Sepultura
Kairos
Nuclear Blast/Laser Company
Quarteto celebra estabilidade em álbum com inspirações antigas e espírito de novidade
“There is no shame, but there is pride” (não há vergonha, mas há orgulho), Derrick Green exclama em “Spectrum”, faixa de abertura de Kairos, 12º álbum do Sepultura. Protegido por um riff de guitarra hipnótico, o verso bem poderia ser interpretado como um recado aos fãs órfãos daquele Sepultura de 15 anos atrás. A frase também parece refletir o sentimento geral da banda durante as gravações do disco, o sexto embalado pelos urros versáteis de Green. É óbvio que os constantes rumores sobre um possível reencontro da formação original do Sepultura não são recebidos com entusiasmo pelos atuais integrantes – além de Green, o guitarrista Andreas Kisser, o baterista Jean Dolabella e o baixista Paulo Jr. (o único membro original). O fato é que, descontado o valor histórico, fica evidente que musicalmente a reunião teria tudo para dar errado. Não é preciso ser um especialista para concluir que o Sepultura está a cada disco mais distinto do tipo de metal produzido pelo Cavalera Conspiracy dos irmãos Max e Iggor. Kairos apenas decreta que o distanciamento entre o “antigo” e o “novo” Sepultura é real e, aparentemente, não tem mais retorno. Contraditório também é o fato de Andreas Kisser ter buscado no passado as referências para as composições de um álbum que exala sangue novo. Não são poucos os momentos em que o Sepultura soa como uma banda com fôlego e disposição de iniciantes: Kairos tem cheiro, gosto e espírito de álbum ao vivo, com lampejos conscientes de “volta às raízes” – não exatamente as raízes tão alardeadas em Roots (1996), mas algumas mais antigas ainda: referências não tão óbvias a trechos de Beneath the Remains (1989) e Arise (1991) farão sorrir os fãs mais xiitas. A abertura cavalar de “Relentless” colabora com a falsa impressão de este ser um disco composto há duas décadas. Mestre de seu próprio domínio, Kisser parece tão confortável tocando riffs que exigem precisão quase robótica quanto executando solos memoráveis saturados de melodia e virtuose, pontuados por harmônicos, reverberações e alavancadas cheias de bom gosto. Apesar de trabalhado ao redor das guitarras, Kairos é um cenário arquitetado especialmente para Derrick Green brilhar. Experimentando com os timbres, do punk gutural em “Relentless” ao quase-rap da sinistra “Dialog”, o gigante norte-americano exibe personalidade ao passear pelos estilos sem fazer uso de firulas ou exageros vocais. Não seria pouco considerar essa a sua melhor performance em um disco do Sepultura. Talvez seja por isso também que, de maneira geral, o grupo soe tão tranquilo e entrosado em Kairos. A produção do norte-americano Roy Z é zelosa e polida, deixando a sensação de que um pouco de espontaneidade ou sujeira não fariam mal ao conjunto final. Faixas empolgantes como “Born Strong” e “Embrace the Storm” ganhariam ainda mais destaque se fizessem uso de uma sonoridade mais orgânica (ou menos eficiente). Já em “Mask”, a levada ricocheteada, quase militar, serve como cama para uma das letras mais explícitas da história do Sepultura, um agressivo dedo na cara dos detratores (não há substância ou lógica / por trás da máscara em que você se esconde). “O momento certo” ou “a hora oportuna” são alguns dos significados por trás de Kairos, um disco que versa sobre o tempo não cronológico e soa como um ritual sincero de autoafirmação, celebração e desabafo, tudo ao mesmo tempo. A impressão de ser um álbum longo é falsa – na verdade, ele passa rápido até demais. São 17 faixas, sendo quatro vinhetas de 30 segundos cada uma e, seguindo a tradição do Sepultura, duas versões – “Just One Fix”, do Ministry, e “Firestarter”, do Prodigy –, que, apesar de bem executadas, quase nada adicionam ao conceito proposto. Com riffs musculosos, solos ultravelozes, batidas violentas, gravidade e urgência, Kairos pode e deve ser interpretado como um disco de thrash metal à moda antiga: tem um gosto indelével de passado, compartilhado com uma bem-vinda atitude novidadeira. Seria importante que os fãs tentassem apreciá-lo inspirados pela ideia de que o Sepultura de hoje é o que vale – e não mais o de antigamente. O efeito da audição certamente será diferente.
PABLO MIYAZAWA