ENTREVISTA

Charlotte Matou Um Cara espera mostrar punk feminino a público desavisado após convite inesperado para Lollapalooza: 'Achei que fosse fake'

A banda punk formada inteiramente por mulheres se apresenta no Lollapalooza Brasil no domingo, 30

Heloísa Lisboa (@helocoptero)

Publicado em 27/03/2025, às 07h30
Charlotte Matou Um Cara (Foto: Anna Bogaciovas/Divulgação)
Charlotte Matou Um Cara (Foto: Anna Bogaciovas/Divulgação)

Charlotte Matou Um Cara estreia no Lollapalooza Brasil no domingo, 30. Formada por Andrea Dip (vocal), Nina Veloso (guitarra), Camila Brandão (baixo) e Dori Onnez (bateria), a banda punk contou à Rolling Stone Brasil sobre suas expectativas para o show no festival.

"Tenho pensado bastante sobre isso", começou Andrea Dip, também chamada de Déa. "Geralmente, o público que vai nos nossos shows já conhece a gente, já sabe as coisas que a gente fala, já concorda com a gente. Acho que teremos a oportunidade de falar com pessoas que estão fora dessa nossa bolha."

Como adiantou a cantora, as faixas e os shows do grupo incluem diálogos que abordam "conjuntura política e feminismo", o que pode afastar conservadores, por exemplo. Dori ponderou, destacando os efeitos do anúncio da banda no line-up do Lollapalooza: "Várias pessoas vão acabar conhecendo a gente — pessoas que não viriam de uma forma orgânica. Muitas pessoas já vieram atrás, inclusive, pelo nome lá no cartaz, né?O pessoal acha o nome diferente, aí vem procurar".

"Mas eu tenho uma expectativa de que a gente seja bem recebida.Porque, como é um festival muito diverso, são muitos estilos, são muitos artistas diferentes, eu imagino que o público já tenha um pouco dessa abertura para conhecer coisas novas, né?Claro, acho que o público vai para assistir aquele artistão, né?", continuou. 

A baterista demonstrou que acredita que, assim como o festival, o punk também tem sido diversificado no Brasil:

A gente já participou de vários festivais com outras manas do rap, do samba...A gente já tocou com a Linn [da Quebrada], por exemplo, num festival — quando a Linn podia tocar em palcos pequenos, né? —, e a receptividade que a gente teve sempre foi muito boa, mesmo de quem não é punk e, principalmente, das mulheres. Já nos disseram: 'Nossa, tive um momento catártico com o show de vocês e pude gritar umas coisas que eram importantes para mim'.Então, até agora, eu acho que a experiência que a gente teve, mesmo tocando para pessoas que não eram do nosso público específico, que estavam para ver outros artistas de outros estilos, sempre foi muito legal.

Formada em 2015 e nomeada em homenagem a Charlotte Corday, Charlotte Matou Um Cara possui dois álbuns de estúdio: um autointitulado, de 2017, e Atentas, de 2021. Entre um disco e outro, o quarteto dedicou seu tempo a empregos mais convencionais. Déa, por exemplo, é jornalista, enquanto Nina é dona de um bar, Camila trabalha com audiovisual e Dori se arrisca em outras bandas, além de estar por trás de um estúdio musical. 

"É muito suor, mas vale a pena", disse Dori. "Acho que a música é que move a gente. Então, se a gente ficasse só trabalhando, você não estaria vendo esse sorriso aqui, não." 

Para Camila, apelidada como Camis, o grupo funciona como "válvula de escape" e "uma sessão de descarrego", brincou. "Entre frilas e mais frilas e mais frilas, eu faço um pouquinho de várias coisas. Então, não consigo me resumir ainda a uma situação só. [...] Nós temos uma banda em conjunto também, eu e Dori. Só que a nossa banda já é de uma vertente de música jamaicana, ska, mas de mulheres também", acrescentou.

Realmente é meio que um hobby. Mas é um hobby que está ficando sério, né? Porque a gente não esperava que fôssemos convidadas para o Lollapalooza — pela banda que é, pelo gênero que é, pelo que a gente fala... Então, foi uma surpresa. Tanto que eu achei que fosse fake, inclusive, que era golpe. - Camis

"Para mim, faz todo sentido", argumentou Déa, jornalista da Agência Pública especializada em direitos humanos. "Porque, inclusive, várias das letras que a gente tem na Charlotte surgiram de reportagens que eu fiz. Meu jornalismo é investigativo, e eu sempre investigo esses temas nada agradáveis. Investigo a extrema-direita — por isso que estou aqui, em Berlim —, investigo violência de gênero...", explicou. 

Eu acho que a Charlotte, para mim, sempre foi esse lugar em que eu também poderia gritar sobre as coisas que eu tenho visto, sabe? Gritar minhas revoltas. No meu caso, eu acho que uma coisa alimenta a outra: acho que o jornalismo, as matérias que eu faço, as coisas que eu vejo no mundo, me inspiram para compor as letras. Também é uma válvula de escape, sem dúvidas. - Déa

O Lollapalooza Brasil representa um passo importante para Charlotte Matou Um Cara, mas, para as integrantes, trabalhar apenas com a banda permanece no campo dos sonhos. No momento, elas estudam o reencontro para ensaios como oportunidade de criação de novas composições. 

As artistas ainda não têm planos para o lançamento de um disco inédito, mas não faltam grupos punk femininos para ouvir enquanto isso não acontece. A versão de Charlotte Matou Um Cara de "Festa Punk", original d'Os Replicantes, oferece uma lista com nomes importantes de bandas punk formadas por mulheres. "Tiramos todas as bandas dos machos e colocamos as bandas das minas", lembrou Camis

Mercenárias, Menstruação Anárquika e Dominatrix são apenas alguns exemplos citados pelas musicistas. Aos fãs, Déa enviou um recado: "Inclusive, teremos surpresas nesse show do Lolla, participações especiais".