Após 40 anos de amizade, pude me despedir de Ozzy em seu show de despedida
Em um trecho exclusivo de seu novo livro, Ozzy and Me, Stephen Rea vai aos bastidores do Back to the Beginning e encontra seu velho amigo pela última vez
ROLLING STONE EUA
Quando Stephen Rea tinha 15 anos, em 1984, seu pai o surpreendeu ao oferecer levá-lo da casa da família, na Irlanda do Norte, até o Brasil para ver Ozzy Osbourne, Queen e AC/DC no Rock in Rio. Sua mãe, procurando uma forma de reduzir o custo da viagem, entrou em contato com o Ozzy Osbourne Information Centre, o fã-clube de Ozzy no início dos anos 1980, para dizer que Stephen era um dos primeiros membros e perguntar se havia pacotes especiais para o festival. A assistente de Sharon Osbourne, Lynn, ligou inesperadamente e ofereceu ingressos gratuitos para a família, caso conseguissem chegar à América do Sul.
O show foi uma experiência transformadora para Rea, que conheceu Ozzy ali e iniciou uma amizade que duraria até a morte do cantor, no último verão. Em 1996, Ozzy presenteou Rea com dois cadernos de capa de couro e o incentivou a manter um diário. Essas lembranças formaram a base do novo livro de Rea, Ozzy & Me: Life Lessons, Wild Stories, and Unexpected Epiphanies from Forty Years of Friendship with the Prince of Darkness (“Ozzy & Eu: Lições de Vida, Histórias Selvagens e Epifanias Inesperadas de Quarenta Anos de Amizade com o Príncipe das Trevas”, na tradução livre), lançado hoje. O filho de Ozzy, Jack Osbourne, escreveu o prefácio.
Rea registrou suas memórias até este verão, quando voou para Birmingham para o show de despedida de Ozzy — o festival beneficente Back to the Beginning, realizado em julho de 2025. Em um trecho exclusivo do livro obtido pela Rolling Stone, Rea descreve a emoção daquele dia, quando recebeu a tarefa de conseguir autógrafos de todos os artistas do evento em um pôster — e como isso levou a um momento especial, cara a cara, com Ozzy no fim da noite.
Back to the Beginning
Villa Park
Birmingham, Inglaterra
5 de julho de 2025
Em fevereiro de 2025, Lynn me mandou uma mensagem pedindo que eu a ligasse. Na tarde seguinte, o show Back to the Beginning foi anunciado para 5 de julho. Um último show de Ozzy e do Sabbath, no estádio de futebol do Aston Villa, em Birmingham — a poucos metros de onde a banda havia se formado, uma vida atrás. Junto deles, um verdadeiro “quem é quem” do rock tocaria de graça, prestando homenagem aos mestres originais do metal: Metallica, Guns N’ Roses e Alice in Chains, entre outros. Lynn, que ainda trabalhava meio período com Sharon, me avisou com antecedência para que eu pudesse reservar um dos últimos quartos do hotel usado pela equipe, a apenas sete minutos de caminhada do local. E foi o que fiz.
Os ingressos começaram a ser vendidos às 4h da manhã no horário de Nova Orleans, então acordei com capturas de tela de amigos britânicos tentando comprá-los. Em uma delas, o site da Ticketmaster dizia: “Você está agora na fila. 120.597 pessoas à sua frente.” Eu confiava que alguém, em algum lugar, daria um jeito de me colocar para dentro.
Algumas semanas depois, voei para Belfast. Coincidentemente, Adam Wakeman, tecladista de Ozzy e do Sabbath, estava se apresentando na Irlanda do Norte com seu projeto paralelo, Jazz Sabbath. Ele me colocou na lista de convidados, e tomamos uma bebida depois do show.
Eu disse: “Aposto que estão te infernizando por ingressos para o show, né?” Ele riu. “Vou fazer um post no Instagram com todos os pedidos malucos. Tem cara que não fala comigo há anos pedindo sete ingressos”.
Contei que eu mesmo não tinha ingresso, mas esperava conseguir ir. Ele largou a caneca de chope e disse: “Vou tocar o dia todo. Estou nas jams, com o Ozzy, com o Sabbath — e acabei de gastar mil libras em ingressos para minha família”.
Fiquei paralisado, processando o que ele acabara de dizer. Soltei o ar devagar. “Bem, f***-se então”, falei. “Acho que vou ouvir de fora”. Fiz uma careta e virei o resto da cerveja.
