Dançando na Lua

Camisa de Vênus

Paulo Cavalcanti

Publicado em 15/08/2016, às 16h24 - Atualizado em 27/09/2016, às 13h40
Dançando na Lua
Dançando na Lua

Mesmo na década de 1980, no auge do BRock, o Camisa de Vênus já destoava dos contemporâneos. Vindo da Bahia, o quinteto pisou forte em uma cena dominada por cariocas e brasilienses. O som deles era mais cru e punk, e, em vez de comentários sociais pontuais, tratavam tudo com cinismo e niilismo. A mensagem do Camisa juntava sensações carnais juvenis com visões apocalípticas.

Depois do auge, a banda se separou e retornou inúmeras vezes. Enquanto isso, o cantor Marcelo Nova tocava a carreira solo. Após brigar na Justiça com os outros integrantes, Nova e o baixista, Robério Santana, ganharam o direito de usar o nome Camisa de Vênus. Os dois dão autenticidade a Dançando na Lua, sexto álbum da discografia da banda e primeiro de inéditas em 20 anos (o antecessor foi o subestimado Quem É Você?, de 1996).

Agora sem os guitarristas Karl Hummel e Gustavo Mullem, o Camisa tem na formação músicos que já acompanhavam Nova: Drake, filho do cantor (guitarra solo), Leandro Dalle (guitarra base) e Célio Glouster (bateria). O resultado é um Camisa maduro, tanto no som quanto na temática. O rock deles segue básico, com algumas baladas pesadas, sem concessões a nada moderno – e, no caso deles, este é mesmo um caminho adequado. Com muitas guitarras perfazendo a parede sonora, Drake, que produziu o disco, dá às faixas polimento e sofisticação antes ausentes.

Os alvos de Nova e companheiros não são específicos. Relacionamentos fracassados e frustrações sexuais dão o tom a “Dançando na Lua”, “Chamada a Cobrar” e “Sibilando como Cascavel”. A melhor dessa safra é “Urna da Obsessão” (com pique do blues urbano de Chicago), na qual Nova divaga sobre um caso de amor amaldiçoado. As sinistras “Manhã Manchada de Medo”, “Vento Insensato” e a discursiva “Como no Inferno de Dante” são tingidas por paranoia e insegurança. E essa aura de desânimo é evidente em “Raça Mansa”, um ataque a políticos e pastores que serve como uma radiografia da complacência e da mediocridade de alguns. Assim, a escolha da regravação pesada de “Só Morto (Burning Night)”, lançada em 1970 por Jards Macalé, se encaixa com precisão nessa temática geral. Na versão, a banda ainda cita no arranjo “End of the Night”, do The Doors, tornando o registro ainda mais melancólico.

Mas nem tudo é escuridão. Para quem tinha saudade do Camisa sarcástico e galhofeiro, o quase rockabilly “Estrondo do Silêncio” serve como um elixir. Ironizando temas bíblicos, é o tipo de canção que exemplifica por que esta banda nunca se enquadrou em nenhum andaime do pop brasileiro.

Fonte: Radar Records