ENTREVISTA RS

Adi Oasis fala sobre seu novo projeto e a face cruel do streaming: ‘Eu literalmente fui roubada’

Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, a cantora franco-caribenha ainda falou sobre maternidade, o momento viral que mudou sua carreira e a colaboração com Kaytranada

Kadu Soares (@soareskaa)

Adi Oasis
Foto: Divulgação

O roupão branco não estava no planejamento. Não havia plano B, roteiro ou aprovação de equipe. Adi Oasis simplesmente decidiu subir no palco assim em um de seus shows — vulnerável, crua, sem armadura. “Foi tipo, yeah, foda-se, sabe?”, ela relembra, e é impossível não sentir que aquele momento condensou tudo que viria depois: uma EP chamada Silver Lining (2025), junto de uma série no Instagram batizada de Bathrobe Confessions e uma artista finalmente disposta a dizer as verdades que a indústria musical prefere manter nos bastidores.

Mas o surpreendente não foi a ousadia do gesto. Foi a reação. “Eu não sabia que ia inspirar as pessoas tanto”, admite. O que começou como um impulso de palco — libertar-se, conectar-se, sentir — virou símbolo de uma fase inteira. E se tem algo que Adi aprendeu nos últimos anos, entre dar à luz, acumular 180 milhões de streams e descobrir que esse número não paga as contas, é que vulnerabilidade não é fraqueza. É a única forma honesta de existir.

Mas, antes do roupão, houve o nascimento do seu filho. Apesar de não entrar em detalhes, Adi deixa claro que aquilo mudou tudo. “Como mulher, eu pude ver a força interior que a gente tem, que a gente nem sabe que tem”, diz. É dessa força que nasce Silver Lining, projeto de seis faixas que marca um novo capítulo na carreira da baixista, cantora e compositora conhecida por fundir neo-soul, grooves caribenhos e uma presença de palco magnética.

O título não é acidental. Silver Lining — a linha tênue entre o lado bom e ruim das coisas — surgiu de um período em que Adi precisou transformar raiva em perspectiva, medo em coragem criativa. “Eu passei por uma fase em que estava muito brava”, ela conta. O motivo? O sucesso global de Lotus Glow (2023), seu álbum anterior, revelou uma conta que simplesmente não fecha na era do streaming. “Se isso fosse o final dos anos 90 ou começo dos 2000, eu seria milionária. Mas não foi o caso. Eu literalmente fui roubada. A gente está sendo roubado”.

A irritação é justificada. Com números expressivos — Lotus Glow ultrapassou 180 milhões de streams, gerou turnê mundial com ingressos esgotados e ganhou uma versão deluxe com participação da brasileira Luedji Luna em “Multiply” —, Adi se viu diante de uma realidade brutal: o modelo de negócios das plataformas de streaming não sustenta artistas. “São $0,003 por stream. É um insulto. A gente só precisa ganhar a vida”, dispara.

Mas em vez de permanecer na revolta, Adi decidiu criar conscientização. “Especialmente com as pessoas que consomem — de novo, não é culpa delas. Elas têm assinatura do Spotify e pra elas têm acesso ilimitado a essa música. Mas eu percebi: espera aí, você sabe que por causa disso a gente mal está sendo paga?”

Bathrobe Confessions: um lugar para falar de tudo isso

Dessa percepção nasceu Bathrobe Confessions, série no Instagram em que Adi conversa com outros artistas sobre os bastidores da indústria, processos criativos e, principalmente, as questões que ninguém quer discutir publicamente. A escolha da primeira convidada não foi casual: Kadhja Bonet, cantora que tomou a decisão radical de não lançar sua música em DSPs (serviços de streaming digital).

 

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“Eu não tenho a coragem ou a estrutura pra fazer isso, então senti que queria dar uma plataforma pra ela e pelo menos deixar as pessoas saberem sobre isso”, explica Adi. O roupão, claro, virou uniforme oficial da série. “Funciona porque é realmente sobre ser vulnerável, e tudo tem um subtom de manter a esperança”.

Para Adi, a série preenche uma lacuna importante: “A gente faz muitas entrevistas, mas não ouvimos muito o que artistas dizem pra outros artistas. É sobre compartilhar o que a gente passa em comum”. E o momento não poderia ser mais urgente. “Tem tanta coisa acontecendo na indústria musical que precisa ser discutida. Como os DSPs e como o Spotify não nos paga o suficiente e como deveríamos estar ganhando muito mais do que estamos”.

