Titãs, IZA, Xande de Pilares e mais: a retrospectiva de um ano efervescente, que inclui não apenas discos, mas também projetos, shows e turnês, segundo a redação da Rolling Stone Brasil
Foi o ano do ao vivo. Dos grandes palcos, das mega turnês. Da nostalgia e também de apostas ousadas. Dos tributos e dos virais. E das boas surpresas também. Em um ano tão efervescente quanto 2023, recapitular os melhores lançamentos ou acontecimentos musicais torna-se missão quase ingrata. Mas é justamente sobre ela que a redação da Rolling Stone Brasil se debruça neste quase-2024.
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Em vez de determo-nos, porém, a lançamentos ou álbuns, optamos por seguir com uma lista de destaques, a 10 dos projetos de música que mais prenderam nossa atenção. Por aqui entram discos, claro, rock, pop, rap, samba e MPB - mas não apenas. No ano em que os shows movimentaram tanto, falamos também deles - de exemplares raros, que nos lembram da importância do palco a cada vez que a luz acende. Falamos de iniciantes e de veteranos, de covers e de lançamentos. O critério maior é a música, de 10 nomes que fizeram legado em 2023 - um ano que, para quem viveu de olhos e ouvidos bem abertos, deverá reverberar por ainda muitos outros anos.
IZA abandonou um álbum pronto, retomou as rédeas da própria carreira e lançou AFRODHIT em agosto deste ano, após um divórcio conturbado. O disco mescla os ritmos do afrobeat com a música brasileira e traz faixas que retratam um relacionamento amargurado, bem como outras que celebram o prazer feminino. MC Carol, Russo Passapusso, King Saints, L7nnon, Djonga, Tiwa Savage e até mesmo o maestro e arranjador Arthur Verocai se juntaram à intérprete do hit “Meu Talismã” para dar vida ao projeto que também exalta a cultura negra. Sem deixar de contemplar os usuários do TikTok, com danças reproduzíveis na plataforma, AFRODHIT ainda resultou no videoclipe de “Fé Nas Maluca”, com MC Carol. (Heloísa Lisboa)
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Direto de Sapiranga, bairro na periferia de Fortaleza, Mateus Henrique Ferreira do Nascimento, conhecido pelo nome artístico Mateus Fazeno Rock, criou uma intersecção entre o rap e o rock reforçada em Jesus Ñ Voltará. A faixa-título do álbum lançado em abril deste ano é retrata despedidas e dá o tom ao disco. Jesus Ñ Voltará fala sobre negritude enquanto permeia memórias e experiências vividas por Mateus, que dialoga com a geração Z. O segundo álbum de estúdio do artista conta com a participação de Jup do Bairro, Brisa Flow, Big Léo, Má Dame, Mumutante, Agê, Caiô e Glhrmee. Com carreira em ascensão, o músico já abriu show da Nação Zumbi no Circo Voador e tocou no Primavera Sound São Paulo. (Heloísa Lisboa)
Quem acompanhou Rubel em Pearl (2013) ou em Casas (2018), viu neste ano um artista diferente. O medo confesso de explorar novas vertentes deu lugar a um projeto de experimentação que conseguiu coordenar sua sensibilidade inerente em novos formatos e com novas parcerias. Lançado em março pela Coala Records, As Palavras - Vol. 1 & 2 trouxe o carioca para espaços inexplorados para ele até então. Do flerte - modesto - com o funk, ao pagode; de parcerias como MC Carol a Milton Nascimento, Rubel renovou a si próprio como um cronista de um Brasil mais profundo do que aquele visto em sua obra até então. O caminho, ainda longo, acabaria com uma pausa forçada para tratar uma condição cardíaca. Mas o que conseguiu apresentar em seu relançamento, é mais do que uma amostra do que ele ainda deve oferecer pela frente. Seu coração está no lugar certo. Suas palavras, também. (Eduardo do Valle)
