivia uma época complicada na carreira. Após “Sonífera Ilha”, o hit estrondoso do homónimo álbum de estreia, o segundo trabalho (Televisão) seguia o mesmo veio pop, mas sem tanto sucesso. Mais que o desânimo de vendagem, a banda sofria um baque maior depois que Tony Bellotto e Arnaldo Antunes rodaram por causa de alguns gramas de heroína. Os shows do Titãs começavam a minguar. “Testa di uomo urlante”, um esboço feito por Leonardo da Vinci para retratar um soldado em guerra, foi usado como referência para a ilustração da capa de Cabeça Dinossauro. Nada mais sintomático para um projeto que brigava para se impor, desde o início conturbado de uma longa e eficaz relação com o produtor Liminha até a capa em questão, que naquele tempo confundia o pessoal de marketing da gravadora por não trazer a própria banda estampada nela.
Tão interessante quanto correções e novos efeitos que uma remasterização pode trazer, é ouvir o que surgiu antes do álbum em si. Com exceção de “Porrada” e com o adendo de um outtake, “Vai pra Rua”, todas as faixas do disco estão em versão demo no CD extra. Mais cruas, “Polícia”, “A Face do Destruidor” e “Igreja” (em que Nando Reis inclui trecho do “Pai Nosso”) denotam ainda mais a influência do punk e do hardcore. Com mais produção, elas levaram os estilos às raias do mainstream e contribuiram para torná-los palatáveis a um público fora da cena original (de certo modo, ajudaram a formar tal público). Um coro típico da new wave aparece em “AA UU” e um teclado charmosamente tosco como o de todo o synth punk da época desponta em “Cabeça Dinossauro” e “Estado Violência” . No álbum original, elas ficaram mais limpas, mas com um peso extra, evidente no ritual de tribos do Xingu transformado pela bateria da faixa de abertura. Mas o maior contraste entre as demos e as gravações oficiais pode ser conferido em “O Que”. Ouvida hoje, sua versão “caseira” remete a bandas como !!!, The Rapture em sua primeira fase e muito do cast do selo DFA, que, de certa maneira, beberam na mesma fonte. A versão oficial ganhou samples e ficou bem mais sintética. A faixa, que foi escrita e cantada por Arnaldo Antunes, fecha Cabeça e serviu de modelo para várias músicas de Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas e do excelente Õ Blésq Blom.
Hoje louvado como clássico, Cabeça Dinossauro representou a guinada certeira na carreira dos Titãs. Ainda é também lembrado como o primeiro Disco de Ouro do grupo – ironicamente, muito graças a uma faixa antiga, “Bichos Escrotos”, que, mesmo censurada, tocou incessantemente nas rádios, que preferiram pagar multas a perder a audiência.
Fonte: Warner