Era sexta-feira. O fim de semana inteiro fiquei angustiado, calculando minhas opções, pensando quanto pagaria num ingresso de cambista. Na segunda, voei para Londres para ficar com Lynn — não a via havia três anos, e a visita estava marcada antes do anúncio. Conversamos por horas antes mesmo de mencionar o show, até que ela disse que eu não precisava de ingresso, porque havia me colocado na lista da equipe. Arranjariam tarefas para eu fazer. Senti uma onda de alívio como se tivesse sido encharcado pela pistola d’água do Ozzy.
Quarenta anos depois do Rock in Rio, Lynn ainda era minha fada madrinha.
Pousei em Birmingham em 29 de junho, aluguei um carro e busquei Lynn no hotel do centro. Ela já estava na cidade havia alguns dias, mas ia se mudar para um resort de golfe luxuoso no interior, onde Ozzy e Sharon estavam hospedados, a meia hora dali.
Sharon e Kelly desceram para cumprimentar — eu não via Sharon desde o Moonstock, em 2017, e Kelly desde o Voodoo Fest, em 2015. Tomamos um drinque depois do jantar, e então dirigi até o lugar onde eu ficaria. No dia seguinte, visitei as exposições especiais da cidade ligadas ao Back to the Beginning, e senti que aquele era também um retorno às minhas origens — voltei a alguns dos lugares que frequentava quando trabalhei ali, trinta e cinco anos antes.
No outro dia, fui designado como “runner” — levando familiares e membros da equipe, comprando suprimentos, transportando coisas para o Villa Park. Assim, fui acolhido de volta ao círculo, como um membro de confiança da família Osbourne. Parecia que eu nunca tinha ido embora. Como dizia [o ex-baixista de Ozzy e do Alice in Chains] Mike Inez: “Uma vez dentro, sempre dentro.”
Os testes de som de Ozzy e do Sabbath aconteceram na quinta-feira, 48 horas antes do show. Era a primeira vez que eu via Ozzy pessoalmente em sete anos, desde nosso último encontro em um show no Texas. De lá pra cá, ele enfrentara uma sequência de problemas de saúde e vinha lutando contra o Parkinson.
Ele foi levado em uma cadeira de rodas até uma plataforma hidráulica sob o palco, transferido para um trono gótico e então erguido. Fomos até a frente para ouvi-lo ensaiar “Mama, I’m Coming Home”, com Zakk [Wylde] na guitarra e Mike Inez no baixo. Já era uma música carregada de emoção, mas ver Ozzy ali, ouvir sua voz, sua mão tremendo enquanto segurava o microfone, fez meus olhos se encherem d’água. Quando o Sabbath subiu ao palco, Mike veio até mim.
“Cara, o que você tava pensando quando disse que talvez não viesse?”, ele perguntou. “Você não podia perder isso por nada neste mundo”.
Ele tinha razão. Nos dois dias seguintes, os bastidores pareciam a mais insana reunião de colégio de todos os tempos. O guitarrista Jake E. Lee e eu recriamos uma foto antiga — ele fazendo careta e puxando meu cabelo — tirada trinta e nove anos antes. Músicos que eu não via havia décadas, roadies com quem já tinha dividido ônibus, jornalistas com quem já tinha me embriagado… Todos que, em algum momento, passaram pela Terra de Ozz, se reuniram no Villa Park, em Aston, o bairro onde ele cresceu. Sem egos, sem dramas.
NO DIA DO SHOW, me deram uma tarefa: Sharon queria um pôster autografado por todos os músicos que se apresentariam. Peguei o pôster e saí do camarim dela — o Guns N’ Roses acabara de encerrar o soundcheck, e o guitarrista Slash voltava para o hotel.
Estendi o pôster e uma caneta para ele, explicando do que se tratava. Ele pegou a caneta, apoiou o pôster em uma caixa de transporte e, antes de assinar, hesitou um instante, com a mão suspensa.
“Isso é mesmo pra Sharon?”, perguntou, me encarando.
“Garanto que é, sim”, respondi. Ele assentiu e assinou — o primeiro a fazê-lo. Passei o dia subindo e descendo escadas, cruzando o palco, correndo por corredores, atrás das bandas e dos membros das duas supergrupos. Os camarins se espalhavam por uma área enorme, e havia tantos artistas, técnicos e membros da produção que cada banheiro, canto e armário sob as escadas parecia esconder algum roqueiro famoso.