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Zebra, crocodilho, leão e hiena são alguns dos animais que Letrux usa para intitular as faixas de Letrux como Mulher Girafa e criar metáforas sobre as relações humanas. Ela transformou o apelido pejorativo que recebeu na infância em uma definição positiva — resultado do fascínio pela beleza das girafas. Como escreveu nas redes sociais, o ano “rasgou mental e fisicamente” a cantora, que descobriu um tumor borderline no ovário e passou por cirurgia. O terceiro álbum de estúdio de Letícia Novaes mistura modernidade com as sonoridades que podem fazer falta no mainstream. Além disso, o disco tem participação de Lulu Santos e DJ João Brasil. Na edição do Coala Festival deste ano, a artista recebeu no palco, ainda, Angela Ro Ro, outro ícone da música brasileira. Assim como Letrux Aos Prantos (2020), Letrux como Mulher Girafa não decepcionou crítica, nem público. (Heloísa Lisboa)
Rico Dalasam usa sua poesia como uma maneira de enfrentar suas próprias questões. Em Escuro Brilhante, Último Dia no Orfanato Tia Guga (2023) ele faz isso para falar de amor e, mais do que isso, se apoderar do sentimento, se levando pelo braço, como diz o rapper em “Doce,” poema que abre o álbum. Um dos destaques é “Quebrados”, parceria entre o artista e a voz incomparável de Liniker. A canção “Imã” deve ser a mais animada de todo o projeto e é daquelas que não esquecemos após ouvir pela primeira vez, quando mal percebemos estamos cantarolando o refrão que gruda “como um imã, como um imã, como um imã”. (Pedro Figueiredo)
Se Caetano Veloso demonstrou sua admiração por Xande de Pilares ao cantar uma “Tá Escrito” nas turnês de Ofertório, o sambista retribui o gesto ao gravar todo um álbum dedicado ao santo-amarense. Em Xande Canta Caetano (2023) conhecemos uma nova faceta de um dos músicos mais populares do país, emprestando sua personalidade a um de nossos compositores mais celebrados. Uma das faixas mais belas é “Tigresa,” a canção que já foi gravada pelas fundamentais Gal Costa e Maria Bethânia e, mais recentemente, pela voz precisa de Filipe Catto, ganha, na voz de Xande, um ar elegante. Destaque para o uso muito bem aplicado do uso de instrumentos do samba nas canções. (Pedro Figueiredo)
Conhecido pela extensa carreira no rap, com músicas solo ou como parte do Planet Hemp, banda com a qual ficou amplamente conhecido no Brasil, Marcelo D2 também costuma mostrar outras facetas na música, especialmente no samba, gênero que explorou bastante no disco Assim Tocam os MEUS TAMBORES (2020), mas veio com tudo em IBORU, lançado em 14 de junho.
O álbum é o projeto mais diferenciado de D2, que quase não canta rap, mas mantém acesa a chama do hip hop, de certa forma, pelas 16 faixas. O que, nem de longe, depõe contra o resultado para lá de autêntico, emocionante muitas vezes — e com muito samba. (Felipe Grutter)
No primeiro dia da história do The Town, o público esperava pelos mais diversos shows, como Post Malone, Demi Lovato, Urias, Tasha & Tracie, Criolo e mais. No entanto, ninguém esperava a forte e duradoura chuva que cairia no começo da noite daquele dia 2 de setembro de 2023.
No entanto, isso não foi capaz de impedir Mano Brow, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue, o Racionais MC's, e sua grande convidada, a Orquestra Sinfônica Heliópolis, de fazerem história. Quando os rappers entraram no palco, a chuva tinha recuado, mas voltou com tudo no decorrer da apresentação.
Foi muito interessante e diferente ouvir e ver a performance de músicas lendárias do rap brasileiro, como “Jesus Chorou” e “Vida Loka, Pt. 1” com muita chuva caindo do céu. Além disso, o quarteto apenas comprovou como, mesmo após 30 anos de carreira, consegue sustentar o show e fazer uma apresentação como ninguém, com muito carisma, presença de palco, mensagem importantes e impactantes e esmero. A conclusão é única, a do privilégio de ser contemporâneo ao fenômeno do Racionais MC’s, que seguem reapresentando o hip hop em todo seu potencial. (Felipe Grutter)
Completando 15 anos de carreira a partir do lançamento do seu primeiro EP, Saga, Filipe Catto tornou-se artista essencial quando pensamos no poder da música como agente transformador, na força do ao vivo como um instrumento de não-conformidade, no estar no palco como veículo para mensagens-músicas, no uso do corpo como libertação, tesão, glória, dor, (des)amor.
