Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil
Música / Entrevista

Baco Exu do Blues lança 'Fetiche' e rebate críticas: 'Não falo só sobre sexo'

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o músico detalhou o processo de criação do novo EP e ressaltou que suas músicas abordam temáticas profundas

Baco Exu do Blues (Foto: Tauana Sofia)
Baco Exu do Blues (Foto: Tauana Sofia)

Quem conhece o Baco Exu do Blues que canta "Bebendo vinho, quebrando as taça / F*dendo por toda a casa", em "Te Amo Disgraça", não se espanta com o verso que abre a faixa-título de seu novo EP: "Eu controlo o vibrador da calcinha dela enquanto ela dirige". 

O artista lançou Fetiche na última semana de junho após uma longa pesquisa sobre os significados por trás da palavra que nomeia o projeto. No filme do EP, dirigido e roteirizado por Camila Cornelsen, são conferidos dois sentidos ao substantivo: na mitologia, trata-se de um "objeto ao qual se atribuem poderes sobrenaturais ou mágicos e se presta culto", enquanto na psicologia, está associado a um "objeto ou parte do corpo que desperta interesse sexual ou erótico".

Ao refletir sobre a sexualização de pessoas negras, Baco chamou atenção para o papel da Igreja Católica na escravização, afirmando que os religiosos argumentavam que elas não tinham alma.

"O desejo vira uma questão para a gente, de certa forma. Parece que, obrigatoriamente, a gente está preso numa caixa, e eu via isso como uma forma de castração. Por muito tempo, fiquei pensando se isso também não era uma forma de conter povos negros", ponderou em entrevista à Rolling Stone Brasil.

Isso me incomodava muito, as pessoas colocarem como se [o desejo por mim] fosse só por conta do meu corpo. Eu sou um cara f*da, consegui ascender financeiramente na vida, fazendo meu próprio corre, não me considero uma pessoa burra — não sou a pessoa mais inteligente do mundo, mas também não sou um cara burro —, me vejo sendo um bom partido em todos os sentidos. Eu também me sinto no direito de ser desejado e sentir o desejo das pessoas de uma forma original. [...] Para mim, é uma ferida imaculada.

Por isso, Baco defende que Fetiche não é sobre sexo puro e aplicado: "Eu falo de sexo de uma maneira que acho muito bonita, inteligente, sensível, e que as pessoas não estão acostumadas a falar. Acho que vem com camadas. Vem com lugares específicos. Vem com dores. Vem com sentimentos". 

Críticas

Baco Exu do Blues está ciente sobre as críticas relacionadas às suas músicas. Antes de lançar Fetiche, comentários negativos sobre seu trabalho se multiplicaram em publicações ligadas ao EP. "Conteúdo fraco e repetitivo", disse usuário do Instagram, por exemplo.

O autor de "Me Desculpa Jay Z" rebateu as avaliações de ouvintes que acredita não terem entendido suas estrofes: "Esse tipo de conteúdo incomoda também, né? Você vê que no momento que faço uma letra trabalhada, falando sobre sexo ou brindando minha liberdade de falar sobre qualquer coisa, aparecem pessoas que ficam incomodadas".

Ele apontou também que o tal desconforto é gerado pelas expectativas de quem considera personalidades negras responsáveis apenas por discursos sobre "miséria e dores sociais". 

A gente está em 2024...  Tem muita gente importante fazendo trabalhos lindos, comunicando sobre isso, vários livros para as pessoas estudarem sobre isso, várias coisas. Eu quero falar sobre minha vida. Eu quero me divertir fazendo música. Eu quero viver meu momento e quebrar essa ideia de que uma pessoa com meu rosto e com meu corpo tem que literalmente falar sobre os assuntos que ela acha que esse rosto e esse corpo podem falar.

Baco tinha certeza que iria "trazer debates" ao lançar o curta-metragem do EP. Ele elogiou Cornelsen pela direção, afirmando que "ela é a única pessoa que poderia fazer esse filme sem deixar brega".

