Chico Buarque
Companhia das Letras
Nova incursão buarquiana pela literatura prende a atenção
De tempos em tempos, como se sabe, ChicovBuarque fica recluso.Isso acontece quando está de cabeça
em alguma criação, que pode ser um CD, a trilha sonora de um filme ou escrevendo um livro. Depois do Carioca (2007), seu último trabalho musical, Chico se isolou para redigir este Leite Derramado. E, pelo que se lê, vê-se que Chico não só pesquisou a história do Rio de Janeiro dos inícios do século 20 como também se inteirou bem do universo machadiano. O personagem Eulálio Montenegro d’Assumpção, um velho decadente, centenário, moribundo, “pregado” a uma cama de hospital, é o narrador que conta
histórias da sua infância, da família, da mulher, dos filhos, do avô e de suas viagens. Essas reminiscências são figuras retóricas emboloradas, ora lúcidas, ora delirantes e irônicas e o seu interlocutor pode ser qualquer um, em especial, as enfermeiras. Mas não só: em seu “delírio”, ele fala com a mulher, com a filha e tem consciência de que está só no mundo e não lhe resta outra coisa, senão a morte. Chico acertou. Sua narrativa é daquelas que convidam a uma leitura até o final, mesmo sabendo o leitor que não haverá
um desfecho.
ANTONIO DO AMARAL ROCHA