Fresno
Revanche
Arsenal
Com disco de rock eficiente, banda alcança objetivo de cantar para todo mundo ouvir
Antes de lançar Redenção, em 2008, Lucas Silveira declarou que gostaria de “superar a fronteira entre o alternativo e o popular”. “Se alguém tem de fazer pop-rock e ser renomado, que sejamos nós!”, ele declarou à Rolling Stone. De fato, não há no cenário nacional banda semelhante ao Fresno – que poderia alcançar destaque pop e ainda manter cativa a velha base de fãs. Com Redenção, diga-se a verdade, pouco aconteceu nesse sentido: o grupo reforçou o pé como um dos mais idolatrados entre a molecada e se tornou o papão dos prêmios das emissoras de TV. Porém, por fatores alheios às próprias intenções (ou nem tanto), foram mantidos no topo do balaio “emo”, e a ascensão das bandas “coloridas” não colaborou para limpar a barra do quarteto gaúcho. Perdida entre bandas esteticamente parecidas, o Fresno iniciou uma ansiosa luta por diferenciação. Revanche soa como essa real transição ao outro patamar. E aquele que poderia ser mais um disco jovem assinado por Rick Bonadio soa como um muito bem arquitetado grito por atenção.
Na abertura, a faixa-título assusta e leva a crer que demos play no CD errado: um riff mal-humorado, teclados que lembram Muse, final apocalíptico. A doçura tradicional persiste nos vocais apurados de Lucas, mas ele mesmo soa diferente, intimidado. “Não estou morto, apenas fui ferido”, reclama, se dirigindo a quem insiste em julgar a qualidade da banda pelos penteados e figurinos (será que há como evitar?). Para o ouvinte de primeira viagem, é impossível disfarçar a surpresa.
Mas calma, meninas: o Fresno de sempre reaparece em “Deixa o Tempo”. Melhor faixa de Revanche, ela resume em quatro minutos a essência do Fresno versão 2010: se é tudo uma questão de criar climas e emocionar, que seja feito com capricho e seriedade. A faixa transborda de elementos indeléveis da banda (romantismo, tensão crescente, duelos vocais de Lucas e o baixista Rodrigo Tavares), mas é o mais perto que se tem de um hit no disco, porque é equilibrada na medida: ao mesmo tempo em que entrega o que esperam os fãs, acerta em cheio na veia pop. Se o review fosse baseado só nessa música, dava para dizer que o Fresno atingiu o objetivo.
Em “Esteja Aqui”, ressurge o Fresno que os fãs adoram, em meio a guitarras espertas e teclados bem colocados. Um fator que conta pontos para o grupo é a honestidade: não há dúvidas de que eles creem nas músicas e nas mensagens que transmitem. A missão é cumprida também pelo fato de a maioria das letras ser escrita em primeira pessoa – Lucas proclama os versos como se já tivesse sofrido na pele os percalços que relata. É claro, para quem possui uma imagem predefinida sobre a banda, tudo soa como choramingo “emo”, seja lá o que isso signifique. Mas há menos lamentos, como se não houvesse mais do que se queixar (ou como se estivessem mais hábeis para lidar com questões da maturidade). E há espaço para mais sensações em meio ao açúcar.
Em “Die Lüge” (em alemão, “a mentira”), Lucas rosna “Seu mundo é uma mentira, que você mesmo inventou”, pondo o dedo na cara de alguém que, imagina-se, o magoou pra valer. “Relato de um Homem de Bom Coração” tem jeito de banda vivida: a dança de sintetizadores se mostra agora obrigatória na busca pela sonoridade mais moderna. “Nesse Lugar” e “Eu Sei” são típicas do cancioneiro Fresno, mas são acessíveis – a gritaria do emocore, felizmente, ficou para trás. A experiência como publicitário tornou Lucas apto a compor em qualquer nível de sofisticação, tal qual em “Quando Crescer”, movida a piano e cordas gravadas em Nashville. A variação entre calmaria e peso que permeia o álbum foi provavelmente pensada com o intuito de exibir virtuosismo, como se eles ainda precisassem provar que são músicos de verdade e não estão nessa só para pegar as mocinhas. O resultado dessa mistura é um disco diversificado, que proporciona tantas chances para se bater cabeça quanto para se emocionar. E, acima de tudo, pode atrair um ouvinte que jamais admitiria levar o Fresno a sério.
Revanche mostra uma banda madura,mais à vontade com seus instrumentos e com objetivos muito bem definidos. O Brasil não tem bandas de rock que agradam homens e mulheres na mesma proporção, e o Fresno bem poderia preencher essa lacuna. Dificilmente os detratores darão chances ao desconhecido, mas o grupo realizou sua parte – fez questão de evoluir e fazer diferente. Não são muitos os artistas que conseguem tal proeza.
PABLO MIYAZAWA