Entrei no camarim do Sabbath para pegar as assinaturas. Conversei com Geezer e Tony enquanto fazíamos isso — Geezer tirando sarro do meu sotaque e do meu time de futebol, convidando-me para visitá-lo nos Estados Unidos; Tony dizendo se lembrar de mim dos anos 1990; e Bill, sem camisa, aquecendo-se tranquilamente enquanto o relógio corria rumo ao início do show.
Por fim, fui ver Ozzy. [O assistente de Ozzy] Michael desenrolava os pôsteres para ele assinar enquanto eu os deslizava adiante, maravilhado com a sorte de estar ali novamente, poucos dias depois de ter sido reintegrado ao grupo — e já confiavam em mim o bastante para me deixar entre os poucos autorizados a entrar no santuário íntimo da realeza do rock, enquanto eles se preparavam para o auge de suas carreiras. Tranquei o pôster de Sharon no carro, para mantê-lo seguro. Tinha cerca de 80 assinaturas, das aproximadamente 90 pessoas que se apresentariam. O único exemplar do mundo — uma peça única de memorabilia do heavy metal. E que papel especial o meu: ser o cara que conseguiu todos aqueles autógrafos.
Vi pouco dos outros shows. Mas não havia chance de eu perder a apresentação de Ozzy — cinco músicas solo e quatro com o Sabbath. A equipe Osbourne, todos que haviam trabalhado com ele por décadas, assistiu da área VIP em frente ao palco. Ele estava em ótima forma, visivelmente emocionado com o amor derramado por dezenas de milhares de fãs que vieram de todas as partes do mundo para fazer parte da história.
Para nossa surpresa, Ozzy foi à festa pós-show — tínhamos certeza de que estaria exausto, física e emocionalmente. Sentado em uma enorme poltrona de couro, ele me viu e apontou. Fui até lá.
Apertei a mão dele. “Ozzy, foi fantástico hoje. Você estava incrível”, disse.
Ele deu um meio sorriso e deu de ombros. “É, não foi ruim, né?”, respondeu. Vindo de Ozzy — a pessoa mais autocrítica que já conheci, que nunca ficava satisfeito com o próprio som —, aquilo era praticamente um autoelogio. Conversamos um pouco, mas não quis monopolizar seu tempo e me afastei.
Dez passos depois, percebi que, com a minha saída, ele estava cercado por dezenas de curiosos — liggers, como dizem os britânicos, gente que se aglomera em torno de celebridades. Virei para [Robert Trujillo, baixista do Metallica e ex-baixista de Ozzy] e disse que ele devia ir até lá, protegê-lo dos desconhecidos. Robert foi — e logo me chamou de volta para me juntar a eles. Começou a contar quando entrou na banda, em 1996, e como eu estava lá, no Japão.
“Ele era só um garoto quando o conheci”, Ozzy disse a Robert, sorrindo. Apenas um garoto. Um fã. Depois um roadie. E, nas duas últimas décadas, um ligger. Mas ali, no último show dele, eu era tudo isso — e algo mais. Naquele momento íntimo entre nós dois, eu me senti seu amigo.
Dezessete dias depois, às 12h17, eu estava em Nova Orleans quando Lynn me ligou pelo WhatsApp. O nome dela apareceu na tela, e eu me levantei, indo para a sala ao lado do roteador, para ter uma conexão melhor.
“Alô!”, disse, animado por ouvir a voz dela.
“Onde você está?”, ela perguntou. Contei. “Que bom, você está em casa. Estou te ligando para dar a pior notícia possível”.
E então ela disse que Ozzy havia morrido.
DEPOIS DE ALGUNS DIAS HORRÍVEIS NA Louisiana, eu não aguentei mais e comprei uma passagem para Londres. Eu queria me sentir útil e estar com todo mundo. Poderíamos estar juntos novamente na Inglaterra — uma reunião que nenhum de nós esperava ou queria.
Nos dias que antecederam, em várias ocasiões escorregamos, tão acostumados a estar juntos como parte de outro mundo, e em vez de dizer “o funeral” ou “a cerimônia”, dizíamos “o show” ou “a apresentação”. Ozzy teria rido disso, uma última performance íntima.
Minha filha completou 18 anos no dia em que ele foi enterrado. Ela nasceu por causa do Ozzy — se eu não estivesse em Londres para a festa de aniversário dele em 1995, não teria conhecido sua mãe americana. Cancelei meu voo para a Carolina do Norte que eu tinha reservado para comemorar com ela. Mais uma vez, fui forçado a remarcar uma viagem por causa de uma obrigação inesperada relacionada ao Ozzy.