Entretanto, quando questionada se o futuro é artistas abandonarem as plataformas de streaming, ela é realista: “Acho que é tarde demais pra voltar atrás. Acho que o futuro é definitivamente continuar fazendo shows, o que também vai nos ajudar a lutar contra a música feita por inteligência artificial, que está logo ali e é o próximo problema pra gente”.

A solução, para ela, passa por três frentes: música ao vivo tanto quanto possível, retorno das cópias físicas e uma redistribuição radical do dinheiro gerado pelo streaming. “DSPs são ok, mas a gente precisa distribuir o dinheiro de forma diferente”.

Falando de Silver Lining

Se Silver Lining marca um posicionamento político mais explícito de Adi Oasis, a EP também representa uma evolução sonora significativa. A diferença começa nos créditos: pela primeira vez em sua carreira, Adi não toca baixo em três das seis faixas. Quem assume o instrumento é Kaytranada, produtor canadense conhecido por fundir funk contemporâneo, jazz e experimentação eletrônica com uma habilidade rara de soar simultaneamente retrô e futurista.

“Eu realmente gostei de trabalhar com o Kaytranada. Ele tem um som tão específico que eu procurei ele porque realmente curti esse som”, conta Adi. Os dois se conheceram nos bastidores de um festival na Inglaterra, eram fãs mútuos e decidiram na hora: vamos colaborar. “Você nunca sabe como vai ser. Não sabe se vai funcionar. Mas a gente entrou no estúdio e realmente tivemos uma boa conexão musical”.

O resultado foram três faixas — e uma admiração declarada. “Aprendi muito com a forma como ele faz as coisas. A gente tem uma abordagem muito diferente. Eu sou muito mais old school e orgânica, e eu gosto da habilidade dele de soar muito old school mas ao mesmo tempo muito hoje. Acho que ele é um dos melhores em fazer isso”.

Para Adi, que sempre foi reconhecida pelas linhas de baixo marcantes e pela formação em música ao vivo, abrir mão do controle foi libertador. “São as primeiras vezes que não estou tocando baixo nas músicas — ele está tocando. Então pareceu uma entidade separada. Pareceu um projeto separado pra mim por causa disso”. E essa diferença se estende à produção geral: Silver Lining usa bateria programada, ao contrário de Lotus Glow, que privilegiava elementos tocados ao vivo. “Acho que essa é uma das principais diferenças: as baterias não são ao vivo e tem menos elementos ao vivo, o que é inerentemente mais moderno”.

Mas Adi faz questão de esclarecer: não é nostalgia. “Tento não soar como se tivesse sido feito antigamente. Essas são coisas que você faz na mixagem”. O equilíbrio entre tradição e inovação é consciente, calculado. E funciona.

Curiosamente, Adi revela que sempre se sentiu mais confortável como cantora do que como baixista — mesmo que o público a conheça primeiro pelo instrumento. “Eu canto como respiro. O baixo veio pra mim depois”, diz. Em Lotus Glow, ela estava tão envolvida na criação musical que “é quase como se a cantora fosse a última pessoa em quem eu pensei”.

Agora, com a identidade sonora estabelecida, ela se permitiu ir além. “Eu estava tipo: o que mais eu posso fazer? E senti que queria me divertir mais com meus vocais”. Não é coragem, ela esclarece — é liberdade. É saber quem você é e não precisar provar nada além disso.

E quanto à pressão de criar algo novo depois do sucesso global de Lotus Glow? “Eu realmente não senti muita pressão porque estou tão feliz com Lotus Glow e também sempre sinto que posso fazer melhor, e eu tinha tanta inspiração. Enquanto há inspiração, não há pressão”.

Divas, vulnerabilidade e “Stuck In My Head”

“Stuck In My Head”, grande hit da EP, sintetiza essa dualidade. Adi a descreve como “energia de divas clássicas com a estética de amanhã” — e quando perguntada sobre quais divas a inspiram, a resposta vem rápida: “Meu Deus, tenho tantas, mas minhas divas são Chaka Khan, Aretha FranklinCardi B“.

A faixa é dançante, elétrica, expansiva, feita para traduzir ao vivo a potência que Adi carrega. Mas a letra vai além da energia. “É mais sobre uma obsessão com algo e sobre não ter vergonha de estar realmente apaixonada por algo ou alguém. É sobre vulnerabilidade, porque em relacionamentos em particular, a coisa mais difícil de fazer é ser vulnerável e simplesmente dizer. É meio que sobre isso — simplesmente seja vulnerável”.

