Mallu Magalhães
Mallu Magalhães
Independente
Hype à parte, a jovem Mallu Magalhães cumpre seu papel
A garota mal saiu das fraldas, mas venera Bob Dylan e Johnny Cash em vez de alguma banda nacional pré-fabricada para o público jovem, prefere Juno aos filmes de bangue-bangue-nomorro do cinema brasileiro, lê o tranqueira seminal Allen Gingsberg e outros beats em vez da patricinha francesa Lolita Pille (de Hell) ou mesmo algo da saga Gossip Girl. Adulta para os 16 anos, Mallu Magalhães deleta os protocolos da adolescente padrão que a mídia adora generalizar, enquadrar e catalogar em tribos (via de regra diminuindo sua real capacidade), e ocupa um lugar inusitado: seu primeiro disco, de aspiração folk, é um dos mais esperados deste ano. Desde que a paulistana brecholenta ganhou notoriedade por algumas canções no MySpace, especular sobre seu hype virou tema recorrente da colcha de retalhos (e, às vezes, ciumeira e despreparo) que é a cultura pop brasileira – se Mallu fosse gringa seria tão mais fácil elogiá-la ou criticá-la, mas, se "the next big thing" está entre nós, qual manual devemos consultar? Primeiro, é preciso entender que não há armação no case Mallu, mas circunstâncias pontuais que a benefi ciam, da boa estrutura familiar ao aumento da importância dos sites de relacionamento, à necessidade de o pop brasileiro ter um fenômeno local da internet para chamar de seu. Mas desde que seja um fenômeno cool o suficiente para não causar constrangimento na rapeize, pois com muito menos banda larga o Fresno, que há mais de três anos já percorria o Brasil fazendo shows sem nunca ter tocado nem nas rádios de Porto Alegre (onde foi criada), era fenômeno da rede mundial de computadores a bordo do seu (uncool) emocore. Mais importante de tudo, é que Mallu, a garota certa da hora certa, cumpre muito bem seu papel nesta história, e com luz própria, ainda que nem sempre saiba para onde direcionar o facho. Seu disco de estréia é apoiado nas canções efi cientes de formato básico que os fãs já conhecem, mas não se limita aos tchubarubas adocicados que a consagraram repentinamente Na parte final do álbum, "Dry Freezing Tongue", "Sualk", "It Takes Two Tango" e "Noil" carregam surpreendente densidade melancólica, muito mais para o neo-folk do Vanguart, com quem Mallu tem convivido, do que para o Belle & Sebastian, que ouvia quando ainda era... criança. A contribuição do experiente e competente produtor Mario Caldato, que simplesmente aparou arestas e deixou a espontaneidade juvenil correr, favoreceu o amadorismo e a simplicidade de Mallu, mesmo quando ela expõe suas carências vocais. Ao mesmo tempo, se a nova ternurinha do pop brasuca transborda doçura sem precisar forçar a barra em hits como "Tchubaruba", "Get to Denmark" e "J1", ela demonstra que também sabe ser teatral quando precisa encarnar a cantora de cabaré em "You Know You’ve Got" ou a ninfeta barroca da linda "Preço da Flor", uma das duas únicas faixas em português do disco – a outra é a singela "Vanguart", da contraditória letra em que ela se declara "tão normal". O excesso de canções em inglês é um defeito a ser corrigido, nada que o tempo, que corre tanto a seu favor, não possa acertar. Mallu tem talento e um disco de estréia promissor no currículo. Dois mil e oito é apenas o primeiro ano do resto de sua vida.
Por Marcelo Ferla