RZO
“Não acredito nesse papo de primeira e segunda escola”, versa Helião em “Rap É Isso Aí”, faixa de Quem Tá no Jogo, novo disco do RZO. Casualmente encaixado nas rimas da canção, o verso sintetiza a abordagem do aguardado álbum de retorno: o RZO quer voltar à forma sem ignorar as evoluções do gênero nos quase 15 anos que separam o trabalho atual do antecessor, Evolução É uma Coisa (2003). Helião, Sandrão e DJ Cia – a formação-base – fazem um movimento análogo ao dos Racionais MC’s no disco Cores e Valores (2014), abraçando as sonoridades eletrônicas que dominam o hip-hop contemporâneo.
O RZO, contudo, retorna também para recuperar um legado. O grupo surgiu nos anos 1980, na periferia da zona oeste paulistana, em Pirituba, e marcou o rap nacional entre as décadas de 1990 e 2000. Além de dois álbuns seminais – Evolução É uma Coisa e o debute, Todos São Manos, de 1999 –, o RZO revelou Sabotage e Negra Li, antes de encerrar as atividades em 2004. Agora incrementado por mais um MC, Calado, e um vocalista, Nego Jam, o grupo ressurge para unir a lírica socialmente consciente do passado a batidas descendentes do trap atual, de nomes como Travis Scott e Young Thug.
Dos momentos mais brutos (“As Armas Que Matam”) aos mais melódicos (“Jovens à Frente do Tempo”), o grupo soa ousado – e não é preciso mais que a voz encharcada de Auto-Tune de Helião em “Revolta dos Humildes” para ter certeza disso. Já “Rap É Isso Aí”, com Rael (além dele, também participam do álbum Criolo e Negra Li), “Uma Multidão Rumo à Solidão” (de flow precisamente torto de Sandrão), “Lado Negro da Força” e a faixa-título têm batidas retas e arranjos focados na instrumentação diversificada, reforçando o impacto da obra do grupo na vida das pessoas.
Ícones, Helião e Sandrão continuam com percepção apurada nas rimas, referências e histórias, atualizando o retrato do cotidiano duro de injustiça das periferias e a firme denúncia do racismo para o Brasil dos anos 2010. Quem Tá no Jogo é o RZO experimentado e correndo riscos, soando às vezes incrivelmente renovado, às vezes estranhamente deslocado – em alguns momentos, em uma mesma faixa. Não chega a ser um passo maior que a perna: é o primeiro passo para o retorno à forma.
Fonte: Independente