“Eu amo o Brasil”, confessa Buddy Guy, capa da Rolling Stone Brasil, antes de voltar a São Paulo para a décima edição do Best of Blues and Rock com sua turnê de despedida
“A primeira vez em que estive aí, me surpreendi muito, porque os brasileiros conheciam a minha música. Sabia que tinha pessoas muito amorosas, mas não imaginava tanto carinho. Então, eu me apaixonei. Eu amo o Brasil.” A declaração é de Buddy Guy, algumas semanas antes de aterrissar novamente no país para dois shows na edição 2023 do Best of Blues and Rock, em sua terceira participação no festival.
Conversar com esta lenda por vídeo – eu, na redação da Rolling Stone Brasil, no bairro paulistano de Pinheiros; ele, em seu clube de blues Buddy Guy’s Legends, na região do Loop, em Chicago – é também um convite para entender e discutir, mesmo que rapidamente, sobre o estado do mercado fonográfico e o surgimento de novos virtuosos da guitarra. Enquanto me diz que fez tudo pelo “amor à música” ao longo de sua longa carreira, vejo ao fundo algumas de suas icônicas Buddy Guy Standard Stratocaster decoradas com bolinhas, as chamadas polka dots. Não por coincidência, é essa a estampa da camisa que estou vestindo durante a entrevista, como uma forma de reverenciar Buddy. Ele sorri, encabulado, porque este padrão faz parte da sua história.
“Sempre que vejo isso, penso em como me tornei este homem. Fui uma criança que deixou a Louisiana, minha mãe sofreu um AVC e estava às voltas com seus cinco filhos”, conta ele, que nasceu em 1936 na minúscula Lettsworth e construiu sua primeira guitarra com duas cordas amarradas pelos grampos de cabelo da matriarca, Isabel. “Quando fui para Chicago [aconselhado por Muddy Waters], eu disse que mandaria dinheiro para eles e que voltaria dirigindo um Polka Dots Cadillac. Eu sabia que não era verdade, e não tive a oportunidade de dizer isso para ela”, Buddy relembra sobre sua mãe, que faleceu antes de vê-lo tocar ao vivo.
“Por causa disso, um dia pensei que precisava criar algo que fosse uma homenagem a ela. Então, veio a Fender Strat com as polka dots”. A partir daquele dia, a clássica estampa representaria a memória da mãe, que o acompanharia onde quer que estivesse.
“Com o tempo, as pessoas começaram a aparecer nos shows com camisetas, camisas, bonés e chapéus pretos com bolinhas brancas”, ele conta, abrindo um sorriso, como repetiria várias vezes ao longo da entrevista.
Os anos e os discos se passaram, e George “Buddy” Guy, com seu estilo agressivo e doce, sujo, furioso e emocional, consolidou-se como um dos mestres do gênero, levando a guitarra para o centro de suas criações – como em um pensamento guitarra-centrado.
“Como não frequentei a escola, descobri como fazer algumas coisas que, na época, seriam quase impensáveis para mim”, ele diz, explicando o domínio que exerce sobre o instrumento.
Eric Clapton, cantor, compositor e guitarrista, certa vez afirmou: “Buddy Guy foi para mim o que Elvis representou para muitos outros”. O primeiro disco, I Left My Blues in San Francisco, saiu em 1967. O mais recente, The Blues Don’t Lie, o 34º de estúdio, veio em 2022. No mesmo ano, Buddy lançou sua turnê de despedida, a Damn Right Farewell Tour, que será presenciada pelos muitos fãs brasileiros.
Ver essa foto no Instagram
Ver essa foto no Instagram
A lembrança de uma passagem anterior pelo país vem de sua herdeira, a cantora Carlise Guy, que sorri ao contar que o pai a convidou a subir ao palco durante o show da edição 2014 do Best of Blues. Dessa vez, a “Guy filha” também se apresentará oficialmente no festival com seu próprio projeto, o The Nu Blu Band. “Cantar era um escape para mim, nunca vi como um trabalho. Me sentia bem. Quis fazer mais quando vi que também fazia bem a mais pessoas”, conta Carlise.
“Nunca tinha recebido tanto amor. Sempre quis voltar. Estou contando os dias no calendário.” Diversão, sorrisos, fazer o bem através do som: essas parecem ser marcas do clã Guy que vão além dos álbuns, singles e apresentações, e a filha e o pai se declaram movidos por estas sensações.
“Posso dizer que me diverti ao longo da minha carreira”, Buddy diz. “Tive algumas surpresas, como quando você vai para algum lugar novo sem saber o que vai acontecer e pensa: ‘O que farei? O que pode sair errado? As pessoas vão gostar de mim?’ Então, eu uso esta máxima: ‘Seja o melhor, que o melhor acontece’.”
Ser chamado de “lenda viva”, o título que o transforma em um Deus autodidata do gênero, faz transparecer certa timidez no músico experiente. Ele admite: “Não posso aceitar que sou o melhor de todos. Eu me inspiro em Muddy Waters. B.B. King, T-Bone Walker... Eles estavam fazendo isso muito antes de eu saber o que era uma guitarra”.
Mas a aposentadoria da estrada não representa um fim definitivo para a carreira do carismático bluesman. Aos 86 anos, Buddy Guy pensa em fazer shows esporádicos e ainda se mantém curioso na busca de novas vozes. Ele enxerga em nomes como Christone Kingfish Ingram (“que descobri no Mississippi e paguei pela gravação dele”) e Quinn Sullivan (“o qual pode fazer você sorrir quando toca”) uma forma de manter a renovação do gênero.
“Antes de o B.B. King falecer, nós conversamos sobre isso. Pensei que talvez tivéssemos feito algo para que o blues não fosse mais executado nas estações, ou o problema estaria em nossas letras [metafóricas]. O hip-hop não faz assim. Eles são diretos no que querem dizer e vendem muito mais discos que nós”, ele argumenta. “Hoje, o blues não toca nas rádios como há 60 anos. Mas precisamos tentar.”