O artista descreveu as cenas do vídeo como frutos da imaginação da protagonista, que em diversos momentos flerta com o personagem de Baco. "E aí fica a dúvida para as pessoas, né? Quais são os motivos para ela ter me colocado no imaginário dela daquela forma?", apontou o cantor.

"Eu sabia que era um movimento arriscado trabalhar com isso, eu sabia que ia trazer debates. Eu sabia que ia trazer conversas. Acho que esse é o papel do artista, né? Por mais que seja um tema polêmico, eu acho importante que seja conversado, e não tenho, necessariamente, que dar todas as respostas. Acredito muito no potencial das pessoas de encontrarem as próprias respostas", continuou.

Eu sempre falo que são meus motivos, minhas dores, minhas vontades, mas, quando sai para o mundo, vira as dores e as vontades de outras pessoas.

O músico dará tempo para os fãs entenderem as mensagens incluídas no novo projeto: "Todos os meus trabalhos têm camadas".

Baco confessou que "Teste de Elenco", vídeo que mostra atores fazendo uma audição para o curta-metragem do EP de forma cômica, serviu para aliviar o peso do tema central de Fetiche: "Quero falar sobre esse tema pesado de uma maneira engraçada. É muito doido que foi tão engraçado, que a mensagem central da parada acabou passando batida, e isso é divertido para car*lho também".

Você já ouviu 399 mil trabalhos meus. Você sabe que eu não falo só sobre sexo. Quem fala isso está querendo fazer exatamente o que a história fez: me reduzir a um papel específico.

Parcerias

"Eu costumo dizer que minhas músicas pedem as pessoas certas para elas", disse Baco. No caso de "limão siciliano" e "pausa da sua tristeza", Young Piva e Liniker foram, respectivamente, os artistas ideais para uma parceria. 

Sou um pouco receoso com colaboração. Se você parar para ver, dentro da minha discografia, tenho poucos feats. e todos os feats. que eu já tive são com pessoas que, quando terminei a música, tinha certeza que ela precisava daquela pessoa.

"Liniker trouxe uma camada que completa [a música]", admitiu Exu do Blues. "Nessa música, eu estou em um lugar mais fofo, e ela vai para um lugar mais da luxúria — e era exatamente disso que eu precisava."

"E o Piva, não posso imaginar outra pessoa conseguindo pular na vibe de 'limão siciliano'", adicionou. "Não conheço ninguém que faz o que ele faz, musicalmente, aqui no Brasil."

Sonoridades

O vencedor do Gran Prix do Festival de Publicidade de Cannes ressaltou que não gosta de abrir o jogo aos fãs e prefere que eles cheguem às suas próprias conclusões sobre as letras e as sonoridades de suas faixas.

Exu do Blues deixou de se preocupar com a pressão do público e tentou focar em sua própria voz durante o processo de criação de Fetiche. "Depois do QVVJFA?, fiquei com muito medo de não voltar a sentir esse tesão de gravar", avaliou. 

Por isso, ele se desafiou a "fazer uma parada para um público que não entende quase nada de música e para a galera que entende muito de música". O artista não chegou a se aprofundar sobre as novidades sonoras levadas ao EP, mas citou o uso de samples:

A onda desse EP era brincar com sonoridades. A gente queria fazer as músicas com diferentes instrumentais, mas, ao mesmo tempo, queríamos que a suavidade fosse um ponto em comum. A ideia era: se repetir esse EP 300 vezes, a pessoa não vai se incomodar. Mas se ela prestar atenção, ela vai entender várias paradas, vai entender a dinâmica dos samples, vai entender as letras. Tem uma questão de baixo também, de graves, que eu acho que aí é mais para músico mesmo, mais para produtor...

Além de batidas que lembram reggaeton, Fetiche inclui trecho de "Sodade, Meu Bem, Sodade" — canção conhecida na voz de Nana Caymmi. Baco revelou que "sodade" é sua faixa favorita do EP: "A letra de 'sodade' é uma das coisas mais bonitas que eu já fiz".