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Avenged Sevenfold: desafiar para conquistar [ENTREVISTA]

Banda americana contrariou convenções, firmou-se como gigante da música pesada e, agora, celebra seus feitos com shows enormes no Brasil

Igor Miranda (@igormirandasite)

Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)
Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)

*Entrevista de capa da edição setembro/2025 da Rolling Stone Brasil |
Ao conversar com bandas de rock e metal, tem-se normalmente a impressão de que muitas conquistaram o sucesso ao acaso. Não é o caso do Avenged Sevenfold. Criada despretensiosamente por amigos de escola em 1999, a banda americana surgida no metalcore — e hoje com horizontes ampliados — não esconde que trabalhou duro pela consagração.

No âmbito da música pesada, isso é difícil. Tal tipo de som está fora do mainstream. Para ser definido como um artista de sucesso nesse meio, é preciso perdurar.

O Avenged, ou A7X, está entrando nesse patamar. E um evento em território brasileiro representará essa mudança: pela primeira vez, o grupo formado em Huntington Beach, na Califórnia, faz seu maior show em estádio sem ser em festival. Acontecerá em 31 de janeiro de 2026, no Allianz Parque, em São Paulo. Três dias antes, em 28 de janeiro, a banda de M. Shadows (voz), Zacky Vengeance (guitarra), Synyster Gates (guitarra), Johnny Christ (baixo) e Brooks Wackerman (bateria) toca na Pedreira Paulo Leminski, espaço em Curitiba. A 30e realiza a turnê, originalmente prevista para este mês de outubro, mas remarcada em função de um problema na voz de Shadows.

Por que no Brasil? Como explicar a popularidade inabalável do grupo em nosso país, para onde viajam pela sétima vez, após 2008, 2010, 2011, 2014 e 2024? “É porque as pessoas são muito inteligentes”, brinca M. Shadows, 44 anos, o mais eloquente dos membros, antes de elaborar: “Há certos lugares no mundo que realmente apreciam música agressiva e o aspecto teatral. E é algo cultural, passado adiante numa linhagem, de pai para filho”. Zacky Vengeance, 44, o mais reflexivo e idealista, completa: “Os brasileiros conseguem identificar uma música única e honesta, uma banda artística e apaixonada — e os fãs cresceram junto conosco.”

Linhagem é algo que se aplica não só aos fãs, como à banda. Se musicalmente o A7X busca fugir de influências mais óbvias, operacionalmente tenta replicar méritos de dois gigantes do heavy metal. Iron Maiden e Metallica ensinaram aos pupilos que o mundo não se resume a América do Norte e Europa Ocidental, seja em esforços promocionais ou de turnê. “Se não, fico refém das tendências e só faço turnê até certo ponto, porque há muitos shows nesses dois locais”, explica Shadows, nascido Matthew Sanders. “Para nós, é importante ir a lugares que não recebem tantos shows. Na nossa última turnê europeia, fomos a toda a Europa Oriental: Eslovênia, Lituânia, Grécia… muitas bandas americanas nem se aventuram. E aprendemos com os melhores. Iron Maiden e Metallica fizeram ótimo trabalho ao expandir horizontes.”

Banda global e, também, de grande porte, daquelas que arrastam multidões. “Tocamos em arenas há um tempo, mas ocupar espaços maiores é o objetivo que sempre tivemos e continuamos trabalhando para atingir”, pontua Johnny Christ, o mais jovem (40 anos) e descontraído. “Queríamos sair do grupo de artistas que abre shows para os ídolos”, diz Synyster Gates, 44, o sincerão da banda.

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Desafiando fãs e até contratantes

Como chegar ao objetivo descrito? Não basta trabalhar muito: é preciso fazer algo diferente. E as iniciativas do Avenged Sevenfold, num geral bem desafiadoras, se destacam.

