Marcelo Camelo
Toque Dela
Universal
Amor e tranquilidade reinam no segundo disco solo do ex-Los Hermanos
Reinventar-se é uma necessidade do ser humano. Mudar e ainda manter-se si mesmo é que é a prova dos nove. Artisticamente, a mudança é mais que humana: é percurso. No caso de Marcelo Camelo, desde os tempos de Los Hermanos, o caminho parece ser não se referenciar pelos paradigmas, mas relativizá-los constantemente. A ruptura e a busca da reinvenção não são mera iconoclastia, mas sim um grande elogio à liberdade criativa. Afirmar que Camelo fez um disco de amor talvez não soe novidade. Mas Toque Dela é, certamente, seu conjunto de canções que soa mais pessoal, o amor como declaração direta e carta aberta. Gravado ao longo de 2010 no estúdio El Rocha, entre caminhadas no bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde fica o estúdio e onde mora o carioca Camelo nos últimos dois anos, Toque Dela soa um disco tranquilo e fluido, como se produzido por ele próprio e gravado entre amigos e sem pressa, o que realmente foi. A mixagem do álbum, feita pelo norte-americano ligado ao dub Victor Rice, é provavelmente bem diferente do que seria se não tivesse sido gravado por conta própria e só depois de pronto licenciado à major Universal, o que configura aqui um tremendo elogio. Um disco bem pessoal, inclusive no som, com algumas faixas gravadas pelo próprio Camelo tocando as bases de baixo, bateria, percussão, violão e guitarra. Em todas as outras, é acompanhado pelo sexteto Hurtmold, que já tocava em metade das faixas de seu primeiro disco. Curiosamente, ao mesmo tempo que é um disco mais “de banda” que o anterior, às vezes com três guitarras, é cheio de tons acústicos, costurado com assobios, ukuleles, metalofones, naipes de sopros, cores, pores-do-sol, visões do mar, solos e noises poéticos com a participação de Marcelo Jeneci na sanfona ou no piano elétrico, o suíço Thomas Rohrer na rabeca e o norte-americano Rob Mazurek na corneta, interessantes figuras no som criado em São Paulo hoje. Três das dez músicas do CD, por sinal, citam “a cidade”. Quatro falam do sol. “Morena” e “Pretinha” também são referências comuns e a palavra amor aparece sete vezes nas letras. Três anos atrás, quando duetava em seu primeiro disco com Mallu Magalhães, com quem começava a namorar então, Camelo cantava a possibilidade de a eternidade ser cruel. Hoje, em ‘‘Vermelho’’, faixa em que Mallu participa, ele se assume sem medo, filho da eternidade. Tempo de recomeçar, declaração direta, como em “Acostumar”, “Pra Te Acalmar” e “Tudo Que Você Quiser”. A solidão é doce, mas é triste viver só dela. O cartunista e poeta carioca André Dahmer, da inspirada série de tiras Malvados e do recente livro Ninguém Muda Ninguém, oferece a única parceria do disco todo composto por Camelo, na climática e sensível “Três Dias”, que abre o simbólico lado B do álbum. E o expressivo traço das ilustrações de Biel Carpenter participa intimamente do resultado visual, acompanhando e interpretando literal ou figurativamente as letras. Um grande disco, como toda a arte, capta palavras, sons, ideias e fotografa o momento. Em sua estética do espontâneo, desenhando um universo poético simples, mas não óbvio, Marcelo Camelo finalizou um disco de amor – declaração de amor –, tocante como afirmação artística. Talvez ouvir de longe o antigo companheiro de banda Rodrigo Amarante e de perto a namorada, Mallu Magalhães, tenha lhe feito bem. Não apenas um disco sobre o toque dela, mas um disco com um toque dela.
RONALDO EVANGELISTA