Não vou escrever sobre aquela semana — os Osbourne sempre viveram sob os olhos do público, mas eles merecem o direito de viver o luto em privado. No entanto, vou contar duas coisas que aconteceram.
Na manhã do enterro, fui acordado às 6h por um segurança do hotel. Eu estava dormindo de cueca no corredor, encostado a uma porta de saída de emergência.
“Senhor, podemos ajudá-lo a encontrar o caminho de volta para o seu quarto?”, ele perguntou.
“Sim, por favor, seria ótimo, obrigado”, respondi, tentando levantar do chão.
Acho que levantei durante a noite para urinar e abri a porta do corredor em vez da porta do banheiro. Eu tinha tomado algumas cervejas, mas certamente não o suficiente para apagar — só que mal dormia havia cinco dias, estava com jet lag, emocionalmente esgotado… deve ter sido demais.
Contei ao Jack [Osbourne] o que aconteceu. “Você fez um Dad!”, ele disse, e riu. Ozzy era famoso por encher a cara e depois sair andando dormindo pelos hotéis, acabando no saguão ou no quarto errado. Pelo menos eu estava de cueca. Costumo dormir nu, e imaginei ser preso por atentado ao pudor e perder o funeral do Ozzy porque estava na cadeia. Eu teria me arrependido para sempre. Ozzy teria adorado, sem dúvida.
Depois, cerca de 40 horas após a cerimônia, Jack entrou na cozinha da Welders House, onde eu estava esvaziando a lava-louças. Dos filhos do Ozzy, sempre fui mais próximo dele, e mantivemos contato mesmo nos anos em que não nos víamos.
Ele disse: “Stephen, quero fazer algo por você. Posso escrever o prefácio do seu livro?”
Menos de dois dias após o enterro, ele já estava pensando em ajudar os outros. Esse é o jeito Osbourne. É como a mãe dele é. E como o pai dele era, até a última vez que o vi.
O TELEFONE TOCOU NO MEU QUARTO DE HOTEL. Uma convocação para a cobertura do Ozzy Osbourne.
Eram 10h36 da manhã do dia seguinte ao último show, que encerrou uma carreira impressionante de 57 anos. Eu estava arrumando as malas, pronto para fazer o check-out, no fim de uma das melhores semanas da minha vida. Era uma mensagem de texto: “Ozzy quer te ver antes de partir, então talvez venha por volta das 11h30.”
Fiquei tão surpreso quanto quarenta anos antes, quando Ozzy convidou meus pais e eu para o café da manhã no dia seguinte ao Rock in Rio. Comecei a me ocupar com as malas, sem parar para pensar. Eu sabia que, se pensasse demais, ia desabar. No saguão, Lynn estava tomando chá com uma amiga. Parei e coloquei a mão no ombro dela. “Ele quer me ver. Você vem comigo?”, perguntei, com o lábio tremendo. Ela me olhou, se levantou e segurou minha mão enquanto íamos até o quarto dele. Batemos na porta e fomos recebidos para entrar.
“Ozzy — olha quem é. Esse cara trabalhou pra caramba ontem”, disse Sharon, ainda de pijama.
Chorei o tempo todo que estive com ele. Não sei por quê. Acho que me senti com 15 anos novamente, honrado porque, mesmo cercado por uma galáxia de astros do rock, sua família, amigos e sabe-se lá mais quem, ele pensou em mim.
“Stephen, para com isso. Você vai me fazer chorar também se continuar assim”, disse Kelly, me abraçando.
Ozzy estava no iPad. Fingiu me dar um tapa na cabeça, como se quisesse me colocar juízo, mas acabou derrubando o tablet. Eu tinha mandado uma mensagem para Melinda pedindo para ela tirar uma foto espontânea nossa, e ela tirou várias. Sou muito grato por isso — o momento capturado para sempre, nosso último encontro, quarenta anos e seis meses depois daquela primeira foto juntos no bar do hotel em Copacabana.
Ozzy e eu nos abraçamos e eu chorei no agasalho dele. Ele voltou a olhar para a tela, e eu sabia que estava constrangido com o meu choro infantil. Me despedi.
“Ligue se precisar de qualquer coisa”, ele disse. “Nos conhecemos há muito tempo, Stephen Rea”.
Trecho de OZZY & ME: Life Lessons, Wild Stories, and Unexpected Epiphanies from Forty Years of Friendship with the Prince of Darkness, de Stephen Rea, com prefácio de Jack Osbourne. © 2025 por Stephen Rea. Prefácio © 2025 por Jack Osbourne. Reproduzido com permissão da Simon & Schuster, LLC.