Uma delas está no trato com o público mais fiel. Desde 2021 o grupo tem o Deathbats Club, fã-clube construído a partir de um projeto de NFTs (criptomoeda única que representa a posse de algo). Por meio dele e de seu ecossistema digital, se tem acesso antecipado a ingressos, merchs exclusivos, sorteio de meet & greet e eventos privados — como um show único, realizado em 2024 nos EUA, com músicas dos primeiros álbuns.

Os membros reconhecem: não é fácil educar quem os acompanha sobre as vantagens do Deathbats. Criptomoeda, blockchain… tudo isso é bem recente. Mas como toda decisão desafiadora, há benefícios no longo prazo. “Amo todos os aspectos dessa banda e eles sempre querem melhorar e impulsionar tudo, de NFT a meet & greet”, destaca Brooks Wackerman, 48, experiente baterista que se juntou ao grupo em 2015.

Outro ponto em constante execução é, na falta de um termo melhor, “forçar” sua entrada em espaços maiores — seja como headliner em festivais consolidados ou com shows em grandes locais até em países onde pouco visitaram. Shadows explica que ele e seus colegas fizeram isso em turnê pelo Leste Europeu em 2024, durante a qual visitaram “lugares onde talvez não fôssemos muito populares e buscamos nos impor”. “Na República Tcheca, o promotor não achou que éramos grandes o bastante. Mas nós achamos e esgotamos os ingressos. Às vezes, é preciso arriscar. Muitos nesta indústria se preocupam em se proteger e não arriscam.”

Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)
Avenged Sevenfold em 2025 (E-D): Brooks Wackerman, Synyster Gates, M. Shadows, Zacky Vengeance e Johnny Christ (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)

Vengeance garante que a busca por palcos maiores e posições mais valorizadas em lineups de festivais é feita pensando não em glórias próprias ou dinheiro, mas no público que aposta neles. “Sempre quisemos ser headliners apenas como um testemunho para os nossos fãs, porque eles confiam em nós. Eles acham que merecemos estar ali.”

Matt aponta que tal comportamento do grupo é benéfico para a parte jovem da comunidade metal. Afinal de contas, abre espaço para atrações mais jovens também se tornarem headliners, algo incomum no âmbito da música pesada. “Tem várias bandas surgindo atrás de nós nesse porte: Ghost, Bring Me the Horizon, Sleep Token, Bad Omens, Spiritbox. Eles também precisam ser capazes de se destacar. Se nós não conseguimos, eles também não conseguirão.”

Por último, mas não menos importante, o A7X tem abordagem desafiadora em seu processo criativo. Seus dois álbuns mais recentes, The Stage (2016) e Life is But a Dream… (2023), fogem do metalcore dos primórdios ou do hard rock/metal de Nightmare (2010) e Hail to the King (2013). Hoje estão mais prog e experimentais, especialmente no disco de 2023, no qual exploram influências como Mr. Bungle (uma das atrações de abertura dos shows no Brasil), King Crimson, Nine Inch Nails, hip hop e eletrônica. “Mas não apenas tentar fazer música estranha por fazer”, esclarece Synyster Gates. “Sempre queremos uma melodia por cima. Acho que é isso que nos diferencia das outras bandas: não descansamos até que as melodias nos arrepiem. Não é só de um grande riff.”

Vengeance, um dos membros fundadores ao lado de Shadows e do falecido baterista Jimmy “The Rev” Sullivan, conceitua: “Você nunca pode compor atendendo a desejo de fã. Você precisa compor buscando oferecer ao fã o que eles não sabem que precisam. Tem que desafiá-los”. Christ lembra que tal conceito regeu quase todos os álbuns do Avenged: “Até City of Evil, hoje clássico, não foi muito bem recebido nos EUA de início. Nesse sentido, Life is But a Dream não se difere tanto dos outros”.

Jurando não se importar com eventuais reações negativas às alterações sonoras do A7X (“mais me divirto com isso do que qualquer outra coisa”), Matt crava que “90% da música para a maioria das pessoas é nostalgia”. Por isso, mudanças rendem críticas. “A maioria das pessoas ama o que ouvia na juventude e é difícil para elas pensarem: ‘Isso é bom mesmo ou só gosto porque cresci ouvindo?’”, reflete. “Só queremos garantir que não caímos em armadilha. E, para mim, a maior armadilha é tentar perseguir o sucesso antigo com versões diferentes da mesma coisa.”

