Sergio Mendes
Bom Tempo
Universal Music
Novo capítulo da reinvenção do músico que popularizou o som brasileiro no exterior
Mesmo com todo o sucesso e aclamação, o papel de Sergio Mendes na música brasileira é incompreendido. Certa parcela da crítica prefere colocar Sergio à margem do que é relevante na MPB, seja por esnobismo ou pura birra com o jeito pragmático do homem. Os detratores acham que o pianista e bandleader de Niterói se autoexilou de uma forma confortável fora do país, longe de toda a conturbação e militância que a música brasileira viveu a partir da década de 1960. Mendes, aprendiz da primeira geração da bossa nova, foi quem melhor percebeu que os estrangeiros eram loucos por aquele tipo de música. Muitos músicos brasileiros foram ver como era a coisa lá fora, mas Mendes foi o único que teve coragem e profissionalismo para pegar o competitivo mercado americano pelo rabo. Quem viveu os anos 60 sabe que Sergio Mendes e o Brasil 66 foram parte da trilha sonora da época da mesma forma que Beatles ou qualquer outra banda de rock. Os anos 70 e 80 viram Mendes passar por altos e baixos, embora ele ainda faturasse alto na Ásia, em Las Vegas e em Mônaco. Também lançou álbuns que hoje merecem ser reavaliados. No começo deste novo milênio, o seu nome parecia ser nota de pé de página em enciclopédia. Mas Sergio Mendes tem uma capacidade de se reinventar. Uma visita do fã Will.i.am, do Black Eyed Peas, mudou sua fortuna. A versão de Mendes e do grupo norte-americano para “Mas Que Nada”, hit gigantesco de Mendes em 1966, colocou novamente o brasileiro no gosto popular. O álbum resultante, Timeless (2006), foi o primeiro que Mendes lançou em dez anos e alinhou o músico com o hip-hop, o pop moderno e o som vigente nas pistas de dança. Encanto, de 2008, tinha um apelo ainda mais abrangente. O recém-lançado Bom Tempocompleta a trilogia iniciada com Timeless. É também o álbum mais brasileiro de Mendes em muito tempo, com menos concessões a batidas eletrônicas e mais preocupado com os arranjos e com a diversidade instrumental e vocal. Não tem um apelo meramente nostálgico ou a preocupação de emular o samba jazz de 50 anos atrás ou o easy listening dos anos 60. Bom Tempotem mais cara da produção de Mendes dos anos 70 ou 80, com muitos arranjos de metais, sonoridade com cara de FM e soluções rítmicas ortodoxas. O disco segue a receita de Mendes dos últimos trabalhos, que é a de recauchutar seus velhos clássicos e resgatar obscuridades. “Emoriô” (João Donato e Gilberto Gil) e “Ye Me Le” (Luiz Carlos Vinhas e Chico Feitosa), como todos sabem, foram grandes sucessos de Mendes muitos anos atrás. Aqui, a primeira ficou a cargo de Carlinhos Brown e Nayanna Haley. “Ye Me Le” até ganhou um interlúdio de rap, além de citar “Taj Mahal”, de Jorge Ben. “Maracatu (Nação do Amor)” é uma obra não tão conhecida do Maestro Moacir Santos, e é interpretada por Seu Jorge e Gracinha Leporace. Seu Jorge também dá o ar da graça em “Maracatu Atômico”, clássico de Jorge Mautner e Nelson Jacobina imortalizado por Gilberto Gil. Já “Pais Tropical” ficou com cara de macumba para turista e pode ser pulada sem remorso. A regravação de “Caxanga”, de Milton Nascimento, foi uma boa sacada. O autor é o convidado especial, mas infelizmente seu vocal deteriorado não acrescenta muito ao arranjo adequado elaborado por Mendes. “The Real Thing”, que Stevie Wonder, escreveu para o amigo Mendes nos anos 70, ganha uma nova versão, com vocal de Katie Hampton. Gracinha Leporace, esposa de Mendes e uma de suas vocalistas mais constantes, fecha o álbum com “Só Tinha Que Ser com Você” (Tom Jobim), numa releitura convencional e agradável, mas que não vai fazer ninguém esquecer a versão definitiva de Elis Regina. Bom Temponão revoluciona nada, mas é um bom disco de música brasileira tradicional.
POR PAULO CAVALCANTI