Dirigido por Anna Muylaert
A roteirista e diretora Anna Muylaert tem um dom inigualável de fazer com que o espectador pense que todos os personagens de seu filme estão errados (ou seriam certos?) ao mesmo tempo – um alívio em um cinema cada vez mais binário. Aqui não há cartilha de comportamento que chegue perto de dar conta da complexidade da situação: quando sua família biológica finalmente o encontra, um adolescente descobre que a mãe dele o roubou de uma maternidade para cria-lo. Conforme lida com as (muitas) reviravoltas, o garoto (Pierre/Felipe, vivido pelo novato e cativante Naomi Nero, sobrinho do ator Alexandre Nero) precisa se adaptar aos pais, que tentam forjar um vínculo com o filho antes que ele se torne oficialmente adulto e termine de construir a vida sem qualquer laço com eles. Um dos percalços no processo de aceitação – e aqui Anna mostra toda sua sensibilidade – vem da dificuldade da nova/velha família de lidar com a transexualidade do jovem. Nero leva esse desafio com coragem e delicadeza, tendo se inspirado na irmã, que é trans.
A base da história nasceu do famoso caso Pedrinho, um dos crimes mais famosos do Brasil. Levado de uma maternidade de Brasília em 1986, Pedrinho foi encontrado na adolescência em Goiânia e acabou conseguindo se integrar à família biológica.
As possibilidades aqui eram muitas. Anna poderia ter abordado o drama familiar a partir do ponto de vista da “mãe criminosa”, a família biológica ou do garoto, que fica no meio disso tudo e que traz outras possibilidades ao desenvolvimento da trama – como a já citada transexualidade com a qual ele mesmo ainda não sabe lidar tão bem e o afeto que ele vai nutrindo pelo irmão mais novo que só pode conhecer na adolescência.
Não espere outro Que Horas Ela Volta?. Aqui, Anna retorna ao estilo de seus primeiros filmes e usa outro tom de sua cada vez mais contundente voz.
Fonte: Com Naomi Nero e Daniela Nefussi