Essa arapuca já fez algumas vítimas. Ou muitas, nas palavras de Shadows. “Sinto que a maioria das bandas que vieram antes de nós se acomodou em algum tipo de rotina após um tempo”, elabora. “Isso fica muito chato. Não acho que os fãs precisam aprender a cantar suas músicas novas se você fica criando a mesma coisa.” Wackerman está conceitualmente alinhado aos colegas. “Minhas bandas favoritas não se acomodaram sobre os louros e fazem música nova.”

Efeito Brooks — e o eterno 6º membro

Brooks Wackerman pode não parecer ideal para o Avenged Sevenfold. O baterista se destacou entre 2001 e 2015 como integrante do Bad Religion, nome decano do punk rock e hardcore melódico. Mas sua trajetória guarda tantas outras informações que, no fim das contas, o torna perfeito para a função.

Primeiro: Brooks foi criado em Long Beach, cidade na Califórnia a 25 km de Huntington Beach. Nasceu em 1977 — logo, faz parte da mesma geração que os colegas, nascidos entre 1981 e 1984. E o mais importante, sua bagagem musical vai além do punk.

O berço dista do rock. Seu pai, Chuck, também era baterista — de jazz — e ensinou o instrumento não só a ele, como também a seus outros dois irmãos. Profissionalmente, começou aos 14 anos num grupo adolescente de hard rock: o Bad4Good, contratado pelo selo gigante Interscope e mentorado por Steve Vai. “Aprendi ali a gravar e a compor”, diz.

Ainda menor, entre seus 16 e 17, gravou seu primeiro álbum com o Infectious Grooves, banda funk metal comandada pelo cantor Mike Muir e que à época trazia Robert Trujillo (futuramente Metallica e Ozzy Osbourne) no baixo. “Pela primeira vez fiz turnê sem minha mãe me acompanhar e estive num projeto onde alguém me deu confiança musical.” Brooks logo foi contratado pelo grupo principal de Muir, o ícone do crossover thrash Suicidal Tendencies. “Devo muito a Robert e a Mike”, emenda.

Wackerman pertenceu ao Muirverso até 2001, quando se juntou ao Bad Religion. Aprendeu a compor de modo mais simplificado e notou que a passagem “abriu os olhos para o mundo em termos de política e meio ambiente”. “Era ótimo só estar perto deles e ouvir suas conversas”, diz sobre a banda liderada pelo vocalista Greg Graffin, raro caso de doutor — em zoologia — no rock.

Paralelamente, excursionou com o Tenacious D junto a Jack Black (“além do brilhantismo cômico, esses caras têm corações de ouro”), substituiu Travis Barker no Blink-182 em 2013 e gravou com Avril Lavigne, Korn e Glenn Tipton, guitarrista do Judas Priest definido como um “verdadeiro cavalheiro”.

Shadows e Gates acompanhavam tudo. No início dos anos 2000, mais de uma década antes do convite para entrar no A7X, Matt falou à Concrete Marketing que, se montasse uma banda dos sonhos, teria Brooks na bateria. Flea (Red Hot Chili Peppers) ficaria no baixo e John Petrucci (Dream Theater) seria o guitarrista. “Só vi esse vídeo uns três anos atrás, quando já estava na banda. Fiquei arrepiado”, admite Wackerman. “Que viagem. É muito foda estarmos trabalhando juntos hoje”, completa.

Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)
Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)

Ao ser relembrado do vídeo, Shadows reage de modo mais protocolar e enche o colega de elogios. “Você nunca precisa se preocupar com Brooks: pode compor o que for, mas sabe que ele trará várias habilidades diferentes, porque já tocou todos os estilos”, comenta, antes de traçar um paralelo esperado: “É como The Rev, você nunca precisa se preocupar com a seção rítmica.”

