Gal Costa
Com a ajuda de Caetano Veloso, cantora retorna modernizada
Quando Gal Costa lançou seu segundo disco solo, no final de 1969, muita gente ficou chocada. A voz cristalina e suave, de entonação doce e inspiração joaogilbertiana, era até então conhecida e adorada pela bossa delicada de sua estreia ao lado de Caetano Veloso, “Domingo”, e pelo então ainda recente
primeiro LP, que somava sonoridades modernas para criar uma super-jovem guarda, mais sofisticada e abrasileirada. Mas naquele momento a barra estava pesando, os amigos estavam exilados. Lanny Gordin e Jards Macalé estavam ali para ajudar na disposição de caos e lirismo, e naquele disco que traz um desenho psicodélico na capa, Gal soltava a voz como nunca, entre guitarras estridentes e canções desconstruídas.
Quando Caetano Veloso lançou o álbum Araçá Azul, em 1973, o LP foi recorde em devolução por clientes insatisfeitos. Então já querido como figura popular, autor de um punhado de canções conhecidas, Caetano havia lançado há pouco seu LP mais cultuado, Transa, mas, recém- chegado de Londres, prestes a desbundar de vez, foi ao estúdio sem canções escritas, disposto a gravar improvisos, sons de canos de descarga e buzinas, vozes superpostas, percussão sobre pele e ossos, tudo ostensivamente experimental.
Estamos no fim de 2011. Caetano Veloso tem 69 anos, Gal Costa tem 66. O álbum novo da cantora, Recanto, foi todo composto e produzido pelo compositor, movido por uma “necessidade de equilibrar a visão histórica” e chamar atenção para a “emissão vocal muito especial” de sua intérprete, segundo declarou recentemente à Rolling Stone. Ao lado de Caetano na produção aparece seu filho e afilhado de Gal, Moreno Veloso. Pela ficha técnica do álbum, nomes da recente geração Pop Rio, como Kassin, Pedro Sá, Davi Moraes, Donatinho e as bandas experimentais Rabotnik e Duplexx. Se Caetano queria provar a relevância perene e contemporânea de Gal, de uma maneira ou de outra definitivamente reencontrou a radicalidade de outros tempos. Acompanhada de timbres sintetizados, bases construídas sobre sons e efeitos minimalistas, distorções e ecos na voz, poucos beats retos e muitos noises soltos, Gal Costa mais uma vez está lançando um álbum totalmente chocante: desta vez, pela artificialidade.
Assim como o recente Cê – revitalização de Caetano acompanhado da jovem BandaCê – era em grande parte sobre a idade do compositor, este Recanto é sobre o momento da cantora, com canções externando indulgências, neuras, idiossincrasias poéticas, pensamentos íntimos, memórias, o revés físico da velhice, o ofício e a arte de cantar. Entre jocosidades como o pancadão “Miami Maculelê” e o uso ironicamente sincero em “Autotune Autoerótico” do efeito que entitula a faixa, composições como “Segunda” (levada por prato-e-faca de Moreno) e “Mansidão” (gravada por Jane Duboc em 1982) são oásis de canção em um álbum que não tem como intenção principal soar belo. “Neguinho”, com base feita por outro filho de Caetano, Zeca Veloso, é eletrohouse noventista com letra lição-de-moral. “O Menino”, com sua levada de rock viagem, soa como uma sobra do Cê.
Mas, se o Cê era indie rock, Recanto é dubstep. Caetano Veloso talvez seja ainda mais gênio do que seus fãs poderiam supor, ou talvez simplesmente ainda mais equivocado do que seus detratores esperariam. Quanto a Gal, onde antes emprestava possibilidades de sentidos às intepretações, em Recanto ela não soa com a melhor das vontades. Aparenta cansaço, talvez resultado do tom existencialista do CD. Falta magia para o ambicioso conceito se mostrar transgressor e se revelar como algo mais que um punhado de canções cabeça e modernidade de butique.
Fonte: Universal