Existe um padrão emergindo aqui. Vulnerabilidade no palco, vulnerabilidade nas letras, vulnerabilidade nas conversas sobre dinheiro e indústria. Para Adi, tudo se conecta. E tudo remete àquele momento fundador: dar à luz, descobrir uma força desconhecida, decidir que “foda-se” é uma filosofia válida de vida e arte.

Brasil: terceiro lar físico, primeiro no coração

Se há um lugar onde Adi sente essa ausência de pressão e abundância de conexão, é o Brasil. O país é seu segundo maior mercado — e ela percebeu isso da forma mais orgânica possível. “Comecei a notar no Instagram que estava recebendo muitos comentários em português. O legal também com muitos fãs brasileiros é que todos colocam uma bandeira brasileira ao lado dos comentários. Então é muito fácil identificar de onde os comentários estão vindo. Eu fiquei tipo: o que está acontecendo, Brasil?”

A resposta veio quando ela finalmente pisou no país. “Quando consegui me apresentar lá, fiquei simplesmente impressionada. Eu amo o público. Amo a energia. Parece meu terceiro lar”. Nova York, Paris, São Paulo — essa é a trinca que define a geografia afetiva de Adi. E não é só sentimento: seu marido viaja muito ao Brasil a trabalho, então “realmente funciona”.

Durante a última passagem pelo país no ano passado, com shows esgotados no Blue Note em São Paulo e no Rio, Adi gravou “Cheirinho” com o duo carioca YOÙN — sua primeira música cantada em português. A faixa, que integra Silver Lining, celebra a maternidade e marca um dos momentos mais especiais dessa fase criativa.

“Eu estava no Brasil por um mês e realmente queria fazer música lá. Entrei em contato com alguns artistas que eu realmente gostava, adorei a música do Yunk Vino e estávamos lá ao mesmo tempo”, conta. O encontro, pensado inicialmente só para se conhecerem, virou sessão de estúdio no hotel Chez Georges — que tem um estúdio próprio. “Acabamos escrevendo essa música e aconteceu muito naturalmente”.

Cantar em português foi desafio e prazer. “Eu disse que adoraria cantar em português. Eles me ajudaram, tiveram paciência comigo e quando gravamos eles me orientaram”. E, com a convicção de quem não reconhece fronteiras linguísticas, Adi declara: “Sinto que toda língua é minha. É meio que assim que me sinto. Amo tanto as línguas e pra mim línguas são apenas música”. Ela fala vários idiomas, e o português “parece logicamente o próximo. Preciso começar a estudar, mas entendo tudo”.

A conexão com artistas brasileiras vai além. Luedji Luna, que participa da versão deluxe de Lotus Glow em “Multiply”, virou amiga próxima. “Essa é minha garota. Luedji Luna é minha amiga e ela é minha irmã. Amo ela demais”. A parceria surgiu quando a gravadora quis fazer uma versão deluxe e Adi, que já havia tentado trabalhar com uma artista brasileira na época do álbum original sem sucesso, não desistiu. “Perguntei pra Luedji e ela escolheu ‘Multiply’ e tipo: vou escrever um verso pra isso. Fiquei muito, muito feliz. E viramos amigas. Ela é tão legal. Isso é o mais importante. Ela é tão gente boa”.

O que vem agora

No fim, Silver Lining é sobre exatamente o que o título promete: encontrar luz na escuridão, força na vulnerabilidade, coragem na verdade. Adi Oasis atravessou maternidade, sucesso massivo, desilusão financeira, raiva justificada — e decidiu que a única saída era pra frente. Com roupão e tudo.

“As confissões mais difíceis são falar sobre seus medos”, ela admite. “E eu coloco muito isso nas minhas músicas”. Talvez seja por isso que Silver Lining soa tão humano, tão urgente, tão necessário. Não é apenas uma EP sobre renovação pessoal. É um manifesto sobre como sobreviver — e prosperar — numa indústria que não valoriza adequadamente seus criadores. É sobre transformar $0,003 por stream em 180 milhões de razões para continuar criando. É sobre subir no palco de roupão e decidir que vulnerabilidade não é fraqueza.

É sobre fazer da música uma forma de resistência. E se isso não é silver lining, o que é?

E sobre o futuro? Adi é econômica mas clara. Quando perguntada o que espera que as pessoas sintam ao ouvir Silver Lining pela primeira vez, ela diz: “Quero que se sintam inspiradas a fazer algo que tinham medo de fazer”.

E o que vem depois deste novo capítulo? “Um álbum. Em algum momento — a gente sempre tem um álbum chegando, né? Mas estou trabalhando nisso”.

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Kadu Soares é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, possui um perfil no TikTok e um blog no Substack, onde faz reviews de projetos musicais.
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