Mais de 200 artistas assinaram carta que defende uso responsável das tecnologias; Billie Eilish, Stevie Wonder e Katy Perry também apoiaram iniciativa
Publicado em 07/05/2024, às 10h30
O debate sobre o uso de inteligência artificial na música segue constante. As ferramentas podem ser empregadas para emular com perfeição vozes de grandes artistas em canções que eles nunca gravaram, compor discos inteiros a partir de uma simples execução de algoritmo ou outras formas mais técnicas de exploração, como “limpar” registros com ruídos ou algo do tipo.
Diversos grandes artistas do pop e rock entraram na discussão. E a opinião deles não é nada amistosa.
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Uma carta aberta publicada pela ONG Artists Rights Alliance pede a empresas de tecnologia e profissionais do ramo que a IA deixe de ser utilizada de forma considerada “irresponsável”, desvalorizando os direitos autorais. Mais de 200 artistas constam como signatários, a exemplo de Pearl Jam, Jon Bon Jovi, Billie Eilish, Stevie Wonder, Katy Perry, Jason Isbell, Nicki Minaj e Elvis Costello. Representantes da obra de Frank Sinatra e Bob Marley também apoiaram a iniciativa
Um trecho do texto diz que os autores acreditam haver “potencial enorme na inteligência artificial para dar avanço à criatividade humana e permitir o desenvolvimento de novas e empolgantes experiências para fãs de música”. No entanto, isso só seria atingido com o uso “responsável” da tecnologia.
“Infelizmente, algumas plataformas e desenvolvedores estão usando IA para sabotar criatividade e minar artistas, compositores, músicos e detentores de direitos autorais.”
A ONG, apoiada pelos artistas, afirma que “quando usada de forma irresponsável, a inteligência artificial representa enormes ameaças à nossa capacidade de proteger a nossa privacidade, identidades, música e meios de subsistência”. E complementa:
“Sem permissão, algumas das maiores e mais poderosas empresas usam o nosso trabalho para treinar modelos de IA. Estes esforços visam diretamente a substituição do trabalho de artistas humanos por enormes quantidades de ‘sons’ e ‘imagens’ criados por IA, que diluem substancialmente os direitos autorais pagos aos artistas. Para muitos músicos, artistas e compositores que estão apenas tentando sobreviver, isso seria catastrófico.”
Por fim, a carta pede que “este ataque à criatividade humana deve ser interrompido”. Em seguida, completa:
“Devemos nos proteger contra o uso predatório da IA para roubar vozes e imagens de artistas profissionais, violar os direitos dos criadores e destruir o ecossistema musical. Apelamos a todos os desenvolvedores de IA, empresas de tecnologia, plataformas e serviços de música digital para que se comprometam a não desenvolver ou implantar tecnologia, conteúdo ou ferramentas de geração de música que prejudiquem ou substituam a arte humana de compositores e artistas ou nos neguem uma compensação justa por nosso trabalho.”
Em declaração publicada junto à carta, a diretora executiva da Artists Rights Alliance, Jen Jacobsen, afirmou:
“Músicos profissionais já têm dificuldades de pagar as contas no ambiente de streaming, e agora tem que se preocupar em competir contra uma avalanche de barulho gerado por IA. O uso antiético de geração de inteligência artificial para substituir artistas humanos vai desvalorizar todo o ecossistema musical – para artistas e fãs.”
Um dos grandes nomes da música a não poupar críticas ao uso de inteligência artificial nessa área é Ed Sheeran. Em entrevista ao Audacy (via American Songwriter), o dono de hits como “Thinking Out Loud” e “Shape of You” recorreu à ficção para dizer que as pessoas deveriam estar cientes dos possíveis problemas causados pelo uso indiscriminado de tecnologia.
“O que não entendo sobre a inteligência artificial é que, nos últimos 60 anos, os filmes de Hollywood vêm dizendo: ‘não faça isso’. E agora todo mundo está fazendo isso. E eu fico tipo: ‘você não viu os filmes em que eles matam a todos nós?’. Além disso, simplesmente não sei por que você precisa disso – se você está tirando o emprego de um ser humano, acho que provavelmente é uma coisa ruim. O ponto principal da sociedade é que todos nós desenvolvemos trabalhos. Se tudo for feito por robôs, todo mundo vai ficar sem trabalho.”
Em entrevista à Kerrang! Radio (via Blabbermouth), o vocalista do Slipknot, Corey Taylor, seguiu raciocínio parecido. Para ele, a IA é apenas uma evolução acomodada de outras ferramentas que corrigem vozes desafinadas ou performances ruins.
“Para ser honesto, eu não estou nem aí para nada disso. Não sei o que as pessoas estão tentando provar. Elas estão tentando provar que os computadores podem fazer as coisas tão bem quanto as pessoas? Porque, se sim, então qual é o ponto? um exemplo ainda pior da tecnologia substituindo o talento do que venho reclamando há anos com o Pro Tools, afinando e usando os mesmos sons. E as pessoas continuam a dizer: ‘oh, não é legal?’. Não, não é legal. Você está maluco?”
Outro grande vocalista do heavy metal contemporâneo a demonstrar sua opinião sobre inteligência artificial é M. Shadows. O frontman do Avenged Sevenfold, porém, discorda completamente de Taylor e diz que ficaria feliz até mesmo em ceder sua voz para que a tecnologia crie músicas e performances a partir dela.
Fora do som pesado, o ídolo alternativo Nick Cave demonstrou ter um posicionamento parecido com o de Taylor. Para ele, IA não tem nada a ver com arte, pois compor uma música é um ato profundamente humano.
Guitarrista do Queen e entusiasta da ciência — não à toa, PhD em astrofísica —, Brian May disse à Guitar Player que tem uma série de preocupações em torno do tema.
“Não saberemos qual é o caminho para frente. Não saberemos o que foi criado pela IA e o que foi criado pelos humanos. Tudo vai ficar muito confuso. Acho que podemos olhar para 2023 como o último ano em que os humanos realmente dominaram a cena musical. [...] O potencial da inteligência artificial para causar o mal é, obviamente, enorme. Não apenas na música, porque ninguém morre na música, mas pessoas podem morrer se a IA se envolver na política e na dominação mundial de nações.”
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Desde 2007 escreve sobre música, com foco em rock e heavy metal. Colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022, mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram, X/Twitter, Facebook, Threads, Bluesky, YouTube: @igormirandasite.