Chão
Lenine
BRUNA VELOSO
Publicado em 13/10/2011, às 10h55 - Atualizado em 14/10/2011, às 15h13Músico cria trabalho corajoso, trafegando entre sintetizadores e sons orgânicos
Embora Lenine tenha estudado química, a palavra “fórmula” parece não fazer parte do dicionário do artista pernambucano. Entre um álbum e outro, ele sempre buscou novos caminhos musicais para amparar suas composições, sem se manter preso a maneirismos ou receitas, ainda que isso pudesse
parecer sedutor. Mas agora o rompimento é definitivamente maior: depois de um disco como Labiata (2008), com o peso de músicas como “Excesso Exceto”, Lenine retorna com Chão, um álbum, como ele próprio define, “minimal”.
Chão é um jogo de montar, com dez pequenas peças complementares, como ligadas por um fio invisível. Da música-título, na abertura, a “Isso É Só o Começo”, a última, são pouco mais de 28 minutos. Depois de ouvir as faixas algumas vezes, a sensação é de que cada um desses minutos foi pensado de forma a chamar o próximo, fazendo com que Chão seja realmente um álbum, no sentido completo (e cada vez mais raro) da palavra: uma obra ordenada, circular, não apenas um punhado de singles reunidos em um mesmo CD. Nove das faixas de Chão têm um elemento não “musical” – uma inspiração tirada da música concreta, com uma boa parcela de influência do filho do meio de Lenine, Bruno Giorgi, de 22 anos. Essa é outra novidade: diferente dos trabalhos anteriores, o projeto foi pensado e concebido apenas a três – pai e filho (o “chão” de Lenine é a família; na capa, ele aparece com o neto, Tom) e o guitarrista JR Tostoi, que há anos faz parte da banda do cantor.
“Chão” começa com o som de passos, que permanecem durante os 3’31’’ da música, a mais longa do álbum. A letra, escrita por Lenine com o parceiro Lula Queiroga (ao lado de quem, há quase 20 anos, lançou o primeiro LP, Baque Solto, hoje uma raridade), é menos direta que de costume, mais abstrata, enquanto a música em si abre uma atmosfera de tensão, com sons eletrônicos. Quando o barulho dos passos começa a baixar, entram batidas de um coração, que introduzem “Se Não For Amor Eu Cegue”, de estrofes curtas. A guitarra de Tostoi sugere certa urgência, ainda que os versos sejam sobre o amor, tema constante no repertório de Lenine (na obra dele, nunca com clichês). Depois da aura apreensiva do início – que retorna mais adiante – vem “Amor É para Quem Ama”, uma pérola de calmaria pontuada pelo canto de Frederico – um passarinho – e com citação a Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Nenhuma das músicas de Chão tem bateria, mas todos os espaços são muito bem preenchidos – seja pela pausa milimetricamente colocada, seja pela forma característica de Lenine tocar violão – menos presente neste disco, é verdade –, por sintetizadores ou pelos sons orgânicos. Como em “Malvadeza”, em que o som maior é o de cigarras, ou na tocante “De Onde Vem a Canção”, com os “tics” de um metrônomo e de uma máquina de escrever. Embora menos comercial, dá para prever pelo menos duas músicas de Chão como música-tema de algum personagem de novela: “Envergo Mas Não Quebro” (elemento: motosserra) e “Tudo que Me Falta, Nada que Me Sobra” (a única sem sons não instrumentais), as mais aceleradas do disco. Fechando o pacote, está, curiosamente, “Isso É Só o Começo”, que de forma emblemática apresenta todos os elementos usados nas faixas anteriores – além dos já citados, há ainda uma máquina de lavar e uma chaleira. Enquanto alguns artistas consagrados perdem-se em autorreferências tediosas, amargam em longos períodos de inverno criativo ou simplesmente rendem-se à facilidade de permanecer no lugar-comum, Chão comprova que Lenine pertence a uma classe distinta: a do artista em constante evolução.
Fonte: Universal