A polêmica capa de álbum em que Young Thug aparece de “whiteface” é, na verdade, uma obra de arte?
Não é a primeira vez que a arte de capa de Young Thug chama atenção
ROLLING STONE EUA
Tem sido meses difíceis para Young Thug. Seu mais recente disco de estúdio, Uy Scuti, recebeu uma recepção morna por parte dos fãs, apesar de ser seu primeiro projeto desde a libertação da prisão em 2024, após passar mais de 900 dias atrás das grades. Isso é visível em seu semblante durante entrevistas, em que o peso do encarceramento e do escrutínio público aparece claramente em seu rosto. Antes do lançamento do álbum, uma enxurrada de ligações telefônicas da prisão, vazadas e revelando seus sentimentos sobre tudo — de Gunna a Drake — se espalhou rapidamente pelas redes sociais.
Ainda assim, Uy Scuti apresenta lampejos do brilhantismo de Thug, principalmente em sua arte de capa, que é puro Thug no auge. A capa traz um retrato em close-up do rapper transformado em uma pessoa branca. No Instagram, ele compartilhou a imagem com a legenda: “SE VOCÊ QUER SER O MAIOR… VIRE BRANCO!!” O gesto soa refrescante em um sentido subversivo e de arte conceitual. Aqui está um músico enredado na rede do sistema de justiça criminal americano, cuja existência como homem negro no Sul carrega uma noção profundamente enraizada de como o racismo permeia cada aspecto da cultura americana — que vira nossa consciência racial de cabeça para baixo.
Em entrevista ao podcaster Big Loon, Thug explicou seu raciocínio por trás da capa: “Eu acho que foi só uma parada engraçada, mas ainda assim séria o bastante para eu seguir adiante”, disse. “A gente sempre brincava e zoava no meu bairro: ‘Cara, você quer ser o maior, vire branco.’ É só uma narrativa que o mundo pinta. E a gente só foi com essa narrativa.”
Ver essa foto no Instagram
Claro que nem todos apreciaram a visão de Thugger. Pouco após divulgar a capa no Instagram, as redes foram inundadas por fãs desapontados ridicularizando a arte. Das piadas sobre sua semelhança com o ex-jogador da NBA Delonté West a comentários de que a capa prejudicaria os streams do álbum, a provocação de Thug, pela primeira vez, não causou o impacto esperado. Esse é o mesmo artista que posou nu na capa de Barter 6 (2015) e que vestiu um vestido na capa de Jeffery. Talvez um prenúncio da reação ao álbum, parece que suas ideias provocativas não estão surtindo o mesmo efeito de antes.
Ainda assim, o tempo dirá se Thug tem um ponto. Há algo de fato impactante na capa. Do ponto de vista histórico-artístico, ela dialoga com obras que já vimos no passado, que tanto causam desconforto quanto expõem problemas estruturais maiores de nossa cultura.
“Eu acho que está claro que ele está comentando sobre a narrativa do ‘Branco é Certo’, que ainda permeia não só os EUA, mas também a África — especialmente com os cremes de clareamento facilmente acessíveis em países da África e na Índia”, diz K.O. Nnamdie, curador e galerista em Nova York. “A capa realmente me lembrou da obra de 1988 How Ya Like Me Now?, de David Hammons, que retrata Jesse Jackson de terno azul, gravata vermelha, olhos azuis e pele branca.”
Nnamdie lembra que aquela peça também gerou enorme indignação pública. Tanto que, após ser instalada em espaço aberto em Washington, D.C., foi atacada com marretas, forçando sua remoção para um espaço fechado. Depois, Hammons incorporou as próprias marretas à exposição, organizando-as em semicírculo, quase como guardiãs da pintura.
Anos depois, o whiteface volta a capturar a imaginação pública. A incursão recente de Druski foi recebida de forma muito mais positiva, talvez pela forma convincente com que foi feita. “Já vimos outros personagens negros usarem whiteface antes? Sim. Tyler, the Creator já fez isso em vários clipes. Os irmãos Wayans também, em As Branquelas”, observa Nnamdie. “O fantástico dessa capa é que você acaba concedendo a ele a mesma graça que daria a uma pessoa branca — ou seja, parecer alguém comum. E, pela primeira vez, esse homem negro tão reconhecível, um ícone, parece apenas uma pessoa qualquer.”
Como em qualquer obra de arte, o contexto em que ela existe diz muito — e, dado o ano que Thug teve, há algo fascinante na ousadia com que ele oferece o que soa como um comentário sobre como artistas negros e brancos são promovidos de maneiras diferentes na indústria da música. Em sua entrevista, ele brinca: “Você quer ser o maior desse mundo, tem que ser o Eminem.” Embora dito em tom de piada, é difícil ignorar a maior vendabilidade de rappers brancos em relação a rappers negros, especialmente nos últimos anos.
“Eu acho ótimo que Thugger consiga brincar com essa interpretação ou expandi-la, tornando-a mais complexa”, acrescenta Nnamdie. “Acho até inteligente, porque faz as pessoas encararem o próprio espelho de suas projeções.”
+++LEIA MAIS: Young Thug chora ao falar sobre a ‘traição’ de Gunna em nova entrevista