Seu projeto Belezas São Coisas Acesas por Dentro, uma reinvenção a partir de parte do repertório de Gal Costa, teve início como um show-homenagem e ganhou registro em estúdio (pelo selo Joia Moderna Discos). Catto contou com roteiro dos escritores Cristiane Lisbôa e Ismael Cannepele e o power trio formado por Fábio Pinczowski (guitarra e direção musical), Gabriel Mayall (baixo) e Michelle Abu (bateria). Munida de sua verve transgressora – que acompanha os trabalhos da multiartista desde sempre, incluindo aqui suas lives pandêmicas –, vemos um novo Nascimento de Vênus (nome de seu disco anterior) que, em pleno processo pessoal de afirmação de gênero, se mostra em total liberdade de experimentar.
“Gal é a matriz fundamental das cantoras brasileiras. Ela deu tudo para gente: o rock, o samba, a bossa nova, a rebeldia, a elegância”, reconhece Catto. E é no rock que a cantora e compositora gaúcha radicada em São Paulo se encontra, se perde e se mimetiza com sua Gal pessoal em canções como “Vaca Profana”, “Tigresa”, “Nada Mais”, “Esotérico” e “Negro Amor” alternando sentidos e emoções neste espetáculo único (show e disco), visceral, inesquecível. Neste momento vemos uma nova Gal, uma nova Filipe. Desnuda. Tímida e espalhafatosa.
“E o resto inunde as almas dos caretas”, diz Caetano Veloso em “Vaca Profana”. (Ademir Correa)
No ano que viu mega turnês e residências movimentarem a indústria brasileira do entretenimento, os Titãs provaram seu nome mais uma vez com aquele que um dos mais audaciosos projetos nacionais de 2023.
É verdade que a reunião - ou Encontro - do grupo já era anseio antigo. Desde que Arnaldo Antunes partiu para seu caminho, fora do octeto roqueiro, há mais de três décadas, fãs pediam o retorno à formação original, de de Nando Reis, Paulo Miklos, Charles Gavin, Tony Bellotto, Branco Mello e SérgioBritto, além de Antunes, é claro. Faltaria apenas Marcelo Fromer, o lendário guitarrista, morto em um acidente em 2001. O que talvez fosse difícil imaginar até pouco mais de um ano atrás, seria a proporção que a turnê de reencontro tomaria.
Promovida sob a batuta da 30e, a turnê Titãs Encontro foi anunciada em novembro de 2022, com 10 datas e início previsto para abril. Corte seco e o grupo deverá encerrar 2023 (sim, porque ainda resta uma apresentação na virada em Fortaleza) com um total de 46 shows, incluindo três datas em Portugal e nos Estados Unidos. Em toda a turnê arenas e casas de shows lotadas - foram 26 datas esgotadas - celebraram os 40 anos de um dos maiores fenômenos do rock nacional.
No palco, a devoção e a honestidade dos sete integrantes foi total, garantindo em cada centímetro de palco a presença do Titãs, aquele, a banda completa. Foi assim com a entrega de Branco Mello, que cantou alto mesmo sem voz, após uma série de cirurgias na garganta. Ou com a homenagem a Marcelo Fromer, feita de maneira emocionante com a presença de sua filha, Alice Fromer. Com o discurso político de Nando Reis, um alívio. E com o final apoteótico de cada show, quase superado pela plateia toda vez, em "Sonífera Ilha".
Presença confirmada em 2024, como headliner na próxima edição do Lollapalooza, o Encontro dos Titãs era aquilo que o rock nacional não sabia, mas precisava. (Eduardo do Valle)