James Owen Sullivan, apelidado de The Rev, nasceu em 1981 talqualmente Shadows, Gates e Vengeance. Além de bateria, tocava piano e cantava, como se ouve em “Critical Acclaim”, “Fiction” e outras canções. Com o tempo, desenvolveu a habilidade de composição, criando sozinho “A Little Piece of Heaven”, “Afterlife”, “Almost Easy”, “Natural Born Killers” e mais. Faleceu em 28 de dezembro de 2009, aos 28 anos, devido a uma overdose de medicamentos com álcool. O A7X decidiu finalizar o álbum em que trabalhava no período, Nightmare, trazendo o maior ídolo de Rev, Mike Portnoy (Dream Theater), para as gravações e a turnê. “Não sabíamos se seríamos uma banda depois, mas tínhamos que terminar esse disco por nosso amigo”, conta Zacky.

The Rev, segundo Brooks Wackerman, está “presente todos os dias” na rotina do Avenged Sevenfold, mesmo 15 anos após sua morte. “Era o melhor amigo deles desde a escola. Não há um dia sem menção a Jimmy. Sempre compartilham comigo uma lembrança ou anedota”, afirma o baterista. “Falávamos a mesma língua de um jeito que só se consegue quando se cresce junto e tem as mesmas experiências e referências. Algo assim não se substitui”, diz Shadows, cujas habilidades como compositor de letras, de acordo com Gates, se tornaram poderosas e sensíveis após a perda.

O cantor “adoraria saber para onde” The Rev levaria o Avenged Sevenfold caso ele não tivesse nos deixado tão cedo. “Acho que teríamos mais algumas músicas brilhantes. Acho que a ideia seria a mesma — Synyster, Zacky e eu sempre impulsionamos isso —, mas acho que haveria brilho extra e mais elementos”, reflete, antes de se conformar: “Só podemos imaginar”.

Brooks sabe que dificilmente estaria na banda se The Rev ainda estivesse vivo. Afinal de contas, desde que se solidificou com a chegada de Johnny Christ em 2002, a formação pouco mudou. Só o banquinho da bateria troca de titular: Portnoy esteve temporariamente com o grupo em 2010 e Arin Ilejay foi trazido no ano seguinte, seguindo até 2015, quando sua demissão levou à chegada de Wackerman. “Quando me chamaram, lembro de ficar eufórico e pensar: ‘Faz sentido’. Mas fiquei muito surpreso, porque nunca considerei a ideia”, pontua ele, que, garante, conhecia o catálogo e era fã desde quando ouviu o som numa Warped Tour com A7X, Bad Religion e mais, ainda em 2003. “Ainda me belisco por eles desejarem me envolver criativamente. Já fui contratado para tocar no passado, mas nada supera ser um membro da equipe”, conclui.

Questionados sobre o futuro, os integrantes desconversam. “Estamos sempre compondo, nem sempre para lançar, e não fazemos planos porque nunca funciona do jeito desejado”, diz Vengeance, que ao menos confidencia trabalhar em um álbum solo. “É um jeito de contar minha história com minha voz, usei isso como um tipo de terapia”, completa, antes de garantir que o Avenged não acabará por conta desse ou de qualquer outro projeto paralelo. “Somos casados uns com os outros. Eles são meus melhores amigos e essa banda é o nosso bebê desde o dia em que começamos.”

Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)
Avenged Sevenfold em 2025 (Foto: Lexie Alley para Rolling Stone Brasil)

Rolling Stone Brasil: Avenged Sevenfold na capa

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-graduado em Jornalismo Digital. Começou em 2007 a escrever sobre música, com foco em rock e heavy metal. É colaborador da Rolling Stone Brasil desde 2022 e mantém o site próprio IgorMiranda.com.br. Também trabalhou para veículos como Whiplash.Net, revista Roadie Crew, portal Cifras, site/canal Ei Nerd e revista Guitarload, entre outros. Instagram e outras redes: @igormirandasite.
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