CRÍTICA

BK’ processa o sucesso e reafirma sua posição no rap em ‘Produto do Ambiente’

Após consolidar seu sucesso com “DRLE”, o rapper retorna com uma mixtape que equilibra reflexão introspectiva e energia

Kadu Soares (@soareskaa)

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Foto: Mauricio Santana/Getty Images

O que sobra depois de quase dez anos na cena? Quase uma década jogando o jogo? Depois de lançar clássicos? Ganhar reconhecimento fora do rap? Sobra você. Bem diferente, claro, mas ainda você.

BK’ viveu isso. Em 2025, Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer (2025) consolidou sua posição como um dos nomes mais importantes do rap brasileiro contemporâneo e o levou para espaços onde poucos rappers chegam: playlists mainstream, shows esgotados pelo Brasil, reconhecimento de público que nunca tinha ouvido falar de Castelos & Ruínas (2016). A projeção veio, o dinheiro veio, a fama veio.

E então? BK’ fez o que sempre fez: continuou trabalhando.

Produto do Ambiente, nova mixtape lançada na última terça, 16, pelo seu próprio selo Gigantes (virando tradição natalina depois de Verão Criminoso há dois anos), é a resposta de quem não se acomoda. São dez faixas inéditas mais um remix que funcionam como processamento em tempo real do que significa estar no topo depois de tanto tempo subindo.

Não é volta às raízes como fuga do sucesso. É reconexão consciente com o que sempre funcionou, temperada com as conquistas estéticas recentes. BK’ não abandona DRLE. Conversa com ele, questiona-o, às vezes se afasta, às vezes se aproxima.

O projeto abre com “Até Amanhã”, faixa que já estabelece o clima e traz consigo o verso que resume todo o conceito: “Eu sou um produto do ambiente, igual os crentes, os cracudos, os vagabundos e os inocentes que acham que vão mudar o mundo amanhã”. Com ela, já fica claro — BK’ está diferente de DRLE — por enquanto. Ainda reflexivo, só que mais solto. Menos preocupado em fazer hit e mais interessado em processar o próprio momento, em tempo real.

Nessa primeira metade, o rapper se distancia conscientemente da fórmula que funcionou no álbum anterior. Temos “Guru do Asfalto”, com Old Dirty Bacon, e “Gatilhos”, com $amuka — faixas que evidenciam um território mais cerebral, mais introspectivo, mais próximo do rap puro que sempre foi a marca registrada de BK’. Aqui, ele não flerta com nada. É rap puro, sem concessões. Os feats brilham — todos, sem exceção.

A partir de “Bonde Passando”, a mixtape vira a chave. Não abandona as reflexões, mas as envolve numa energia completamente diferente — mais desapegada, e curiosamente mais próxima esteticamente de DRLE. É aqui que BK’ permite o namoro com o trabalho anterior. As letras ganham aquele desapego característico que marcou o álbum anterior, e a escolha de samples brasileiros — que funcionou tão bem com Evinha e Fat Family em DRLE — volta a aparecer com força.

“Sai da frente, ó o bonde passando, não queremos guerra, mas sobra disposição”. “Bonde Passando” é hit de show com certeza. Assim como BK’ encerrou sua turnê com “Amém Amém”, não é difícil imaginar a nova canção tomando esse lugar — galera pulando, braços pro alto, todo mundo cantando junto. A vibe é claramente diferente da primeira metade: aqui, ele permite que o sucesso recente converse com o que está fazendo agora.

Mas o ponto alto do projeto chega em “Morro Sem Você”, disparadamente a melhor faixa da mixtape. O sample suave contrasta perfeitamente com a urgência do flow, enquanto BK’ entrega versos que machucam de verdade. A produção respira, dá espaço para a letra cortar fundo, e o resultado é mais uma daquelas “famosas pedradas” do rapper.

Ainda passeamos por “Se Eu Não Manter”, onde ele reflete sobre consistência, e “Deusa”, que traz 2ZDinizz e R&B com Anchietx. É clichê? Sim. BK’ apaixonado rimando pra amada não é novidade. Mas é ruim? De forma alguma.

Por fim, “Amém, Amém” ganha uma nova roupa com o remix do Deekapz, que joga a faixa pro lado do funk. Ganha um ar dançante que funciona surpreendentemente bem. Diferente o suficiente para justificar a existência, mas sem trair a essência da original.

Mixtape, não álbum — e isso importa

Aqui é importante entender Produto do Ambiente pelo que é: uma mixtape. Possíveis críticas sobre falta de coesão narrativa ou aprofundamento conceitual caem por terra no momento em que lembramos disso. Ela não precisa ter a mesma ambição de ICARUS (2022) ou a coesão milimétrica de DRLE. Mixtapes existem justamente para capturar um momento, para funcionar como instantâneo de um estado criativo específico. E é exatamente isso que temos aqui: BK’ processando o sucesso recente, limpando a cabeça, mantendo o fogo aceso, mostrando que não perdeu a fome.

Ele poderia ter feito DRLE 2, ou um deluxe, ou ter seguido à risca a fórmula que claramente funcionou. Mas a vontade de desabafar — ou, simplesmente, de não ficar parado — criou a mixtape.

BK’ é produto do ambiente. Mas também está constantemente reprogramando esse ambiente, moldando-o, ressignificando-o.

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Kadu Soares é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, possui um perfil no TikTok e um blog no Substack, onde faz reviews de projetos musicais.
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